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3. COMUNICAÇÃO NA CÂMARA DOS DEPUTADOS: TRANSPARÊNCIA

3.1 Estrutura da Secretaria de Comunicação da Câmara

3.1.1 A Agência Câmara Notícias: estrutura, rotina e produtos

A Agência foi criada para dar mais visibilidade às atividades legislativas, divulgando, em tempo real, informações sobre votações em plenário, audiências públicas

21 Entrevista à pesquisadora, em 14/12/2015, via Skype. 22 Op. cit.

no âmbito das Comissões, reuniões de bancadas parlamentares, entre outras atividades, explica Bernardes (2010).

Além da cobertura jornalística em tempo real, a Agência oferece aos internautas informações sobre a pauta de votações do dia, o resumo da pauta de votações da semana, notícias consolidadas sobre cada fato noticiado em tempo real, reportagens especiais que abordam todas as propostas em tramitação sobre grandes temas (BERNARDES, 2010, p. 33).

Segundo a autora, a Agência também divulga todas as propostas (projetos de lei, propostas de emenda constitucional, medidas provisórias etc.) apresentadas à Câmara e promove a interatividade por meio de bate-papos entre usuários, especialistas e parlamentares, com o objetivo de discutir projetos em pauta. Os internautas podem ainda se cadastrar no portal para receber via e-mail o boletim diário da agência, escolhendo sobre quais temáticas deseja receber notícias (BERNARDES, 2010).

A Agência de notícias está hospedada no portal da Câmara dos Deputados – no endereço http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/ – e divide seu conteúdo em 21 Temas. Cinco destes ficam em destaque, visíveis no menu horizontal: Administração Pública, Direito e Justiça, Política, Segurança e Trabalho e Previdência. E todas as opções, inclusive as que dissemos antes, surgem quando se posiciona o cursor sobre o botão “Todos”, dispostas em ordem alfabética: Administração Pública; Agropecuária; Assistência Social; Cidades; Ciência e Tecnologia; Comunicação; Consumidor; Direito e Justiça; Direitos Humanos; Economia; Educação e Cultura; Esportes; Indústria e Comércio; Institucional; Meio Ambiente; Política; Relações Exteriores; Saúde; Segurança; Trabalho e Previdência; Transporte e Trânsito; e Turismo. Ressaltamos a presença nesta lista da opção Institucional, remetendo para a página de Comunicação Institucional, onde constam “notícias institucionais” (Figuras 2 e 3).

Figura 2: Página inicial da Agência Câmara Notícias (14/06/2016)

Fonte: Agência Câmara Notícias.

Figura 3: Lista de temas na página inicial (14/06/2016)

Fonte: Agência Câmara Notícias.

O Manual de Redação da Casa faz uma distinção na atuação dos quatro veículos da Câmara, que resultariam em diferenças de conteúdo: enquanto as emissoras de Rádio e TV têm como destinatários diretamente o grande público, isto é, os cidadãos, o Jornal e a Agência, principalmente esta, têm como público-alvo outros órgãos da

imprensa, atuando como fontes de outros veículos. Assim sendo, as emissoras de Rádio e TV “devem desfrutar de maior liberdade estilística e nas respectivas linhas editoriais”, pois estas devem preocupar-se com a preservação e a conquista de ouvintes e telespectadores (MALAVAZI, 2004, p. 20). Por sua vez:

[...] o Jornal e, principalmente, a Agência são fonte de informações emanadas da Câmara dos Deputados e, por isso, têm como principal missão divulgar extensiva e intensivamente, as atividades legislativas da Casa – especialmente aquelas que, historicamente, pouca atenção vêm merecendo da imprensa dita ‘de mercado’, sobretudo os trabalhos das comissões técnicas (MALAVAZI, 2004, p. 20).

A este passo, chamamos a atenção para o diferencial da Agência em relação aos outros veículos: enquanto, por exemplo, a TV Câmara tem como função prioritária a transmissão ao vivo das sessões do Plenário, ou ainda das reuniões e audiências das comissões, o que é definido pela Lei de Cabo (Lei 8977/1995), a Agência pode ofertar um acesso mais amplo ao que ocorre na Casa, tanto pela incorporação da transmissão ao vivo da TV Câmara (que é disponibilizada online), quanto por uma cobertura jornalística em tempo real. Além disso, vale ressaltar que a internet agrega ainda a funcionalidade de arquivo e repositório de informações (disponíveis para busca e consulta a qualquer momento), que nenhum outro veículo oferece.

