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O preço do medicamento

1. A INDÚSTRIA FARMACÊUTICA MUNDIAL

1.3 O preço do medicamento

A indústria farmacêutica alega que o complexo processo de pesquisa e desenvolvimento envolve gastos de milhões de dólares, sendo necessário recuperar o investimento por meio do preço do produto final quando ele chega ao mercado. As próprias empresas admitem que o preço final não possui nenhuma relação com o custo de sua produção, mas, sim, com o custo da pesquisa realizada. Tal pesquisa, na maioria das vezes, não leva à produção de medicamentos viáveis e, por essa razão, os investimentos vultuosos realizados pelo laboratório são compensados apenas pelos medicamentos que logram chegar ao mercado.

Como se vê, a lógica que rege esse mercado é a de que, para que haja pesquisa, os preços cobrados precisam ser altos e os direitos da propriedade intelectual, respeitados, assegurando-se, assim, um período seguro de retorno do investimento realizado.

Uma grande polêmica envolve os custos das pesquisas e os preços dos medicamentos. Estudiosos de diversas áreas, organizações não governamentais (ONG’s), associações de usuários de medicamentos, entre outros, não aceitam como verdadeiras as planilhas de valores fornecidas pelos laboratórios. Alegam que não há transparência na prestação de contas da indústria farmacêutica, o que torna os custos declarados bastante questionáveis. Os laboratórios, por seu lado, alegam que as informações a respeito de gastos são confidenciais e, no balanço, dão a mesma denominação de P&D (às pesquisas propriamente ditas) aos gastos com educação continuada para médicos, congressos, palestras, entre outros, que poderiam ser considerados gastos em marketing e não em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) (ANGELL, 2007; OLIVEIRA, BERMUDEZ e OSORIO –DE-CASTRO, 2007).

Grande parte dessa discussão é baseada na pesquisa realizada por DiMasi, Hansen e Grabowski (2003), professores da Tufts University e coordenadores do Tufts Center for Study of Drugs Development. Nesse trabalho foram monitorados os gastos realizados no desenvolvimento de 68

novas entidades moleculares pertencentes a dez diferentes laboratórios farmacêuticos na década de 1990, nos Estados Unidos. Foram incorporados, além do custo nominal, os gastos com estudos clínicos que, por alguma razão, foram interrompidos, custo de oportunidade do capital e variações de tributações.

O mesmo grupo de pesquisadores realizou o estudo com metodologia semelhante anos antes, na década de 1980, e havia chegado ao valor de US$ 467 milhões de dólares.

Os dados colhidos, na década de 1990, ofereceram evidências do grande aumento de gastos, cerca de 7,4% ao ano acima da taxa de inflação. Chegou-se à conclusão de que o desenvolvimento de um medicamento custa algo próximo de US$ 802,00 milhões, distribuídos em 335 milhões na fase pré-clínica e 467 milhões na fase clínica, medidos em dólares constantes de 2000 (DiMASI, HANSEN e GRABOWSKI, 2003).

Como repercussão desse estudo, vários grupos se manifestaram apoiando ou contestando a estimativa. Dentre eles, a PhRMA considerou o custo subestimado. Para Márcia Angell (2007), a publicação não fornece o método utilizado no levantamento e análise dos resultados. Foram analisados 68 medicamentos durante dez anos, em dez laboratórios diferentes; mas os nomes dos remédios e dos laboratórios não aparecem e, portanto, não há como checar a informação.

Já a ONG Public Citizen (2002)25 refere-se a esse valor como um mito

construído pela indústria farmacêutica. Argumenta que os valores obtidos não correspondem à verdade, pois, nas pesquisas realizadas com as 68 novas entidades moleculares, nenhuma delas recebeu aporte financeiro governamental, o que é uma exceção e não uma regra. Documento dos National Institutes of Health (NIH), de fevereiro de 2000, mostrava que os cinco produtos mais vendidos pela Big Pharma em 1995 receberam apoio financeiro do governo. Segundo a ONG, pesquisa realizada pelo

25 Public Citizen. Tufts Drug Study Sample Is Skewed; True Figure of R&D Costs Likely Is

75 Percent Lower. Public Citizen Critiques Tufts Study Pegging New Drug R&D Costs at $802 Million. Disponível em <http://www.citizen.org/pressroom/release.cfm?ID=954> . Consultado em 24/02/2008.

