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A aceleração do processo de desnacionalização da indústria

2. TRAJETÓRIA DA INDÚSTRIA FARMACÊUTICA NO BRASIL

2.2 A aceleração do processo de desnacionalização da indústria

A situação de dependência externa de tecnologia de desenvolvimento de novos medicamentos, que se configurava nos anos 1940, agravou-se nos anos 1950 até atingir um ponto de irreversibilidade na trajetória da indústria farmacêutica nacional.

Após a Segunda Guerra Mundial, a estrutura da economia mundial foi drasticamente modificada. Dentre as mudanças, a consolidação dos Estados Unidos como a maior potência econômica mundial foi a mais importante, alterando de forma decisiva o relacionamento entre os países.

Nesse contexto, nenhum país da América Latina foi considerado prioritário para investimentos norte-americanos, como ocorreu com países europeus atingidos pelo conflito ou com o Oriente Médio, considerado

estrategicamente importante para a estabilidade mundial. Diante desse quadro, os países periféricos buscaram seus próprios caminhos de desenvolvimento e tentaram criar oportunidades que atraíssem os investimentos privados dos países ricos, uma vez que os investimentos públicos desses países estavam comprometidos com outras necessidades consideradas preeminentes (DIAS, 1996).

Enquanto isso, no Brasil, em 31 de janeiro de 1956, Juscelino Kubitschek tomava posse como Presidente da República, tendo como bandeira de sua campanha política o mote desenvolvimentista “cinqüenta anos em cinco” (DIAS, 1996). Segundo Suely Braga Silva (2002), além da conjuntura internacional, o complexo jogo político que elegeu JK exigiu do presidente medidas que motivassem a sociedade civil a apoiá-lo e, desse modo, legitimar seu mandato. Para que isso ocorresse, era necessário ousar.

Assim que assumiu, Juscelino Kubitschek lançou o Plano Nacional de Desenvolvimento, também conhecido como o Plano de Metas, que possuía 31 objetivos distribuídos em seis grandes grupos: energia, transportes, alimentação, indústria de base, educação e a construção de Brasília, futura sede do governo federal (FAUSTO, 2000).

O governo JK investiu no setor de infra-estrutura com o objetivo de desenvolver a indústria nacional, concedendo grandes facilidades ao capital estrangeiro que quisesse investir no país. Entre elas, permitiu a utilização das instruções 70 (1953/61) e 113 (1955/61), da Sumoc (Superintendência da Moeda e do Crédito). A primeira instituía um regime de taxas múltiplas de câmbio, sendo a taxa para importação inferior à de exportação. A segunda medida autorizava empresas a importarem equipamentos estrangeiros sem cobertura cambial, ou seja, sem depositar moeda estrangeira para o pagamento de tais importações. A condição exigida para se gozar da regalia era possuir, no exterior, os equipamentos a serem transferidos para o Brasil ou os recursos para pagá-los. As empresas estrangeiras, que podiam preencher esses requisitos com facilidade, ficaram em situação vantajosa

para transferir equipamentos de suas matrizes e integrá-los a seu capital no Brasil (FAUSTO, 2000).

O principal objetivo era industrializar rapidamente o país, levá-lo de um quadro de dependência de alguns poucos produtos de exportação - como o café, o algodão e o cacau, que representavam cerca de 80% das exportações brasileiras – a uma situação país produtor de bens com valor agregado. Entre 1955 e 1961, mais de US$ dois bilhões foram investidos na indústria brasileira através de financiamentos ou de capital de risco que ingressaram no país, sendo que, desse total, mais de 80% foram direcionados para setores básicos, em particular para as indústrias automobilística e siderúrgica (DIAS, 1996).

Apesar do imenso esforço desenvolvimentista, a abertura da economia brasileira causou, na indústria farmacêutica nacional, exatamente o inverso do que poderíamos chamar de “desenvolvimentista”. As empresas nacionais, na maior parte instaladas antes de 1950, passaram a sofrer a concorrência direta de empresas estrangeiras, tanto das que já estavam instaladas no país e passaram a usufruir das medidas tomadas pelo governo JK, como também das que se instalaram nesse momento, motivadas pelos incentivos locais. Na tabela abaixo, apresentamos as datas de instalação de empresas estrangeiras no Brasil.