Por ter o suporte digital, a Agência tem a vantagem de constituir a memória da Câmara, podendo exibir conteúdos que revelam a história do processo legislativo, com um caráter informativo inigualável pelos outros veículos. Exatamente por fazer uso da mídia digital, que permite ao público escolher os conteúdos que pretende acessar, a Agência é o veículo com o caráter mais informativo de todos da Câmara (BERNARDES, 2010, p. 180).

Sobre o fato de a Agência ter como foco uma audiência situada na imprensa, vale ressaltar que essa situação também é identificada por Sant’Anna (2009) entre as características das mídias das fontes: estes veículos visam a uma comunicação direta com a sociedade, mas também buscam esse contato por intermédio da imprensa tradicional, quando esta redistribui ou se utiliza do seu conteúdo. Pela especificação do público constante do Manual, essa lógica seria inversa na Agência: ainda que vise a municiar a imprensa acerca do que se passa na Câmara, seu conteúdo está ao alcance de toda sociedade pela disponibilização virtual. Ou seja, a forma de recepção do seu conteúdo contraria a própria intencionalidade produtiva. Apesar da delimitação do público, contudo, o intuito de contribuir para a formação dos cidadãos por meio do fornecimento de informações de interesse público, conforme fixa o Manual, abrange todos os veículos.

Em entrevista a Bernardes (2010), um jornalista da Secom, não identificado pela pesquisadora, destacou sua percepção sobre o público da Agência:

Quem entra na Agência Câmara é quem está buscando uma informação específica do seu nicho, não é uma pessoa que está navegando na internet e de repente caiu aqui. Ninguém cai aqui de repente. Na Rádio Câmara, não. Você cai na Rádio Câmara por que está passando uma música legal e aí de repente entra o noticiário. Ou você está zapeando a TV, cai na TV Câmara num documentário, ou até em uma entrevista legal, e você fica. Mas na Agência Câmara, não. Ninguém cai aqui por acaso. Então quem entra costuma ser um público muito mais crítico e muito mais exigente (BERNARDES, 2010, p. 181).

Assim, segundo a autora, o público da Agência seria bem delimitado:

Para muitos, a Agência Câmara atinge dois públicos diferentes: a imprensa em geral, que usa a Agência como fonte primária de informação sobre a Câmara, e os setores específicos que são atingidos pelas matérias que tramitam no Congresso, mas não se dirige ao cidadão comum (BERNARDES, 2010, p. 186).

Em entrevista mais recente com as editoras-chefes da Agência, contudo, fica claro, que, na prática, o cidadão é visto como público das suas informações: “o objetivo da Agência é levar informação de qualidade sobre os trabalhos da Câmara para o cidadão”24, visando a dar transparência ao que acontece na Casa. Quando um cidadão tem o interesse e a iniciativa de buscar informações sobre um deputado específico ou sobre uma proposta em análise na Câmara, por exemplo, é ao portal que ele vai se direcionar, acabando, assim, por deparar-se com notícias produzidas pela Agência, e podendo optar pelo seu consumo. Talvez a própria visão que se tem sobre o seu público, limitado à imprensa e a grupos específicos, acabe dando contorno ao que é produzido por esse veículo. Este aspecto, portanto, deve ser considerado na análise das notícias.

A partir disso, podemos dizer que são três as funções da Agência Câmara: (1) promover a transparência das atividades realizadas na Câmara dos Deputados; (2) fornecer informações de interesse público aos cidadãos; (3) alimentar a imprensa de fatos com valor jornalístico ocorridos ou a ocorrer na Câmara.

