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1. CAPÍTULO

1.7 As raízes da discriminação racial, o colonialismo e

1.7.1 A teoria da assimilação na discriminação racial do Brasil

Em diferentes momentos, as formas de discriminação legal baseada na raça foi uma imposição aos afro-brasileiros e a população indígena. O Brasil após a independência adotou a teoria da assimilação para tratar com os diferentes tipos de pessoas na sociedade. Segundo Bobbio (2004, p.64), a política colonial de assimilação invocava a identidade entre a colônia e a pátria–mãe. Tirava seus princípios informadores da contribuição universal para a sociedade humana, precisamente da cultura européia e da doutrina da igualdade de todos os homens, defendida pela revolução francesa. Na teoria da assimilação, distinguem-se duas linhas de pensamento: a primeira sustentava a assimilação total e pessoal dos povos submetidos à dominação colonial. (GENTILLI, 2004, p.64) (BOBBIO).

A política da assimilação adotada pelas potências coloniais – França e Portugal adeririam de uma forma geral a segunda acepção do termo. Tal política de assimilação é definida como gradualista e/ ou seletiva. Nos territórios africanos administrados pela França, por exemplo, só nas quatro comunnunes15 do Senegal foi aplicada uma política de assimilação total. Em outras regiões, para poder se gozar do privilégio da cidadania francesa era necessário demonstrar, possuir qualidades: conhecimento profundo da língua francesa, religião cristã, bom nível de instrução e boa conduta. (Gentilli, 2004, p.64) (BOBBIO).

O mecanismo de assimilação era semelhante nas colônias portuguesas. Até o início da guerrilha de Angola (1961), conseguia-se o status de assimilado por meio de um complexo procedimento legal. Para que tal status fosse concedido, era exigido um profundo conhecimento da língua portuguesa, devia-se possuir uma renda de determinado nível e as provas de ser católico e de ter um bom caráter. A grande maioria dos africanos não podia, portanto, conseguir o status de assimilado. (GENTILLI, 2004, p.64) (BOBBIO).

A desvalorização de certas cores de pele – e é isso que faz a força do sistema discriminatório – foi muitas vezes assimilada pelas próprias vítimas. A dificuldade de auto-identificação no Brasil e da construção de identidade mostra o grau de enraizamento disso, o que torna difícil a manutenção das políticas

15 Comunidades em Francês.

afirmativas – mas é preciso mantê-las16. (Jornal A Tarde 22 de outubro de 2005

Caderno Local)

No Brasil, a teoria da assimilação vem sendo praticada desde a independência em 1822, como política interna e externa reafirmando compromissos com os portugueses, contra a independência das outras colônias africanas de língua portuguesa. No plano interno, depois da autonomia política, a nação viveu a segregação racial direta manteve a escravidão e procrastinou ao máximo a emancipação dos escravos. O ambiente de discriminação racial direta e indireta prosperou e ganhou os contornos ideológicos da atualidade. O que foi confirmado pelo pesquisador da Unesco, o senegalês Diene17 em entrevista sobre este o impacto da discriminação racial e a ausência de políticas da igualdade:

Ele escolheu o Brasil depois de ter feito relatórios do Canadá, Colômbia, Nicarágua e Panamá, dentre outros países.

Em nenhum desses lugares, no entanto, viu uma “limpeza étnica” tão clara. Com toda sua beleza e contrastes sociais, Salvador aguçou a curiosidade do pesquisador. “A promoção da identidade africana na Bahia não se traduz na promoção de igualdade no plano político, social e econômico”, afirma Diène nesta entrevista exclusiva ao repórter Sandro Lobo. ( Jornal A Tarde 22 de outubro de 2005 -

Esta teoria da assimilação é à base da ideologia do embranquecimento e da democracia racial desenvolvida a partir de 1850 e consolidada entre os anos 20 e 30 do século XX. O ordenamento jurídico nacional, no que diz respeito à discriminação racial adotou o modelo ocidental de Direito com um conjunto de valores universais que nega a diversidade e promove o etnocentrismo. Diante desta realidade jurídica a igualdade dos afro-brasileiros não esteve na agenda jurídica do país em muitas Constituições vigentes, a igualdade em oposição à discriminação racial sempre fez parte de um discurso de

