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Anos 1980, a grande transformação da indústria farmacêutica

1. A INDÚSTRIA FARMACÊUTICA MUNDIAL

1.4 Anos 1980, a grande transformação da indústria farmacêutica

A partir da década de 1980, a indústria farmacêutica mundial sofreu uma grande transformação e tornou-se um dos segmentos mais importantes no cenário comercial internacional.

Essa mudança foi parte de uma reação que os EUA impuseram ao mundo, após os anos 1960 e 1970, como resposta ao declínio relativo do poder relativo norte-americano na economia mundial. Sobre tal questão, afirma Maria Helena Tachinardi (1993):

Essa perda de hegemonia deveu-se a uma conjugação de fatores: a decrescente competitividade industrial americana vis-à-vis a expansão vigorosa das exportações do Japão e dos NICs asiáticos; o fim da hegemonia monetária dos EUA com o abandono da convertibilidade do dólar em 1971 e sua desvalorização em 10%, motivados pelas pressões contra reservas de ouro que apoiavam a moeda nas transações comerciais; posterior valorização do dólar e a queda das exportações; altas taxas de inflação e o agravamento do deficit fiscal recorrente.

Para reverter tal situação, era necessária a eliminação do deficit da balança comercial. O grande trunfo norte-americano estava nos produtos diferenciados que podiam oferecer ao mundo, aqueles que incluíam tecnologia como informática, telecomunicações e produtos farmacêuticos. Para agregar valor aos seus produtos, nos anos 1980, os EUA pressionaram pela inclusão dos temas de propriedade intelectual na Rodada Uruguai do General Agreement on Trade and Tariffs (GATT) e, em 1994, pela assinatura do acordo Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights (TRIPs) para países membros da Organização Mundial do Comércio (OMC)27.

Em 1980 foi aprovada, nos Estados Unidos, a lei Bayh-Dole que permitiu às universidades patentearem e licenciarem, com exclusividade,

27 Detalhes sobre Propriedade intelectual, patentes, acordo TRIPs ver no capítulo sobre

invenções financiadas pelo National Institute of Health (NIH), com o objetivo de que a população desfrutasse mais rapidamente dos conhecimentos adquiridos. Os defensores dessa lei acreditavam que muitos dos resultados que até então permaneciam nas universidades passariam a ser usufruídos pela sociedade. No entanto, seus críticos afirmaram que as universidades passaram a buscar lucros e não transferência de tecnologia, o que desvirtuou o objetivo principal da instituição (THURSBY e THURSBY, 2003).

Para Marcia Angell (2004), o grande problema da referida lei é que as pesquisas são realizadas nas universidades com dinheiro público e essas instituições podem patentear e licenciar suas descobertas, além de cobrar royalties. As universidades pesquisam e fazem acordos lucrativos com a indústria farmacêutica. A população, porém, já pagou impostos que financiaram a pesquisa e tem que pagar pelo medicamento o preço que o laboratório achar justo.

Atualmente, pelo menos um terço dos medicamentos comercializados pelos principais laboratórios farmacêuticos é licenciado de universidades ou pequenas empresas de biotecnologia, e esses costumam ser os mais inovadores.

Para Angell, essa associação é altamente vantajosa para os dois lados, mas não para o consumidor (THURSBY e THURSBY, 2003; Angell, 2007).

A intensificação de gastos com desenvolvimento de produtos fez com que os laboratórios buscassem minimizar os custos por meio da internacionalização dos mercados capazes de absorver novos produtos e, assim, obter mais lucros. Segundo Tachinardi (1993)

Uma das características da alta tecnologia é o seu grau elevado de internacionalização porque a tecnologia requer a ampliação de mercados e seu controle para aumentar a liderança das empresas ou mantê-la, ao menos.

Como já apontava Joseph Schumpeter (1961), a competição mais importante não é a baseada em preços, mas na tecnologia, e esse será o maior fator de diferenciação nas balanças comerciais dos países.

As grandes transformações da indústria farmacêutica iniciaram-se nos anos 1980 e consolidaram-se na década seguinte. Nos anos 1990, houve grande número de fusões, conforme tabela número 1, e compras no segmento, com a finalidade de otimização de gastos e distribuição mundial, e isso não deixou espaço no mercado para a indústria de médio e pequeno porte.

