• Nenhum resultado encontrado

+ Conceito fim

4.3.4 Os objetivos fundamentais

Como explanado anteriormente, os mapas cognitivos são constituídos de conceitos (“constructos”), segundo Kelly (1955, p. 143), conectados por ligações de influência e conotativas. Cada conceito estabelecido representa um objetivo. Esses objetivos especificam os valores dos decisores. Os valores, por sua vez, são princípios usados para a avaliação.

Sob uma visão sistemática, “os objetivos fundamentais são as especificações qualitativas dos valores maiores dos decisores. São a base do processo de decisão, sendo que a sua criteriosa definição é absolutamente crucial para a análise em questão” (KEENEY, 1992, p. 33). Esses objetivos fundamentais são essenciais para o desenvolvimento dos modelos que possibilitam a avaliação das ações (no caso em estudo, os usuários da água), no atendimento dos objetivos estratégicos, também definidos no processo de decisão. “Há uma grande discrepância entre o modo como as situações de decisão são usualmente examinadas e a forma como deveriam ser, com base na consistência com os valores dos decisores e na informação” (KEENEY, 1992, p. 45).

A escolha dos objetivos fundamentais é feita com base em um processo criativo e através do juízo de valor de cada decisor, interativamente, a partir dos ramos definidos nas áreas de interesse do mapa cognitivo congregado da equipe. Em termos gerais, esses objetivos são usados para a criação e avaliação de alternativas de solução do problema, para a identificação de oportunidades e como guias do processo decisório. A escolha é realizada através de testes de verificação de algumas propriedades, de forma que o conjunto de objetivos fundamentais e cada um isoladamente, em cada ramo do mapa cognitivo, deve ser:

essencial: representando aspectos que são de fundamental importância para os decisores, segundo seus sistemas de valores e seus objetivos estratégicos. Ou, de outra forma, se cada uma das alternativas (usuários) pode influenciar o grau de alcance do objetivo, ou conjunto de objetivos em questão;

controlável: representando aspecto que seja influenciado apenas pelas alternativas (usuários) em questão. De outra forma, se todas as alternativas (usuários) que podem influenciar as conseqüências estão incluídos no contexto decisório;

completo: incluindo todos os aspectos considerados como fundamentais pelos decisores;

mensurável: possibilitando a especificação, de modo preciso, da performance das alternativas, através das medidas dos critérios de avaliação (as variáveis), segundo os aspectos considerados fundamentais pelos decisores;

operacional: possibilitando a coleta de informações requeridas sobre a performance das alternativas, dentro do tempo disponível e com esforço viável;

isolável: possibilitando a análise de um aspecto fundamental de forma independente, com relação aos demais aspectos do conjunto;

não-redundante: não levando em conta o mesmo aspecto mais de uma vez; conciso: o número de aspectos considerados deve ser o mínimo necessário, mas suficiente para bem representar sistematicamente o problema;

compreensível: apresentando significado simples e claro aos decisores, possibilitando a geração e comunicação de expressões de condução do processo decisório;

Independência preferencial mútua

A propriedade referente à isolabilidade requer uma atenção especial. A confirmação desta propriedade, no estabelecimento dos objetivos fundamentais, assegura a possibilidade da independência de julgamentos locais, o que é crucial no processo decisório. Partindo de Keeney (1992, p. 133) e considerando que um dos objetos principais deste trabalho é estruturar um modelo multicritério de avaliação da eficiência dos usuários, para fins da cobrança pela garantia de disponibilidade e pelo uso da água do ambiente, “a isolabilidade requer apenas independência preferencial mútua entre os pares de objetivos fundamentais”.

Segundo Wincke (1993), um objetivo fundamental é independente dos demais se a ordem e a intensidade de preferência entre um par de alternativas (usuários da água, no caso

em estudo) nesse objetivo fundamental e segundo os decisores, não depende da performance (eficiência no uso da água) dessas mesmas alternativas nos demais objetivos fundamentais. Se essa condição for verificada entre todos os objetivos fundamentais, pode-se afirmar que eles são preferencialmente independentes. O teste de independência, como referido, deve ser feito par-a-par.