16DIÈNE, Doudou. Racismo tem profundidade histórica. In: Jornal ATarde, BA. entrevista exclusiva ao repórter Sandro Lobo. 2.10.2005 (Caderno Local)

17 A situação de horror e violência a que está submetida a juventude negra e pobre de Salvador é muito

preocupante, na opinião do cientista político senegalês Doudou Diène. Aos 63 anos, o relator especial da Organização das Nações Unidas (ONU) esteve na cidade para colher dados sobre a discriminação racial, ouvir autoridades, entidades negras, comunidades quilombolas e organizações não-governamentais.(Jornal A Tarde 22 de outubro de 2005)

neutralidade igualitária de abstenção a prática do racismo, preservando os interesses de classes dominantes de origem européia.

Para reproduzir a ideologia dominante, o Direito brasileiro adotou as idéias de democracia racial da sociologia e da antropologia como uma forma de evitar produzir justiça e mudar a realidade das desigualdades oriunda de uma sociedade escravocrata e hierarquizada nas suas relações internas. Ë possível compreender melhor como este fenômeno ocorreu ao analisar a abordagem sobre a influência dos textos jurídicos no pensamento e na visão dos dominantes e a homologação da discriminação racial como algo natural mesmo diante de uma constituição e códigos contrários ao racismo institucional.

Assim afirma Bourdieu:

Os textos jurídicos invocados para justificar ou inspirar as decisões dos agentes são adequados aos interesses, valores e visão de mundo dos dominantes (BOURDIEU, 1989b, p.242). O processo de codificação institui na objetividade de uma regra ou de um regulamento escrito os esquemas que governam as condutas no estado prático, produzindo desse modo, o efeito de homologação, o que significa dizer a mesma coisa ou falar a mesma linguagem que permite aos diferentes locutores associar o mesmo sentido ao mesmo som percebido, e que neste caso seria a explicitação que gera consenso (BOURDIEU, 1989b, p. 250).

Enfim sempre que questionados sobre o lugar do afro-brasileiro na sociedade e a justiça social inclusiva, o Estado e a sociedade afirmam que não há racismo no país e que este é um fenômeno externo e que não afeta a predisposição dos brasileiros à miscigenação, bem como a ausência de confronto racial aberto, atribuindo às desigualdades raciais, a questão histórica.

Segundo Edward Telles:

No Brasil, as desigualdades raciais são tidas, às vezes, como simples resultado de questões históricas, tais como as geradas pela escravidão e, portanto, sua superação dependeria de tempo. Ou seja, existe uma crença de que a desigual- dade pode ser reproduzida através de mecanismos não discriminatórios de classe e não em função direta do racismo.” (TELLES, 2003, p.231).

Portanto, a discriminação racial no Brasil tem origens na formação nacional da Colônia, do Império e permanece na República. A injustiça contida na desigualdade no

acesso a educação, por exemplo, necessita ser contida através da promoção da igualdade de fato e de direito para todos os brasileiros.

Para DOUDOU DIÈNE: 2005 há um paradoxo racial no país, em relação à visibilidade

da cultura de origem africana e o acesso aos recursos públicos que permitem alcançar a igualdade real. O que os adeptos da ação afirmativa no ensino superior para afro– descendentes desejam é uma distribuição dos recursos da igualdade real, para além da citação das proibições penais a discriminação racial, há uma demanda pelo reconhecimento da diversidade e que os meios disponíveis do ensino público estejam à disposição também dos mesmos.

Para os opositores das políticas de ação afirmativa, a igualdade no Brasil deve continuar tendo um viés legalista e cego à realidade histórica, sociológica e antropológica, a ótica liberal, a neutralidade, o mercado, as oportunidades foram colocadas de forma igual para todos e estas políticas viriam a constituir-se em um privilégio e uma importação alienígena ao direito nacional.

Para os defensores das políticas de ação afirmativa, a herança histórica da escravidão, da segregação racial, a desigualdade continuada, a discriminação racial direta e indireta devem ser contestadas com uma iniciativa do Estado, em afirmar a missão de promover uma sociedade solidária em que todos se preocupam com o bem-estar coletivo.