Tabela 1 -

Fusões e aquisições na indústria farmacêutica entre 1990 e 2000

Ano Empresa Descrição dos negócios

1990 Rhône-Poulenc e Roer Rhône-Poulenc pagou 2 bilhões pela maior

parte do capital da norte-americana Roer

1991 SmithKline e Beecham Fusão que deu origem a SmithKline Beecham

1994 SmithKline Beecham e

Sterling OTC SmithKline Beecham comprou a divisão OTC da Sterling por US$ 2,92 bilhões 1994 American Home e American

Cyanamid American Home comprou a American Cyanamid por US$ 10 bilhões 1995 Rhône-Poulenc Roer e

Fisons Rhône-Poulenc comprou a Fisons

1995 Hoechst-Roussel e Marion

Merrel Dow Surgiu a Hoechst Marion Roussel

1995 Glaxo e Burroughs

Wellcome Glaxo comprou Burroughs Wellcome por 14,9 bilhões e formou a Glaxo Wellcome 1995 Knoll (Basf) e Boots

Company plc Knoll comprou a Boots por US$ 1,4 bilhão

1996 Ciba Geigy e Sandoz Novartis

1997 Hoffmann-La Roche e

Boeheringer Mannheim Roche comprou Boeheringer Mannheim por US$ 11 bilhões 1998 Hoechst AG e Rhône-

Poulenc Fusão entre as duas formou a Aventis

1998 Astra e Zeneca Zeneca comprou a Astra AB por US$ 34,7

bilhões

1998 Sanofi e Synthélabo Fusão entre as companhias de US$ 10

bilhões e formaram a Sanofi-Synthélabo 1999 Monsanto e Pharmacia &

Upjohn Troca de ações, estimada em US$ 26,6 bilhões, fez criar a Pharmacia Corporationa 2000 Glaxo Wellcome e Smitkline

Beecham Troca de ações, estimada em US$ 75,9 bilhões, formou a Glaxo Smitkline 2000 Pfizer e Warner-Lambert A Pfizer comprou a Warner-Lambert por US$

91,4 bilhões

Fonte: Lucas Callegari. A Indústria Farmacêutica. Panorama Setorial. Gazeta Mercantil, 2000.

Essa nova configuração concentrou o setor em poucas indústrias que se especializaram em segmentos terapêuticos, formando monopólios dentro do oligopólio. Aliado ao direito da propriedade intelectual, assegurado pelo acordo TRIPs, os laboratórios passaram a impor ao mercado o preço que queriam. Para alguns autores, como Oliveira, Bermudez e Osorio-de-Castro (2007) e Angell (2007), não há concorrência real de preços nesse segmento como conseqüência do monopólio exercido pelas indústrias farmacêuticas.

O entrevistado Eduardo Motti não concorda com essa afirmação; em sua opinião:

Há sem dúvida uma concentração do mercado

farmacêutico em poucas empresas, mas isso não configura um monopólio, pois, em todos os segmentos terapêuticos há concorrência. O único caso que foge à regra são as doenças órfãs ou doenças raras, as quais atingem um número muito pequeno da população. Nesses casos, tanto o governo norte-americano como a Comunidade Européia28 possuem leis que protegem e dão direito ao monopólio de sete anos às empresas que desenvolverem medicamentos para essas doenças. Essa foi a maneira encontrada para estimular o investimento em pesquisas em um produto que será consumido por uma parcela muito pequena da população.

Se até 1980 o setor farmacêutico era lucrativo, foi a partir daí que se tornou o segmento industrial mais rentável dos Estados Unidos.

Em 2001, os dez laboratórios farmacêuticos americanos na lista da Fortune 500 (não exatamente os dez maiores do mundo, mas suas margens de lucro são muito semelhantes) estavam acima de todas as outras indústrias americanas em média do retorno líquido, fosse como percentagem sobre as vendas (18,5%), sobre o patrimônio (16,3%) ou sobre o patrimônio líquido (33,2%). Trata-se de margens de lucro espantosas. Em comparação, o retorno líquido médio para todos os outros setores na Fortune 500 foi de apenas 3,3% das vendas. A atividade bancária comercial, ela própria nada negligente em seu papel de setor agressivo, ficou num distante segundo lugar, com 13,5% das vendas (ANGELL, 2007).

28

Os Estados Unidos, em 1983, promulgaram o Orphan Drug Act e a Comunidade Européia, em 2000, desenvolveu incentivos às empresas que pesquisassem medicamentos para doenças órfãs. Juan Campos-Castelló (2001).