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Após os anos de ouro

1. A INDÚSTRIA FARMACÊUTICA MUNDIAL

1.5 Após os anos de ouro

As grandes organizações em que se transformaram as indústrias farmacêuticas não estão mais encontrando perspectivas de manutenção do crescimento do lucro, e o grande problema vem, justamente, da área que mais proporcionou o crescimento até então, a P&D. Esse setor, que consolidou a indústria farmacêutica na década de 90, provocando aumento substancial nos rendimentos com seus novos produtos, parece agora apresentar uma saturação do modelo.

A capacidade de inovação da indústria farmacêutica se mede pelo número de indicadores denominados “Novas Entidades Moleculares” (NMEs). Essa taxa vem diminuindo progressivamente desde 1988, chegando, em 2002, ao número de apenas 15 NMEs registradas pelo FDA, conforme tabela 2.

Tabela 2 - Registro de novas NMEs pelo FDA por ano

Ano Número de NMEs registradas

1993 25 1994 21 1995 29 1996 53 1997 39 1998 30 1999 35 2000 27 2001 24 2002 17 2003 21 2004 36 2005 20 2006 22

Fonte: Food and Drug Administration29

29

FDA Disponível em: <http://www.fda.gov/cder/present/galson/2007/2007

A diminuição do aparecimento de novos produtos não significa menor gasto em P&D, muito pelo contrário, o custo da pesquisa cresceu em média 5,4% nos últimos cinco anos (KNELLER, 2005). Não se pode esquecer, no entanto, que a pesquisa de um novo medicamento pode levar até 15 anos; portanto, muito do que foi gasto na última década ainda não se converteu em um novo remédio, o que, em princípio, poderia reverter a situação.

Isso, porém, não é a maior probabilidade, pois não há em estudo nenhuma NME’s considerada pelos laboratórios um blockbuster30 em potencial. Estudo publicado na Nature Biotechnology demonstra como a indústria farmacêutica tradicional está deixando de ser o fornecedor de NMEs (KNELLER, 2005).

A falta de novas descobertas realmente inovadoras e a expiração do prazo de patentes de medicamentos considerados blockbusters nos próximos anos (tabela 3), principalmente nos Estados Unidos, fizeram com que muitos medicamentos passassem também a ser fabricados por indústrias de genéricos, com preços muito inferiores. A previsão é que a Big Pharma norte-americana perca cerca de US$ 67 bilhões das vendas anuais entre 2007 e 2012, o que representa, aproximadamente, metade do faturamento dessas companhias nos EUA, em 2007. Tal perspectiva tem deixado a indústria farmacêutica extremamente apreensiva em relação ao enfrentamento desse grande desafio (MARTINEZ e GOLDSTEIN, 2007).

30

São chamados medicamentos blockbuster aqueles que vendem mais de 1 bilhão de dólares.

Tabela 3 - Medicamentos que perderão os direitos à patente nos Estados Unidos da América

Nome

Comercial Farmacêutico Laboratório Nome Genérico Indicação

Estimativa de expiração de patente Vendas Globais 2007 (em milhões de dólares)

Actos Eli Lilly / Takeda Pioglitazone Diabetes

tipo II 2011 180 Advair/Seretide GlaxoSmithKline Fluticasone,

propionate+salmeterol Asma 2010 1,721 Aprovel Sanofi-Aventis /

Bristol-Myers Squibb

Irbesartan Hipertensão 2011 392

Aricept Pfizer / Eisai Donepezil HCI Mal de

Alzheimer 2010 100 Avandia GlaxoSmithKline Rosiglitazone Diabetes

tipo II 2012 463

Cozaar Merck Losartan Hipertensão 2010 814

Crestor AstraZeneca Rosuvastatin Colesterol 2012 691 Diovan/Co-

Diovan Novartis Valsartan+ hydrochlorothiazide Hipertensão 2012 1,267 Levaquin Johnson &

Johnson Levofloxacin Antibiótico 2010 366 Lipitor Pfizer Atorvastatin Colesterol 2010 3,170 Plavix Sanofi-Aventis /

Bristol-Myers Squibb

Clopidogrel Anticoagulante 2011 1,250

Seroquel AstraZeneca Quetiapine Antipsicótico 2011 1,055

Singulair Merck Montelukast Asma 2012 1,018

Symbicort AstraZeneca Budesonide+formoterol Asma 2012 371 Taxotere Sanofi-Aventis Docetaxel Câncer 2010 694 Xalatan Pfizer Latanaprost Glaucoma 2011 402 Zometa Novartis Zoledronic ácido Câncer 2012 318 Zyprexa Eli Lilly Olanzapine Antipsicótico 2011 1,166 Fonte: Adaptado de MARTINEZ, B. e GOLDSTEIN, J. (2007).