Tabela 9 - Empresas farmacêuticas estrangeiras instaladas no Brasil até 1970

Empresa País de Origem Ano de Instalação

Bayer Alemanha 1896

Rhodia França 1919

Sidney Ross EUA 1920

Beecham Inglaterra 1922

Merck Alemanha 1923

Park Davis EUA 1924

Andromaco Espanha 1928

Roche Suíça 1931

Roussel França 1936

Johnson & Johnson EUA 1936

Glaxo Inglaterra 1936

Ciba Suíça 1937

Abbot EUA 1937

Organon Holanda 1940

Merck Sharp Dohme EUA 1954

Bristol-Myers EUA 1943 Schering EUA 1944 Recordati Itália 1947 Sandoz Suíça 1947 Hoescht Alemanha 1949 Wyeth EUA 1949 De Angeli Itália 1950

Carlo Erba Itália 1950

Pfizer EUA 1952 Squibb EUA 1953 Upjohn EUA 1954 B.Brown Alemanha 1954 Byk Alemanha 1954 Berlimed Alemanha 1955 Wellcome Inglaterra 1956

Lederle (Cyanamid) EUA 1957

Boehringer Alemanha 1958 Syntex EUA 1959 R.Merrel EUA 1960 Searle EUA 1960 Ayerst EUA 1962 Mead-Johnson EUA 1961

Eli Lilly EUA 1943

Algumas empresas nacionais fundiram-se com estrangeiras, outras foram vendidas. Segundo Carlos Osmar Bertero (1972), elas viam com muito bons olhos a venda para empresas estrangeiras pelo pagamento em moeda forte, pela propriedade em ações das matrizes, ou ambas as coisas. A desnacionalização foi um processo que interessou aos dois lados envolvidos no processo (Tabela 9).

Tabela 10 - Formação de empresas locais e ingresso de multinacionais da indústria farmacêutica

Anos decorridos Primeira Antes

Guerra 14/29 30/39 40/49 50/59 60/69 Número 1 5 5 9 13 6 Data de ingresso de empresas farmacêuticas estrangeiras acumulada % 3% 15% 28% 51% 84% 100% Número 3 5 6 9 2 - Data de formação de empresas farmacêuticas nacionais % acumulada 12% 32% 58% 90% 100% -

Fonte: Peter Evans: “The Desnacionalization and Development – A Study of Industrialization in Brazil”, Phd. Dissertation, Harvard University, apud Giovanni 1980.

Foram três as causas principais da desnacionalização tão intensa da indústria farmacêutica nacional. A primeira delas pode ser localizada no hiato tecnológico que se instalou, a partir da Segunda Guerra, entre a indústria nacional e a transnacional:

Há que se considerar neste caso, como fator determinante, o conjunto de medidas de política econômica

propiciadoras de um determinado modelo de

industrialização num plano mais inclusivo e que redundou num conjunto de facilidades para a implantação de empresas estrangeiras no Brasil; e, também, a ausência de uma política específica para o setor farmacêutico e que

atendesse às necessidades de expansão das empresas nacionais, no período em que a produção farmacêutica em âmbito mundial sofreu grandes transformações qualitativas do ponto de vista de sua tecnologia (Giovanni, 1980).

A segunda causa foi o sistema de importação que favorecia a entrada no país de insumos e produtos farmacêuticos com menor taxa de câmbio, política essa que visava a abastecer o mercado consumidor com os medicamentos necessários e, ao mesmo tempo, deixava claro o desinteresse do governo em desenvolver a indústria farmacêutica nacional. Em terceiro lugar, a falta de uma política setorial por parte do Estado (BERMUDEZ, 1995; GIOVANNI, 1980).

Ao mesmo tempo em que a indústria nacional passava por sua desnacionalização, empresas dos Estados Unidos e da Europa ingressavam numa era de grandes invenções. A tabela a seguir demonstra a efervescência do setor durante as décadas de 1950 e 1960.

Tabela 11 - Principais novos medicamentos descobertos no mundo ocidental 1950 – 1967 Principais Medicamentos País Número Porcentagem (%) EUA 67 48,6 Suíça 20 14,5 Alemanha 15 10,9 França 11 8,0 Inglaterra 10 7,2 Holanda 5 3,6 Bélgica 4 2,9 Dinamarca 3 2,2 Itália 1 0,7 Japão 1 0,7 Áustria 1 0,7 TOTAL 138 100,00 Fonte: Giovanni, 1980.

Para Jacob Frenkel et al (1978), além dos fatores já abordados, o processo de desnacionalização da indústria farmacêutica também é conseqüência da postura do BNDE (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico, atual BNDES), principal órgão de fomento da indústria nacional, que não considerou a indústria farmacêutica uma prioridade para receber apoio financeiro.