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1. INTRODUÇÃO

2.2. O processo de alfabetização científica

2.2.3. A alfabetização científica: a linguagem da escola

A alfabetização científica aponta um questionamento: Todo o fazer da escola não deveria ser um processo de construção do conhecimento científico?

Vários autores destacam que as lacunas no Ensino Superior são provenientes de um ensino voltado à transmissão dos conteúdos, decorar fórmulas e conceitos, sem aplicação na vida cotidiana (CHASSOT, 2001; MASETTO, 1992; DEMO, 2004). Diante desta realidade surge a necessidade de romper com este modelo de estruturar o ensino e propor um caminho que solucione as lacunas.

Uma forma é auxiliar os estudantes a conhecer “a Ciência [grifo do autor] como uma linguagem para facilitar nossa leitura do mundo” (CHASSOT, apud CHASSOT 2001, p. 37).

Entende-se linguagem como ‘um sistema simbólico-existencial’, fundamental para a comunicação e socialização do ser humano (MARCHESINI, 2012). A linguagem é fruto das relações sociais, ideia presente nas teorias de Piaget e Vygotsky. O mesmo autor reforça:

[...] A linguagem, aceita socialmente e construída com a razão, permite ao homem tomar distância da realidade, transcender a experiência para conhecê-la e, ao mesmo tempo, proximidade para vê-la na totalidade, encontrar um sentido para vida e transformar a realidade (MARCHESINI, 2012, p. 103).

Desta forma a linguagem possui um papel preponderante no processo de alfabetização científica, essencialmente, porque o conhecimento é produto cultural. Como descreve Soares (2005), a linguagem é o principal produto da cultura e a principal forma de transmitir esta cultura. Com este pensamento, percebe-se a necessidade de transmitir o conhecimento da Ciência, de uma maneira que o estudante possa utilizá-la no seu cotidiano.

Sendo assim, alfabetização científica é uma linguagem dos fatos do mundo em vista da construção do pensamento científico. Esta linguagem tem como base o desenvolvimento de habilidades naturais do ser humano (questionar, buscar o saber, o porquê das coisas, entre outros), utilizando sua bagagem histórica, social e cultural. As habilidades naturais não se desenvolvem automaticamente, necessitam da interação dos processos educativos da escola e da sociedade (CUNHA, 1999). A partir destas informações, estruturam-se uma série de procedimentos que qualificam o estudante e o ajudam a desenvolver suas habilidades, agregando ao seu ser capacidade investigativa, experiências, testes práticos e elaboração de

hipóteses para a resolução de problemas. Esse processo é o princípio e o caminho da pesquisa, por tanto, da alfabetização científica.

A alfabetização científica, por ser um meio para a construção do conhecimento científico, precisa levar em conta os conhecimentos prévios do estudante e sua capacidade cognitiva, para estruturar e adequar novos conceitos, procedimentos e ações, como ressalta Vygotsky em sua teoria.

Para Streck (2005), o papel da educação escolar é manter a interação constante entre assimilação e acomodação.

O mesmo autor afirma (STRECK, 2005, p. 110) que:

Para Piaget a mente não funciona como um simples e passivo espelho da realidade que apenas a reflete. Suas pesquisas mostram que a mente funciona mais como um artista ativo, que se apropria da realidade de uma forma criativa e a recria ou reconstrói de acordo com a base existente no indivíduo, ou seja, as estruturas ou esquemas mentais.

Tendo presente que nos anos iniciais do Ensino Fundamental, a criança, segundo Piaget, está no estágio das operações concretas (FARIA, 2001; STRECK, 2005), é oportuno um ensino direcionado à experimentação e à pesquisa.

Dorneles e Cunha (2005, p. 12) definem pesquisa como “[...] uma descoberta continuada de conhecimento e compreensão através da investigação e raciocínio”. As autoras afirmam que, independentemente da área de conhecimento, os procedimentos de investigação são semelhantes e envolvem a elaboração de experimentos que necessitam de planejamento.

O planejamento, em vista da alfabetização científica, como foi visto acima, segue as seguintes etapas: definição de um problema a ser resolvido; pesquisa prévia e a revisão das informações básicas; objetivo dos experimentos; local de trabalho; materiais de trabalho; metodologia e descrição dos procedimentos; os resultados provenientes das anotações das observações realizadas; análise e estatística dos dados; repetições dos testes para validar o experimento; variações dos experimentos e aplicação de tratamentos diferentes; local da realização do projeto; armazenamento de dados; etiquetas e rótulos para a identificação dos tratamentos; apresentação do projeto; elaboração de relatórios com resultados e incluindo as discussões (DORNELES; CUNHA, 2005).

A elaboração dos experimentos e suas etapas podem parecer penosas para os estudantes dos anos iniciais do ensino fundamental. Essa situação exige, por parte do professor,

planejamento e a elaboração de estratégias para contemplar as diversas etapas da alfabetização científica.

Além deste processo de ensino voltado à pesquisa, Chassot (2001) enfatiza que, na alfabetização científica, a abordagem dos conteúdos precisa ser interdisciplinar4, estudada de maneira inter-relacionada com a tecnologia e a sociedade.

De fato, o componente curricular de Ciências, ou o ensino de Ciências Naturais, exige o diálogo constante entre as outras áreas do conhecimento, pois por mais que a escola separe por áreas, qualquer indivíduo faz uso do conhecimento anteriormente assimilado, seja científico ou do senso comum, para incorporar um novo conhecimento, através da pesquisa que induz à alfabetização científica.

Fazenda (2003, p. 63), reforça esta ideia, ao argumentar:

[...] Numa proposta interdisciplinar, o professor de ciências [...] poderia adotar em sala de aula a postura de quem faz ciência, ou seja, não ter todas as respostas prontas, mas, apresentar disponibilidade intelectual para procurar soluções que envolvam outras esferas e pessoas que não a sala de aula e o professor.

A proposta do ensino de Ciências, como afirmam Campos e Nigro (1999), é aproximar os estudantes do fazer ciência dos verdadeiros cientistas. Apresentar a Ciência aos estudantes sob o ponto de vista de quem a faz. Segundo Nouvel (2001), consiste em despertar o gosto pela ciência, os sentimentos de alegria, paixão, a satisfação de quem experimenta e observa, se impressiona com a diversidade de resultados, descobre soluções para seus problemas e se lança ambiciosamente na expectativa de elucidar novos desafios. É fazer o estudante descobrir que a “ciência comporta um perfume de aventura, de novidade, de mistério” (NOUVEL, 2001, p.23).

O encantamento pela descoberta aproxima o estudante do objeto de aprendizagem. Muitas vezes este encantamento está relacionado diretamente ao estado emocional do estudante e sua afetividade. Alves (2004, p. 52) confirma esta ideia e afirma: “Toda experiência de aprendizagem se inicia com uma experiência afetiva”. De fato, quando o estudante se sente acolhido e aceito no grupo, tem oportunidade de se expressar, dialogar e não é reprimido por isso, cria-se um ambiente de interação, cumplicidade e amizade na escola, que promove a aprendizagem.

4 FAZENDA (2003, p.48) define interdisciplinaridade como: “[...] uma relação de reciprocidade, de interação que

pode propiciar o diálogo entre os diferentes conteúdos desde que haja uma intersubjetividade presente nos sujeitos” envolvidos.