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4.3.2 A análise dos mapas cognitivos

Como visto, o mapa cognitivo (individual ou de grupo) é a representação gráfica de conceitos relacionados por ligações de influência ou conotativas, na forma de uma estrutura hierárquica de meios-fins. A multiplicidade dessas ligações, inerentes à complexidade da cognição humana, principalmente em contextos decisórios diante de problemas complexos, com vários decisores e múltiplos objetivos conflitantes por natureza e comumente encontrados na gestão dos recursos hídricos, podem constituir situações de difícil interpretação.

A análise dos mapas cognitivos possibilita a identificação das características estruturais e o ordenamento hierárquico dos conceitos, de uma maneira sistematizada, visando à operacionalização dos objetivos que emergem dos referidos conceitos. A qualidade do resultado da análise vai depender da capacidade de síntese do facilitador, exercida na fase de construção dos mapas cognitivos e da habilidade de codificação dos conceitos, na fase de sistematização desses, ou seja, na análise, propriamente.

Pretendendo guardar a visão de conjunto da presente pesquisa, ressalta-se que a análise do mapa cognitivo possibilita, enfim, a estruturação do modelo multicritério a ser utilizado na avaliação da eficiência dos usuários no uso da água. Para esse fim e em termos práticos, a preocupação básica na análise em questão “é definir quais são os aspectos, dentro do contexto decisório, que os decisores consideram essenciais e desejáveis de serem levados

em conta no processo de avaliação das ações (os usuários da água).” (ENSSLIN et al., 1998, p. V-6, grifo nosso).

Esses aspectos serão aqui considerados como os objetivos fundamentais, na realidade, os eixos da avaliação do problema.

O processo de identificação dos objetivos fundamentais é entendido como a passagem do mapa cognitivo para o modelo multicritério de avaliação dos usuários da água, no caso presente. A análise, que busca a forma e o conteúdo do mapa cognitivo, deve ser realizada, exclusivamente, pelo facilitador sob três abordagens: a básica, a de transição e a avançada.

A análise básica visa à compreensão do mapa, por meio de uma melhor apresentação, sistematizada, da complexidade do mesmo.A análise de transição tem por finalidade a identificação das áreas de interesse (“clusters”) contidos no mapa cognitivo e que apontam as estratégias emergentes. A análise avançada objetiva a definição dos eixos de avaliação do problema.

Tomando por referência Eden e Ackermann (1998), Montibeller Neto (1996) e Ensslin et al. (1998), apresentam-se os procedimentos usuais para a análise de um mapa cognitivo (individual ou congregado).

4.3.2.1 A análise básica

A análise básica do mapa cognitivo é feita a partir da complexidade global do mesmo (vale dizer, do sistema de conceitos), da complexidade local, considerado cada conceito e de um componente desestruturador, a circularidade.

Complexidade global

Essa parte da análise é feita a partir da relação entre o número de ligações do mapa e o número de conceitos. Segundo Eden e Ackermann (1998, p. 399), a densidade para mapas individuais deve variar entre 1,15 e 1,20. Quando esse valor é inferior a 1,10, é sinal de que há insuficiência de ligações no mapa, suscitando a busca de ligações adicionais, através da revisão. De forma oposta, pode ocorrer excesso de ligações, fato indicador de possíveis redundâncias que devem ser eliminadas.

No caso de mapas cognitivos de grupos, podem ser admitidas densidades maiores (acima de 1,20). Segundo Montibeller Neto (1996, p. 80), outro modo de análise da complexidade global é determinar a relação entre conceitos-cabeças e conceitos-terminais. Os primeiros são aqueles dos quais não saem setas. Os outros representam os que não recebem setas de ligações. Mapas cognitivos com poucos conceitos-cabeças significam que o decisor consegue sintetizar suas percepções através de um elenco reduzido de valores hierarquizados, com poucos conceitos superiores, não raro apenas um, o objetivo estratégico.