Visando, assim, a proporcionar um amplo acompanhamento pelos cidadãos das atividades da Câmara dos Deputados, os seus veículos voltam-se para a cobertura exclusiva dessa Casa. Apesar de pretender distanciar-se do tipo de cobertura política realizada pela imprensa tradicional, a estruturação do sistema de comunicação da Câmara

24 Entrevistas realizadas por e-mail com o diretor e as editoras-chefes da Agência Câmara, em 14/10/2015,

e a organização das suas rotinas produtivas seguem o modelo das empresas jornalísticas privadas (BERNARDES, 2010). Esse fato é apontado por Sant’Anna (2009) como característica das mídias das fontes que as diferenciaria de uma Assessoria de Imprensa.

Todavia, Bernardes (2010) levanta questionamentos pertinentes: “A necessidade de simplificação do Jornalismo é compatível com a complexidade da atividade política? O Jornalismo factual é a forma mais adequada para transmitir informações sobre o Parlamento?” (p. 106). Acrescentamos a seguinte indagação: os objetivos propostos pela comunicação pública, como propiciar o aprofundamento da discussão de questões públicas e o de estimular a tomada de decisão pelo cidadão, têm condições de acontecer dentro de veículos que imitam a organização de trabalho da imprensa comercial? Retomamos essas questões ao discutirmos os resultados obtidos na análise empírica deste trabalho.

Segundo dados coletados no primeiro semestre de 2016, com o então diretor da Imprensa Escrita, João Pitella Júnior25, a Agência Câmara trabalha num sistema de cobertura integrada/compartilhada com a Rádio Câmara: são 13 repórteres trabalhando para os dois veículos (mas esse número pode variar em função de integração também com a TV). Além disso, a Agência conta com 03 produtores e 09 editores. Um dos editores é o próprio diretor; e outras duas são as editoras-chefes (Luciana Couto e Mônica Nunes). Não há divisão em núcleos ou editorias, ou seja, todos os repórteres e editores ficam disponíveis para qualquer tipo de cobertura.

O trabalho dos produtores, profissionais terceirizados (os demais são concursados), resume-se a acompanhar os portais de notícias da imprensa e reunir o que se relacionar à Câmara. Esse material auxilia os editores nas tomadas de decisão, como, por exemplo, na definição de quais eventos serão cobertos.

Ainda na divisão de tarefas, os editores utilizam-se das informações repassadas pelos produtores e elaboram o que Mônica Nunes denomina de “matérias de pauta”, que são as que tratam dos eventos previstos para o dia. Aqueles que possuam mais interesse público, segundo a editora, são cobertos pelos repórteres. Estes produzem matérias e passam para os editores revisarem e publicarem no site. Ocorrem também coberturas mais intensivas, quando os repórteres ficam responsáveis por passar informações ao longo do evento (tempo real) e, ao final, produzem uma matéria

25 Entrevistas realizadas por e-mail com o diretor e as editoras-chefes da Agência Câmara, em 14/10/2015,

consolidando todas as informações. Nos dias em que não há atividades na Câmara, são feitas matérias (frias) sobre projetos apresentados ou aprovados nas comissões.

Apesar da indicação de que a pauta é definida a partir do interesse público, percebe-se que este não é diferenciado da noção de interesse do público: uma das editoras afirma, por exemplo, que os critérios são “decididos no dia-a-dia, levando em conta o número de repórteres e os assuntos que estão na pauta. O plenário é sempre prioridade. As CPIs também têm bastante interesse do público. E audiências de temas relacionados a projetos de grande interesse da sociedade”26. Tal imprecisão conceitual também é percebida na fala de Sérgio Chacon: “[...] a gente prioriza as matérias que vão ter maior interesse público, popular, e que, portanto, você veiculando essas matérias, você vai ter maior audiência nos veículos de comunicação da Casa”27. Ou seja, usa-se “interesse do público” por “interesse público” indistintamente.