Se um objetivo fundamental é independente preferencialmente de outro e se esse segundo também é preferencialmente independente do primeiro, pode-se dizer que eles são preferencialmente independentes de forma mútua. A fundamentação e detalhadamente desse assunto está descrito em Keeney e Raiffa (1976, p. 104).

A independência preferencial pode ser examinada por dois caminhos: pela verificação da independência preferencial ordinal e da independência preferencial cardinal. A primeira delas serve para verificar se a ordem de preferência entre duas alternativas (usuários da água) em um objetivo fundamental permanece constante, independentemente da performance dessas duas alternativas nos demais objetivos fundamentais. A segunda forma tem por objetivo verificar se a diferença de desempenho (eficiência no uso da água) entre duas alternativas, em um determinado objetivo fundamental, não é afetada pela performance dessas alternativas nos demais objetivos fundamentais.

Pelo exposto, fica evidente que os testes de independência preferencial mútua dependem das medidas de desempenho das alternativas em cada objetivo fundamental, só podendo ser realizados, então, após o estabelecimento dos critérios de avaliação (variáveis) e suas escalas de medida, descritos no item 4.4.1 Os critérios de avaliação do modelo multicritério e definida a Matriz de Avaliação (Tabela 5.1), mostrada no capítulo 5. O MODELO DE COBRANÇA PROPOSTO.

É fundamental esclarecer que a estrutura de preferências utilizada no teste de independência preferencial mútua é característica e específica para cada contexto decisório,

num certo momento e resultado da visão e dos juízos de valor da equipe decisora, não cabendo, pois, quaisquer críticas ou julgamentos sobre as escolhas manifestadas no processo de negociação, nem a generalização dos resultados para outros contextos decisórios.

No processo decisório, cabe ao facilitador, isto sim, deixar bem claras as conseqüências que poderão advir das escolhas feitas pelos decisores. O exemplo que segue, serve para ilustrar o teste em questão.

No contexto decisório de um Comitê de Gerenciamento de Bacia Hidrográfica, examina-se a independência preferencial mútua dos objetivos fundamentais estabelecidos. O teste é realizado com base nos critérios de avaliação que especificam (operacionalizam) os referidos objetivos fundamentais.

Visando à avaliação de desempenho dos usuários (irrigadores), quanto à eficiência no uso da água, deseja-se verificar a independência preferencial mútua, por exemplo, entre os critérios de avaliação localização da captação e taxa de irrigação.

Teste de independência preferencial ordinal

Nesse primeiro teste, verifica-se se a ordem de preferência entre os pares de alternativas (usuários da água), sob um dos critérios de avaliação, permanece constante, independentemente dos desempenhos desses pares de alternativas nos demais critérios de avaliação.

Inicialmente, pode ser verificado se o critério taxa de irrigação apresenta independência preferencial ordinal, com relação ao critério localização do ponto de captação.

Os decisores comparam dois usuários da água, com a captação na mesma localização, quanto ao desempenho no critério taxa de irrigação. Em seguida, o facilitador apresenta outro par de usuários, com outra localização, comum aos dois, mas diferente da primeira e

questiona os decisores a manifestarem suas preferências no que respeita, novamente, ao desempenho em taxa de irrigação. A Figura 4.19 sintetiza o processo.

Figura 4.19: Teste de independência preferencial ordinal (taxa de irrigação x localização da captação)

Fonte: elaborada pelo autor

Pelo exposto, os decisores mantêm inalterada a preferência pela menor taxa de irrigação, independente da localização da captação de água no manancial. Assim, o critério taxa de irrigação é preferencialmente ordinalmente independente do critério localização da captação.