Por outro lado, quando há um número relativamente elevado desses conceitos-cabeças, fica evidente a presença de múltiplos objetivos, em geral conflitantes, ou ainda, a dificuldade do decisor discriminar ordenadamente os seus valores. Quanto maior a razão entre conceitos-cabeça e conceitos-terminais, maior a complexidade do mapa. O número de conceitos-terminais reflete a diversidade de opções para resolver o problema. Essas opções podem ser alternativas concretas, ou simples ações mais genéricas, como recomendações.

Complexidade local

A análise da complexidade local revela o dominância de cada conceito no mapa cognitivo, através das medidas de domínio e centralidade. O número total de ligações (setas entrando e saindo) de um conceito determina o domínio. Os conceitos com os maiores domínios são os que possuem profundo a centralidade cognitiva, significado e que podem dar uma visão sumária do mapa. São os conceitos centrais, segundo Bougon (1992, p. 369). Também podem representar os conceitos mais importantes qualitativamente, sob o aspecto subjetivo. A determinação dos domínios dos conceitos pode representar um importante meio para a hierarquização dos objetivos, como será mostrado adiante. Para elucidação, como exemplo, apresenta-se o mapa cognitivo contextualizado na Figura 4.18, referente a um problema do autor, formulado como desenvolver uma metodologia para elaboração da tese de doutorado.

Na Figura 4.18, o conceito 11 ser eficiente no uso do tempo tem domínio igual a 6 e sintetiza uma das maiores preocupações do autor ao estruturar o seu problema. Representa um conceito central, que será confirmado como um objetivo fundamental, como mostrado a seguir, na hierarquia dos objetivos

Por outro lado, a centralidade possibilita a visão sistemática da importância de cada conceito no conjunto do mapa cognitivo, ou seja, a relevância estrutural de cada conceito.

A centralidade de um conceito é determinada através do somatório dos domínios ponderados por nível de influência (ligações) radialmente. Segundo Eden e Ackermann (1998, p. 405), “esse peso relativo varia exponencialmente com o afastamento radial”. Para exemplificar, na Figura 4.18, para o mesmo conceito ser eficiente no uso do tempo (conceito 11).

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Tabela 4.1: Centralidade de um conceito

nível peso conceitos domínio

1 1,00 7-10-15-14-13-9 1,00 x 6 = 6,00

2 0,50 3-2-8-12-16-6-7 0,50 x 7 = 3,50

3 0,33 5-4-18-19-1 0,33 x 5 = 1,65

centralidade do conceito 11 (soma) = 11,15 Fonte: elaborada pelo autor

O domínio e a centralidade dos conceitos são meios importantes de medida quantitativa da análise dos mapas cognitivos, mas não os únicos. Isto porque esse tipo de análise elimina parcialidades de percepção do decisor, ditadas pela subjetividade, onipresente na cognição humana.

Conceitos com elevada importância qualitativa podem apresentar baixo escore de domínio e de centralidade, mas podem ser meios de ligação entre conceitos de alto nível hierárquico. Então, a análise básica do mapa cognitivo deve incluir a busca desses conceitos, na forma da confirmação estrutural e de ligações de influência e conotativas (aquelas de possível influência, resultado da presença de aspectos subjetivos do juízo de valor).

Isto posto, há que considerar uma avaliação qualitativa dos conceitos. Um exemplo bastante elucidativo sobre a importância dessa abordagem está descrito em Cossette e Audet (1992).

Circularidade

Laços fechados (laços de realimentação, “loops”) ocorrem com freqüência nos mapas cognitivos ao longo do processo construtivo. Em essência, o fato ocorre quando um conceito – meio influencia um conceito-fim que, por sua vez influencia aquele mesmo conceito-meio, e assim sucessivamente. Esse fenômeno quebra a hierarquia no mapa cognitivo e todos os

conceitos, por ventura assim caracterizados, são considerados nivelados hierarquicamente. “Nesses casos, todos os conceitos presentes no círculo (laço) podem ser substituídos por apenas um conceito”. (EDEN; ACKERMANN, 1998, p. 410; MONTIBELLER NETO, 1996, p. 120).