O declínio experimentado por muitas companhias farmacêuticas na produtividade da pesquisa não tem sido compensado com a emergência de novas tecnologias. Está se tornando cada vez mais difícil encontrar uma

nova molécula31. A respeito disso, afirma Eduardo Motti, médico responsável pela área de pesquisa clínica da Pfizer no Brasil:

O que nos parece é que, o que era fácil, já foi descoberto, os medicamentos novos devem ser muito mais seguros, mais eficazes e mais específicos para determinadas situações, o que torna a pesquisa mais cara e a população a ser beneficiada menor. Essa sofisticação do produto o tornou muito mais difícil de ser inventado.

Diversos artifícios foram criados pela indústria farmacêutica para assegurar o faturamento. Os medicamentos chamados me too são um exemplo disso. São produtos lançados depois de um outro original e possuem alguma característica química diferente, mas a mesma atividade terapêutica (FRENKEL, 2000; ANGELL, 2004).

De modo geral, esse produto é lançado quando a patente do medicamento inovador está próxima da expiração. Com base no forte marketing já existente e com o nome do produto já bastante fixado, apresenta-se o produto novo como uma versão melhorada do anterior. Apesar do produto original perder o direito à patente, o medicamento modificado, caracterizado como melhor, goza de mais vinte anos de propriedade intelectual assegurada (ANGELLl, 2007).

Outro artifício bastante utilizado na década passada foi o de providenciar o licenciamento mais rápido e do maior número possível de novos produtos. O licenciamento, antes considerado secundário, passou a ser de grande importância nessas empresas, pois, quanto mais rapidamente for obtido, maior será o tempo que os laboratórios desfrutarão dos lucros assegurados pelas patentes.

Para o FDA, o esgotamento do método de pesquisa pode ter três causas. A primeira seria a de que o investimento e o progresso na ciência básica biomédica estão muito à frente do investimento e progresso no desenvolvimento de produtos médicos. A segunda, a de que as pesquisas

31 Consultoria McKinsey. Disponível em :

<http://www.mckinsey.com/clientservice/pharmaceuticalsmedicalproducts/> . Consultado em 21/01/08.

clínicas em pacientes têm se tornado um gargalo para novos produtos. E, em terceiro lugar, o fato de que se estão usando métodos do século passado para desenvolver avanços desse século. Ou seja, há necessidade urgente de se pensar em outras formas de investigação. O FDA acredita ser necessária a introdução de novos avanços científicos, como modelos de simulação, biomarcadores, novos desenhos de estudo e novos e rápidos identificadores de patógenos32.

A aquisição de empresas de biotecnologia tem sido considerada uma possível saída para a invenção de novos produtos e as indústrias farmacêuticas estão investindo bastante em novas aquisições. Os estudos clínicos com essa nova tecnologia, porém, são mais caros, mais duradouros e as barreiras regulatórias mais severas, o que torna mais difícil obter o retorno desejado do investimento em P&D.

Enquanto não se encontra uma solução, as empresas farmacêuticas começam a se preparar para enfrentar o desafio dos próximos anos. A Bristol-Myers Squibb Co. anunciou em, 2007, planos de cortar 10% de sua mão-de-obra, cerca de 4.300 empregos, e fechar metade de suas 27 fábricas até 2010. No mesmo sentido caminha a Pfizer Inc., que será duramente afetada em 2010, ano em que vencerá a patente do blockbuster Lípitor. A ascensão dos genéricos não significaria muito se houvesse a previsão de lançamento de novos blockbusters, o que não está ocorrendo (MARTINEZ e GOLDSTEIN, 2007).

O mercado financeiro começa a sofrer reflexos da nova realidade. Os investidores que, no passado, obtiveram grandes lucros com esse segmento, começam a se retirar do setor, apesar do Índice Mundial Dow Jones ter subido 75% nos últimos seis anos. Até 29 de novembro de 2007, o Índice FTSE Global de Farmacêuticas caiu 19,8%.

Segundo Eduardo Motti, além da falta de novos produtos, há mais quatro fatores que preocupam a indústria farmacêutica no momento. O

32

Food and Drug Administration. Disponível em:

<http://www.fda.gov/oc/initiatives/criticalpath/presentations/bio200501_files/textonly/slid e7.html>. Consultado em 11/01/2008.

primeiro delas, o aumento das exigências das agências regulatórias em vários países, tem encarecido e prolongado as fases das pesquisas. O segundo está relacionado com uma demanda de governos e entidades médicas para que se reduza o marketing direto com a classe médica, o que exigirá grandes mudanças no comportamento do setor. O terceiro diz respeito à pressão de governos e gestores de planos de saúde na negociação de melhores preços e, por último, a exigência da Comunidade Européia de que o novo produto deve comprovar o benefício fármaco- econômico, ou seja, deve ser uma melhor opção de tratamento do ponto de vista farmacológico, e a terapia deve ser mais barata.