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2. CAPITULO II

2.2 Breve digressão do direito e as relações raciais no Brasil

2.2.2 Brasil Império Discriminação Racial direta Segregação Racial

Com a independência em 1822, o direito à educação primária gratuita foi incorporado à Constituição do Brasil de 1824, que nas disposições transitórias estabeleceu no artigo 179, inciso XXXII: “A instrução primária é gratuita a todos os cidadãos”. Porém, a educação primária e gratuita permaneceu proibida aos escravos pelo fato de não serem considerados cidadãos, mas coisas e bens semoventes. Deste modo, diversas normas tornaram legítima a exclusão escolar para os afro–descendentes, pois ratificavam a proibição de que negros, mulatos, escravos africanos e libertos efetivassem matrículas nas escolas de ensino primário. Os escravos e libertos afro-brasileiros buscavam alternativas, oportunidades e promoção social para estudarem e exercerem profissões tidas como nobres e valorizadas economicamente. Um importante exemplo deste aspecto foi a trajetória do advogado Antonio Pereira Rebouças, homem negro importante do Império, tido como “fiador dos Brasileiros, pelos seus serviços prestados ao Império e ao imperador”. Isto demonstra claramente os meandros da tentativa de ascensão social dos afro–brasileiros.

Segundo a historiadora Grinberg:

Nascido no Recôncavo baiano, de pai português e mãe liberta, Rebouças teve que suar muito antes de tornar-se conhecido na Corte por seus conhecimentos de Direito Civil. Autodidata, teve seus esforços reconhecidos com a permissão para advogar na Bahia, e depois em todo o Império; além de participar de importantes episódios políticos ocorridos no Império, a começar pelas lutas pela Independência, foi por diversas vezes parlamentar, e participou de importantes discussões sobre a regulamentação do direito civil durante o segundo reinado. Se isso, não em tudo, já seria o suficiente para que Antonio Pereira Rebouças tivesse lugar de destaque entre os muitos advogados e deputados que ajudaram a fazer com que o Império brasileiro tenha sido construído da forma como foi (GRINBERG, 2002, contra capa)

No período imperial foi intenso o debate jurídico sobre a melhor forma de se fazer, lenta e gradualmente, a Abolição. Diferentes correntes do mundo jurídico e da política opinavam acerca do que fazer com o sistema escravista e de como terminar com a escravidão sem alterar as condições da economia e da estratificação social. Em 1823, os deputados discursavam a respeito da escravidão, na Assembléia Geral Constituinte,

quando uma frase de José do Bonifácio, proferida na Tribuna, passou a ser símbolo de Abolição gradual.

A citação de José do Bonifácio25 revelou o pensamento médio da época, sobre as conseqüências da Abolição:

Torno a dizer, porém, que eu não desejo ver abolido de repente a escravidão; tal acontecimento traria consigo grandes males.

Para emancipar escravos sem prejuízo da sociedade, cumpre fazê-los, primeiramente, dignos da liberdade. Cumpre que sejamos forçados pela razão e pela lei a convertê-los gradualmente de vis escravos em homens livres e ativos26.

As leis imperiais legislavam sobre os cidadãos livres e não se destinavam aos escravos ou africanos libertos. Quanto ao sistema jurídico vigente, consideravam-se os escravos bens semoventes e não lhes ofertavam direitos. Na ausência de direitos, as normas jurídicas vigentes estabeleciam proibições aos escravos africanos e instituíam a preferência por brancos livres. Ainda mais, detalhavam como deveriam dar-se a exclusão, a substituição e as penas previstas para o não cumprimento das preferências ao homem branco livre.

O Decreto de 25 de junho de 1831 é exemplo legal dos mecanismos utilizados para a legitimação da discriminação no Brasil. (Anexo 2)

25 “José Bonifácio de Andrade e Silva redigiu um projeto para a Abolição do tráfico de escravos, bem como

para a disciplina das relações senhores e escravos. O projeto não chegou a ser apresentado e José Bonifácio só o tornou público depois que estava no exílio. (FREITAS, 1980, p. 123)

“Art. 209 - O senhor não poderá impedir o casamento de seus escravos com mulheres livres, ou com escravas suas, uma vez que aquelas se obriguem a morar com seus maridos, ou estas queiram casar com livre vontade.