A circularidade é, em geral, causada por má interpretação e/ou codificação dos conceitos na fase de construção do mapa cognitivo, ou por equívoco, ou entendimento incompleto do problema, por parte do decisor. A solução recomendada é, ao longo das novas discussões (negociação), eliminar a circularidade através da supressão de algumas ligações de influência. A eliminação de conceitos, outro caminho, não é uma boa solução porque, nessa opção, também são eliminadas percepções que podem ser importantes, empobrecendo a qualidade do mapa cognitivo.

Segundo Montibeller Neto (1996, p. 121), “a análise da existência da circularidade deve preceder todas as outras análises, sendo cada um dos laços corrigidos e checados antes de se prosseguir com o processo”. A análise aprofundada da circularidade em mapas cognitivos está descrita em Cossette e Audet (1992) e em Montibeller Neto (1996).

4.3.2.2 Análise de transição

A análise de transição do mapa cognitivo visa à identificação das áreas de interesse (“clusters”) que, na realidade, apontam para as estratégias a adotar no processo, para a solução do problema. Tudo de conformidade com o que foi apresentado no item 2.1.1 A necessidade de pensar e agir estrategicamente, no capítulo que aborda as problemáticas dos temas desenvolvidos na presente pesquisa.

Uma área de interesse é representada pela identificação inequívoca e agrupamento dos conceitos que, na visão do facilitador, têm sentidos semelhantes que levam, por caminhos (ramos) diferentes, aos conceitos mais elevados hierarquicamente, os objetivos estratégicos, no mapa cognitivo, ou a objetivos-fim, em situações particularizadas. Cada área de interesse é constituída por intra-ligações dos conceitos componentes. O mapa cognitivo pode ser entendido como o conjunto de áreas de interesse relacionadas por ligações inter-conceitos. A detecção de áreas de interesse, as possíveis estratégias, pode ser realizado com apoio computacional, ou manualmente.

Segundo Eden e Ackermann (1998, p. 400) e Ensslin et al. (1998, p. IV-6),

a detecção manual de ‘clusters’ parece ser, segundo a experiência prática, superior à detecção automática, pois a análise leva em conta não apenas a forma do mapa, mas também, o conteúdo dos conceitos. Porém (...) utilizando-se esse procedimento, está se subvertendo uma das características da análise tradicional (básica), a objetividade da análise.

Em nosso entendimento, na identificação das estratégias emergentes para a solução de um problema na gestão dos recursos hídricos, dados os incipientes programas computacionais disponíveis, nada ainda substitui a análise direta (manual) do mapa cognitivo, pelo facilitador em especial, quando a qualidade do produto final é indispensável. Porém, quando a exigüidade de prazo for determinante e na presença de problemas pesados (“hard decisions”), com muitos decisores e múltiplos objetivos, o uso de programas computacionais pode ser necessário, mas com exigência de uma criteriosa revisão dos aspectos fundamentais e em detrimento da qualidade e consistência do produto final, certamente.

Elucidando, no mapa cognitivo do autor, apresentado na Figura 4.18, foram identificadas duas áreas de interesse, a estratégia A (inovação) e a estratégia B (consistência). Na mesma figura, vê-se que o conceito 11 ser eficiente no uso do tempo é um forte vínculo de inter-ligação entre as duas áreas de interesse, representando um conceito potente, segundo Eden e Ackermann (1998, p. 409).