Massachusetts Institute of Technology and The Boston Globe confirma essa afirmação. Também não aceita o cálculo do custo de oportunidade do capital e aponta que gastos com P&D podem representar uma dedução de 34% de impostos federais. Outro aspecto considerado é a afirmação da própria Pharma, em 1999, de que apenas 29% dos gastos em P&D representavam o dispêndio com os estudos clínicos. A Public Citizen conclui seu trabalho dizendo que o desenvolvimento de um novo medicamento custa 75% menos do que o estimado por DiMasi, ou seja, US$ 110 milhões (PUBLIC CITIZEN, 2002).

Também contrariando DiMasi, Hansen e Grabowski (2003), Merrill Goozner publicou o livro “$800 Million Pill. The Truth Behind the Cost of New Drug” em 2004, rejeitando os dados apresentados. Para esse autor, os laboratórios participam muito pouco das pesquisas iniciais que são elaboradas por laboratórios de universidades ou centros públicos de pesquisa, ambos subvencionados pelos NIH. Também critica o número de medicamentos novos e diz que é muito pequeno, sendo a maioria de novos produtos uma versão modificada da anterior, na formulação ou na indicação, o que exigiria pesquisas muito mais baratas e rápidas. Critica ainda as leis de patentes e suas conseqüências (GOOZNER, 2004).

Trabalho apresentado por James Love26 em 2 de abril de 2000, em Genebra, no congresso da ONG Médicos Sem Fronteiras, considerou quatro causas, abaixo indicadas, para a existência de tamanha discordância entre as estimativas de gastos da indústria farmacêutica no desenvolvimento de novos medicamentos.

1. Diferenças entre o gasto nominal e o custo financeiro do capital investido. 2. Definições de “desenvolvimento”. Para James Love, seria o preço desde

a invenção da molécula até o mercado. Mas, para a indústria farmacêutica, outros custos são adicionados. Por exemplo Genzyme Corporation incluiu os custos da construção do edifício onde é fabricado o medicamento Ceradase, produto que foi desenvolvido com o patrocínio do NIH. A Bristol-Meyers Squibb, em 1993, afirmou ter gastado mais de

26 James Love. How muchdoes it cost to develop a new drug. Disponível em

US$ 114 milhões de dólares no desenvolvimento do Taxol; porém, esse medicamento não foi desenvolvido pela BMS nem foram realizados os testes clínicos. Nesses cálculos, foram envolvidas projeções de outros custos, como, por exemplo, de árvores que deveriam fornecer o princípio ativo e pesquisas para outras aplicações da droga.

3. A indústria farmacêutica recebe créditos por ações não realizadas, ou seja, muito dos custos é pago por NIH e não pelos laboratórios.

4. Exemplos usados para o cálculo de despesas são distorcidos. Medicamentos desenvolvidos através de novas entidades moleculares são muito mais caros do que os chamados me too.

Estudo realizado pela organização não governamental “Médicos sem Fronteiras” aponta que os valores médios, gastos no desenvolvimento de uma nova droga, são da ordem de 57 a 71 milhões de dólares, sendo, nesse montante, incluídos os insucessos (OLIVEIRA, BERMUDEZ e OSORIO-DE - CASTRO, 2007).

Essa polêmica fez com que o editorial do Journal of Health Economics de março de 2003, escrito por Richard G. Frank, traçasse um perfil da discussão. O autor comenta o trabalho de DiMasi, analisa a metodologia e os resultados. Mostra que, em 2000, o FDA aprovou 98 novas drogas, das quais 27 eram provenientes de novas entidades moleculares e as outras 71 eram moléculas já conhecidas, agora com novas formulações ou extensão das indicações. Afirma que DiMasi estudou apenas o primeiro grupo, não considerando que os estudos de moléculas já conhecidas são bastante diferentes de estudos para se conhecer uma nova molécula, os quais são mais abrangentes e dispendiosos.

A discussão apresentada demonstra que não há consenso sobre o custo aproximado para o desenvolvimento de um novo medicamento. Os vários autores discordam entre si, apresentam valores totalmente distintos, não permitindo a elaboração de dados concretos.