Art. 229 - Dará igualmente todas as providências para que os escravos sejam instruídos na religião e na moral, no que ganha muito, além da felicidade eterna, a subordinação e felicidade da vida dos escravos. Art. 239 - O Governo procurará convencer os párocos e outros eclesiásticos, que tiverem meios de subsistência, que a religião os obriga a dar liberdade a seus escravos, e a não fazer novos infelizes.

Art. 249 - Para que não faltem os braços necessários à agricultura e indústria, porá o Governo em execução ativa as leis policiais contra os vadios e mendigos, mormente sendo estes homens de cor.

Art. 259 - Nas manumissões, que se fizerem pela Caixa de Piedade, serão preferidos os mulatos aos outros escravos, e os crioulos aos da Costa. “

26 [Extraído de José Bonifácio de Andrada e Silva, “Representação à Assembléia Geral Constituinte e

Legislativa do Império do Brasil sobre a escravatura”.

In: Memórias sobre a escravidão. Rio de Janeiro Brasília: Arquivo Nacional Fundação Petrônio Portela, 1988, p. 69-70).

Observa-se que na educação, no emprego e na renda havia mais que uma situação momentânea de desigualdade. O decreto citado conduzia o resultado do acesso ao trabalho que dava vantagens a um tipo de trabalhador, fechando o mercado a outro tipo de trabalhador - o escravo-, e aos ingênuos27. Contudo mesmo neste ambiente, afro- brasileiros chegavam a ser exceção e conseguiam estudar ou aprender a ler e a escrever.

Um dos fatores que impossibilitou escravos e libertos de freqüentar as escolas era a dificuldade deles de circular entre as cidades, em função dos controles de passagem entre uma cidade e outra, determinados por decretos para controlar a circulação dos escravos nos moldes das sociedades multiculturais que praticavam a segregação direta a exemplo do apartheid na África do Sul.

Como se pode observar no decreto de 14 de dezembro de 1830:

Estabelece as medidas policiais que na província da Bahia se deve tomar em relação aos escravos africanos, e aos pretos foros.

Artigo 1° - Nenhum escravo, cujo senhor for morador na cidade, vilas ou povoação e viva em companhia deste, e bem assim nenhum escravo, que residir em fazenda ou prédio rústico de qualquer denominação que seja, poderá sair daquela cidade, vila, povoação, em que habitar sem consigo levar uma cédula datada e assinada por seu senhor, administrador, feitor, ou quem suas vezes fizer...

Artigo 3 - Nenhum preto ou preta foro africanos poderá sair da cidade, vila, povoação ou fazenda e prédio, em que for domiciliário a titulo de negócio ou por qualquer outro motivo, sem passaporte... “ (BRASIL. Collecção das Leis do Império do Brasil de 1822 a 1851. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional; Typographia Nacional, [s.d.].

As constantes revoltas de escravos, (A Revolta dos Malês - 1835)28, as rebeliões republicanas (Farroupilha - 1835),29 durante o Império, provocaram a restrição do acesso à

27 Ingênuos era a denominação Jurídica da criança escrava, no Brasil antes da lei do Ventre Livre de 28 de

setembro de 1871.

28 A Revolta dos Malês, ocorreu em Salvador, em 1835, e tinha como objetivo instalar uma nação islâmica

na Bahia, acabar com a escravidão. Ver mais sobre este assunto em “A Revolta dos Malês – Uma insurreição escrava de João Reis.

educação, província por província, por meio de decretos e de regulamentos, num conflito direto com a constituição imperial de 1824. Diversos diplomas legais determinavam que os leprosos, os africanos e os escravos livres não podiam estudar e nem matricular-se nas escolas.

Como se pode observar no conteúdo da Lei número 1, de 4 de janeiro de 1837, Brasil - Rio de Janeiro, Capital do Império:

Lei número 1, de 4 de janeiro de 1837. Brasil - Rio de Janeiro Capital do Império:

Artigo terceiro - São proibidos de freqüentar as escolas públicas:

1- Todas as pessoas que padecem de moléstias contagiosas 2 - Os escravos e os pretos Africanos ainda que sejam livres ou libertos.