A consideração de cada área de interesse separadamente, com seus conceitos-cabeças e conceitos-terminais, facilita a análise do conteúdo e o encaminhamento da solução do problema. Cada área de interesse pode ser analisada como se fosse um mapa cognitivo independente, sob forma e conteúdo, mais eficazmente. Com base em Eden e Ackermann (1998) e resumidamente, apresentam-se alguns importantes indicadores que podem ser obtidos dos mapas cognitivos através da análise das áreas de interesse e de suas relações.

quanto às semelhanças das áreas de interesse, mutuamente exclusivas:

a) quando há forte inter-ligação interna de muitos conceitos, mutuamente exclusivos, em poucas áreas de interesse, o mapa cognitivo é indicativo de elevada rigidez e pensamento estratégico dogmático. A equipe decisora é centrada em um ponto de vista muito próprio com relação a estratégias futuras e de como usa-las. Aqui, há resistência a mudanças. São áreas de interesse monolíticas. Exigem um sobre-esforço psicológico do facilitador ao longo do processo de negociação.

b) quando há fraca inter-ligação interna entre muitos conceitos de muitas áreas de interesse é sinal de que as decisões serão tomadas através de uma série de saltos através de pontes entre as áreas de interesse. Por outro lado, havendo muitas áreas de interesse e muitas inter-ligações entre muitos conceitos, há sistemas bem articulados e mais abertos a mudanças.

c) a comparação entre as áreas de interesse de diferentes mapas cognitivos individuais possibilita a constatação de semelhanças e diferenças de estratégias emergentes, fato fundamental para a construção do mapa cognitivo congregado.

quanto à hierarquia dos conceitos nas áreas de interesse, não mutuamente exclusivas:

Aqui não há a preocupação de que cada conceito pertença a apenas uma área de interesse, mas sim, a de ordená-los hierarquicamente no mapa cognitivo.

a) o nível hierárquico de cada conceito na área de interesse é definido pela sua importância (potência), com base no domínio, centralidade e na análise de semelhanças (EDEN; ACKERMANN, 1998, p. 409).

b) os conceitos em posição hierárquica mais elevada apontam para os objetivos estratégicos, as aspirações maiores.

c) em princípio, cada conceito aponta uma influência ou suporte para a resolução de uma estratégia, com intensidade variável.

4.3.2.3 Análise avançada

A análise avançada do mapa cognitivo busca a definição dos eixos de avaliação do problema. Pode ser considerada um ajuste fino nas especificações dos seqüenciamentos alternativos hierarquizados dos conceitos dentro de cada área de interesse. É uma interpretação criteriosa da forma e conteúdo do mapa cognitivo. Segundo Ensslin et al. (1998), a análise avançada é realizada através da identificação dos seguintes elementos:

linhas de argumentação

Decorrem da análise da forma do mapa cognitivo, sendo cada uma delas constituída por uma cadeia de conceitos que são influenciados hierarquicamente superiores a um conceito terminal, chegando a um conceito-cabeça.

ramos

Resultam da análise do conteúdo do mapa cognitivo e são constituídos por uma ou mais linhas de argumentação, que demonstrem preocupações semelhantes sobre o contexto decisório.

Novamente, na Figura 4.18, por exemplo, para a estratégia B (consistência), podem ser identificadas as seguintes linhas de argumentação (LA) e ramos (R):

Linhas de

argumentação conceitos ramos argumentação linhas de

LA1 3-7-11-13-17-19 R1 LA1 e LA2

LA2 1-2-7-11-13-17-19 R2 LA3 e LA4

LA3 6-9-13-17-19

LA4 6-9-11-13-19

Quadro 4.3: Análise avançada do mapa cognitivo. Linhas de argumentação e ramos Fonte: análise do mapa cognitivo do autor-exemplo, Figura 4.18 - elaborado pelo autor

No mapa cognitivo em questão, mostrado na Figura 4.18, foi estabelecido o objetivo estratégico obter a validade científica da pesquisa no prazo regulamentar. A análise permite concluir que, para o problema em questão, adotando a estratégia B (consistência), através da realização de um levantamento completo das informações (conceito 13), um dos caminhos

(táticas) pode ser o ramo R1 adotar uma abordagem sistematizada (conceito 7). O outro caminho indicado é dado pelo ramo R2 racionalizar a revisão bibliográfica (conceito 9).

Essa fase encerra a análise do mapa cognitivo. Sobre os ramos identificados, dá-se seqüência à pesquisa com o estabelecimento e hierarquização dos objetivos, na visão da equipe decisora, assunto dos próximos itens.