Segundo as editoras-chefes da Agência, a pauta deste veículo é definida em reunião de editores dos três veículos: Agência, Rádio e TV. O repórter recebe, então, uma pauta prévia e é designado para acompanhar um dado evento, devendo fechar a matéria após o seu encerramento. A Agência não possui deadline. Para Mônica Nunes, uma das editoras-chefes, o trabalho deste veículo é principalmente institucional: “dar visibilidade aos debates e atos realizados pela Câmara dos Deputados”. Contudo, o “objetivo da Agência é levar informação de qualidade sobre os trabalhos da Câmara para o cidadão”28. Para um profissional da Agência Câmara, entrevistado por Bernardes (2010), “a Agência Câmara constitui ‘uma central de produção em série’, um local onde se reorganizam textos que não são notícias, mas apenas informações” (p. 125). Isto porque, explica ele, em virtude da pretensão de que tudo seja noticiado, prepondera uma falta de seleção e hierarquização dos fatos, fazendo com que o critério de seleção seja político e não jornalístico. Ainda para ele, tal forma de agir objetiva agradar aos parlamentares e revela um comodismo da equipe. Segundo Bernardes, esse discurso se contrapõe à fala dos editores nas reuniões internas, (2010), os quais afirmam que “o Tempo Real é destinado às notícias mais importantes” e que “o que é notícia, a gente publica. Essa é a regra absoluta, o resto é relativo” (p. 126).

26 Op. cit.

27 Entrevista à pesquisadora, em 14/12/2015, via Skype.

28 Entrevistas realizadas por e-mail com o diretor e as editoras-chefes da Agência Câmara, em 14/10/2015,

Com relação à função do Manual de Redação atualmente junto aos profissionais, as opiniões divergem: segundo o diretor da Agência, o Manual ainda é utilizado, mas “precisa ser reescrito para contemplar as inovações tecnológicas que aconteceram desde 2003”29. Já as editoras relatam que os profissionais não recorrem mais ao Manual. Contudo, os princípios de isenção, pluralidade e interesse público – apontados por esse documento – é que norteiam o seu trabalho.

Em relação à escolha das fontes, segundo as editoras-chefes, adota-se a seguinte regra: ouvir os parlamentares envolvidos no assunto (autores dos projetos, relatores, deputados que participam da discussão), e, em caso de “repercussão”, ouvir os dois lados, os quais seriam, segundo elas, o governo e a oposição. Em outros casos, os dois lados também podem ser buscados quanto ao posicionamento divergente sobre o assunto. Ademais, ressaltam que a participação de fontes externas não é prática comum nas matérias da Agência, pois, como o material é originário principalmente dos eventos realizados na Câmara, as fontes externas são os participantes das audiências públicas. Como é possível, então, fugir da cobertura dicotômica e diferenciar-se dos grandes veículos com tal mecanismo de escolha das fontes?

A prática de não consultar fontes externas foi comprovada em estudo de Patrício e Nogueira (2016): em análise de 115 notícias, produzidas entre os meses de janeiro a maio de 2016, em nenhum caso, houve participação de fontes que não estivessem participando de eventos na Câmara. Em análise anterior, em 17 notícias do período de julho a outubro de 2013, Nogueira e Marques (2016) identificaram dois casos em que houve consulta a especialistas que não estavam na Câmara.

Tais informações confirmam relato de Bernardes (2010) de que “a fonte é definida, portanto, pelo processo legislativo, não pelo critério jornalístico ou pelo interesse parlamentar” (p. 134). Além disso, explica a autora, há casos em que, apesar de não estar envolvido diretamente no processo legislativo, o deputado é escolhido em virtude de sua representatividade política na Câmara.

Vê-se, assim, que os profissionais buscam se guiar por procedimentos comuns da prática jornalística, contudo ficam limitados aos “muros” da Câmara. Até que ponto é possível realizar o interesse público e a pluralidade com tal restrição é um questionamento que faremos neste trabalho.

Vimos, então, que a missão institucional da comunicação da Câmara aponta para a prática de uma comunicação pública. Ao mesmo tempo, os seus veículos são referenciados como veículos jornalísticos, pois os procedimentos e critérios desta atividade é que devem ser seguidos por eles. Desse modo, juntando-se as duas linhas, vê- se que a sua proposta aponta para um Jornalismo com base em critérios de uma comunicação pública, ou, dito de outro modo, para uma comunicação pública realizada por meio da subárea do Jornalismo. Assim, considerando o discurso institucional, mas tendo em vista a ambiguidade ou hibridismo que marcam esses veículos, para realizar a análise empírica a que nos propomos, tomaremos como base preponderante a fundamentação teórica do Jornalismo, em especial no que se refere ao critério do interesse público, conceito-chave desta pesquisa.