No Império, a educação, por meio de mecanismos legais, definia as oportunidades e o destino da população negra. Assim o negro não podia estudar nem aprender e, mesmo que deixasse de ser escravo, estava destinado a ser cidadão de segunda categoria. Nesse sentido, a regra geral era que os escravos e seus descendentes não deviam e não podiam estudar, pois os códigos de condutas dos senhores em relação aos escravos foram ampliando sua base de dominação e de exploração, incorporando à legislação formal os descendentes e seus frutos.

Razzini, analisando a história da instrução pública no Brasil, afirma que:

A instrução pública no Brasil do final do século XIX estava ainda dando os seus primeiros passos. Embora, desde 1854, algumas leis a favor da educação tenham sido elaboradas, na prática, a imensa maioria da população permanecia analfabeta. Verdade é que faltava de quase tudo para que as leis saíssem do papel. Em 1859, por exemplo, devido ao aumento do custo de vida e ao desinteresse do poder público, o salário dos professores desvalorizou-se, desestimulando os mestres atuantes. Não havia escolas normais para capacitação de novos professores, o que fez surgir os chamados adjuntos, tanto mal pagos, quanto mal preparados. Nem mesmo os prédios escolares eram os mais adequados, visto que foram de início, alugados. (Razzini, 2000: 21.)

29 A Revolução Farroupilha, foi uma revolta de caráter republicano ocorrida no Rio Grande do Sul em 1835,

A Reforma Couto Ferraz, que aprovou o regulamento do ensino primário e secundário, pelo Decreto n° 1.331, de 17 de fevereiro de 1854, estabeleceu que nas escolas públicas do país não fossem admitidos escravos e a previsão de instrução para adultos dependia da disponibilidade de professores30.

A educadora Ana Maria Freire mostra que foi editado no governo imperial o Decreto n° 7031-A, de 6 de setembro de 1878, estabelecendo que:

O sistema jurídico nacional e os diferentes ramos do Direito tratavam de forma diversa a presença africana e dos seus descendentes. O Direito das ordenações regulava a compra e a venda dos escravos, enquanto o Direito penal tratava diferentemente homens livres dos escravos e libertos (Código Criminal-l831)31.

O Direito público versava sobre o destino dos “escravos da nação”, dando-lhes a liberdade em caso de lutarem no exército nacional em guerra.

30 FREIRE, Ana Maria - Op. Cit., p. 92

31 O Código Criminal do Império, promulgado em 7 de janeiro de 1831, adotou medidas contra as revoltas

de escravos. Criou, para estas revoltas, a figura jurídica da "insurreição". Tratava-se, especificamente, de delito praticado por escravos. As revoltas de homens livres, incluídas no título dos crimes contra a seguran- ça interna do Império e pública tranqüilidade, denominavam-se "conspiração" (art. 107) e "rebelião" (art. 110).

No concernente ao art. 113, a seguir transcrito, todos os demais implicados seriam punidos com açoites, sendo escravos. Aviso ministerial de 10 de junho de 1861 declarou que o número de açoites que se podiam dar, sem perigo de vida do paciente, não devia exceder de 200; em todos os casos devia ser ouvido o médico. A jurisprudência entendeu que os cúmplices que fossem escravos deviam ser punidos com açoites; para os que fossem livres, a penalidade que devia regular era a do art, 115.

Art. 113 - Julgar-se-á cometido este crime, reunindo-se vinte ou mais escravos para haverem a liberdade por meio da força.

Com se pode observar na afirmação do historiador Décio Freitas:

O Estado era entre nós proprietário de escravos chamados por isto escravo da nação. Para engrossar os efetivos do exército na guerra do Paraguai, o governo imperial assegurou a alforria aos negros que se dispusessem a pegar em armas. Daí o decreto número 3.725, de 6 de novembro de 1866.

Hei por bem ordenar que os escravos da nação que estiverem nas condições de servir no Exército dêem gratuitamente liberdade para se empregarem naquele serviço; e sendo casados, estenda-se o mesmo às suas mulheres (FREITAS, 1980, p. 44).