Além da questão do custo do medicamento, também é muito instigante acompanhar a discussão dos conceitos de marketing e ação educativa na área da indústria farmacêutica. Segundo Márcia Angell (2007),

os laboratórios consideram ação educativa o financiamento de congressos, viagens de palestrantes, jantares, distribuição de amostra grátis e brindes, que vão desde panfletos com divulgação de estudos clínicos até guarda- chuvas, canetas, sacolas, relógios, enfim, uma enormidade de procedimentos que podem ser enquadrados como ação de marketing e não ação educativa. Outra estratégia utilizada é a distribuição de relatórios de pesquisas de baixo nível científico, usada muito mais para fazer o médico fixar o nome do medicamento do que, realmente, para divulgar conhecimento. A argumentação de que é por meio desses eventos que os médicos se atualizam permite que tais despesas sejam consideradas ação educativa.

Para Angell (2007), a indústria farmacêutica trabalha de modo tão eficiente que levou a classe médica a não questionar essas ações:

Os médicos são coniventes com isso, porque acreditam ser um direito de sua profissão não pagar por sua atualização. Pagar suas próprias viagens, pagar inscrição do congresso, jantares e etc. A indústria farmacêutica não investiria esse dinheirão se não houvesse um retorno assegurado.

Outro modo de ação dos laboratórios, assegura Angell, é a ação direta junto a grupos especiais, portadores de alguma doença. Exemplo disso: o laboratório Shering-Plough patrocinou uma campanha de esclarecimento e incentivo de diagnóstico precoce da Hepatite tipo C, importante problema de saúde pública. Promoveu uma campanha para que as pessoas descobrissem se são portadoras do vírus. Essa empresa, porém, é a fabricante do medicamento Rebetron, que trata a hepatite C. É evidente que fazer campanha para que as pessoas descubram se são portadoras do referido vírus é bom para a população, mas tal ação teve como conseqüência um aumento das vendas do produto da empresa patrocinadora.

Indagado sobre se havia falta de transparência na divulgação dos dados da Pfizer Brasil, e qual a razão desse fato, João Fittipaldi, seu diretor médico, respondeu:

Não publicamos nossos gastos porque é considerado um segredo da empresa, a concorrência não deve saber quanto é ou deixa de ser gasto com o desenvolvimento de nossos produtos. O problema dessa postura é que, para o consumidor, ficou a impressão de que a indústria farmacêutica se aproveita disso para praticar o preço que quiser. Isso não é verdade, a verdade é que a pesquisa é muito cara e, se não fosse, qualquer um poderia fazer, e isso não ocorre. Só a Big Pharma tem condições de desenvolver esse nível de pesquisa.

Para Márcia Angell esses argumentos não são convincentes:

Embora a retórica consiga ser convincente, não é real. Em primeiro lugar, P&D é uma parte relativamente pequena dos orçamentos das grandes empresas do setor farmacêutico – um valor ínfimo em comparação com

marketing e administração, e menor até mesmo que seus

lucros. A prestação de contas da indústria farmacêutica é algo muito complicado, as empresas colocam itens como educação e pesquisa que, em outro tipo de empresa, seria chamado de marketing. (Angell, 2007).

Pedro Palmeira, diretor do Departamento de Produtos Intermediários Químicos e Farmacêuticos (Defarma) do BNDES, órgão criado para operacionalizar o Programa de Apoio ao Desenvolvimento da Cadeia Produtiva Farmacêutica (Profarma), trabalhou anteriormente no Laboratório Farmacêutico Bayer durante 15 anos, o que lhe permitiu adquirir amplo conhecimento sobre esse segmento. Em entrevista concedida ao jornal Inovação Unicamp declarou:

As grandes multinacionais farmacêuticas afirmam, de forma enfática, que o custo do desenvolvimento de um novo medicamento ronda a estrondosa cifra de US$ 1 bilhão. Esse valor sempre me pareceu uma barreira de entrada artificial — criando uma certa sensação de incapacidade, já que nenhuma empresa nacional nem órgão de governo dispõem de tal cifra para aplicação em pesquisa e desenvolvimento (TEIXEIRA, 2006).

Trataremos melhor a questão das dificuldades de desenvolvimento de novas indústrias frente ao padrão da Big Pharma nos capítulos seguintes, a partir da análise dos casos brasileiro e indiano.

1.4 Anos 1980, a grande transformação da indústria