O senhor já comparou o racismo a um iceberg, dizendo que era preciso que as leis e o direito atingissem sobretudo sua parte submersa, que era responsável pela manutenção de uma mentalidade e cultura racistas. Como as autoridades podem lutar contra esse racismo invisível?

O que eu proponho é uma estratégia dupla, vinculando ações políticas e jurídicas. Política, através do compromisso firme das autoridades nos âmbitos federal, estadual e local, de combate e de reconhecimento do racismo. A estratégia jurídica é a adoção de textos de lei e práticas administrativas, judiciárias e de funcionamento do aparelho de Estado – como segurança, polícia e educação – para combater as expressões e manifestações de racismo e discriminação racial. (Jornal A Tarde 22 de outubro de 2005 Caderno local)..

Esta corrente acredita na idéia de que é preciso tratar desigualmente os desiguais para promover a igualdade e criar um ambiente da pedagogia da inclusão, distanciando-se da omissão estatal e do legalismo do direito positivo e de uma visão de que as oportunidades estão colocadas para todos de forma simétrica.

O senhor é a favor das políticas afirmativas. Como o senhor acha que elas podem ser aplicadas num país miscigenado como o Brasil, onde muitas pessoas têm dificuldade em se identificar como negras?

As ações afirmativas são uma resposta fundamental em sistemas onde a discriminação é profunda estruturalmente. Portanto, num período curto, é preciso usar a ação afirmativa para dar oportunidade às comunidades vitimizadas de igualdade de condições de chegarem aos mais altos níveis da sociedade. Aí entra uma especificidade brasileira. A questão da cor da pele desempenhou um papel extremamente estruturador da discriminação no Brasil. E não só social e econômica, mas mental também. A desvalorização de certas cores de pele – e é isso que faz a força do sistema discriminatório – foi muitas vezes assimilada pelas próprias vítimas. A dificuldade de auto-identificação no Brasil e da construção de identidade mostra o grau de enraizamento disso, o que torna difícil a manutenção das políticas afirmativas – mas é preciso mantê-las. (Jornal A Tarde 22 de outubro de 2005)..

As políticas de ação afirmativa sugeridas para a educação no país, pretendem acelerar este movimento através da judicialização da política, e através das propostas de novas políticas para o Judiciário, o Executivo, e o Legislativo dos direitos a igualdade sem entrar no mérito do colapso dos princípios tradicionais da igualdade sobre, como afirma Dworkin:

A igualdade é espécie ameaçada de extinção entre os ideais políticos. Até poucas décadas atrás, qualquer político que se declarasse liberal, ou mesmo de centro, acreditava que a verdadeira sociedade igualitária era, pelo menos, um ideal utópico. Atualmente, porém, até os políticos que se declaram de centro- esquerda rejeitam o próprio ideal da igualdade. Dizem que representam um "novo" liberalismo ou uma "terceira via" de governo e, embora rejeitem enfa- ticamente o credo de insensibilidade da "antiga esquerda", que deixa à mercê de um mercado quase sempre cruel o destino do povo, também rejeitam o que chamam de pressuposto teimoso da "velha esquerda", segundo o qual os ci- dadãos devem dividir equanimemente a riqueza da nação. (DWORKIN:2005,p,9)

O Direito no Brasil está diante de uma novidade jurídica importante no combate à discriminação racial; as políticas públicas do tipo ação afirmativa, com a espécie cota sendo aplicada no campo da educação com o um grande debate sobre a constitucionalidade destas medidas, o que obriga conhecer a história da discriminação racial e sua vinculação com o Direito.

Desta forma o objetivo do capítulo seguinte desta dissertação será conhecer, comparar, analisar as práticas jurídicas e contradições dos conflitos constitucionais através da história do Brasil no campo do aceso dos afro-brasileiros no ensino superior através das

políticas de ação afirmativa. O fato de dezesseis universidades no Brasil ter adotado políticas de ação afirmativas para o acesso de afro-brasileiros e população indígena é significativo da força que o protagonismo do movimento negro produziu na geração de novas formas de Direito e em especial os direitos civis positivos (Direito a ter a contra prestação do Estado por ter as suas garantias constitucionais além do impedimento de ser discriminado e sim de ter oportunidades de buscar a igualdade).