Examinando, no sentido contrário, se o critério de avaliação localização da captação também apresenta independência preferencial ordinal com relação ao critério taxa de irrigação, o facilitador apresenta dois usuários com a mesma taxa de irrigação e solicita aos decisores que os julguem quanto às localizações das captações.

Em seguida, dois outros usuários que apresentam uma outra taxa de irrigação comum, diferente da primeira são comparados pelos decisores, novamente quanto à localização de captação.

Figura 4.20: Teste de independência preferencial ordinal (localização da captação x taxa de irrigação)

Fonte: elaborada pelo autor

Conclui-se que, na visão dos decisores, é mantida a ordem de preferência da localização da captação, independente da taxa de irrigação dos usuários comparados. Vale dizer que, na visão dos decisores, os critérios de avaliação taxa de irrigação e localização da captação são independentes preferencialmente ordinalmente e de forma mútua.

Teste de independência preferencial cardinal

Como afirmado, é necessário que, além da ordem de preferência, a intensidade dessa preferência de uma alternativa de solução com relação a outra, sempre aos pares, em um determinado critério de avaliação, seja mantida constante, independente dos desempenhos dos pares de alternativas comparados, nos demais critérios.

Quando questionados, os decisores, usando o argumento de que na época da aquisição da terra, não havia a escassez de água, não aceitando, por isso, qualquer discriminação quanto à localização geográfica, mantém a intensidade de preferência (∆∆∆∆) na taxa de irrigação,

independente da localização da captação. Vale dizer que, no contexto atual, deve prevalecer a redução da vazão de captação de água.

Figura 4.21: Teste de independência preferencial cardinal (taxa de irrigação x localização da captação)

Fonte: elaborada pelo autor

Por outro lado, realizando o teste no sentido contrário, para verificar se é mútua a independência preferencial cardinal entre os dois critérios de avaliação comparados, os decisores mantém constante a intensidade de preferência da localização da captação, mais próxima da foz, cotejando outros pares de alternativas, mas por uma questão contingencial.

Figura 4.22: Teste de independência preferencial cardinal (localização da captação x taxa de irrigação)

Fonte: elaborada pelo autor

Conclui-se que, na visão da equipe decisora, os critérios de avaliação comparados são independentes, em termos de preferência mútua, tanto ordinal, quanto cardinalmente, podendo

ser mantidos no modelo multicritério de avaliação dos usuários (orizicultores), quanto à eficiência no uso da água.

A mesma conclusão pode ser estendida aos objetivos fundamentais reduzir a taxa de irrigação e aproximar da foz as captações, ambos minimização, que deram origem aos critérios de avaliação comparados no exemplo elucidativo.

Após a realização dos testes e confirmados os objetivos fundamentais, restam alguns conceitos no mapa cognitivo que não atenderam a todas as propriedades. Esses conceitos representam os objetivos-meio, que detalham e explicam, com especificidade variável e de forma ramificada, os objetivos fundamentais, sinalizando os caminhos que podem ser usados para o alcance desses últimos objetivos. Trata-se de um processo de decomposição, através do qual chega-se aos critérios de avaliação (as variáveis de controle) que possibilitarão a mensuração da performance da cada alternativa (usuários da água), em termos de atendimento simultâneo do conjunto de objetivos fundamentais, para cada situação.

Na Figura 4.18, mapa cognitivo do autor para o exemplo apresentado, foram confirmados, como objetivos fundamentais, para fins de estruturação de sua tese de doutorado:

Conceito 11: ser eficiente no uso do tempo

Conceito 17: buscar a consistência dos resultados da pesquisa Conceito 18: desenvolver metodologias inovadoras

Como objetivos-meio, indicadores dos caminhos e procedimentos a adotar para o alcance dos objetivos fundamentais estabelecidos, foram definidos:

Conceito 7: adotar abordagem sistematizada

Conceito 13: fazer um levantamento completo das informações Conceito 9: racionalizar a revisão bibliográfica

Conceito 2: elencar um conjunto mínimo de aspectos Conceito 3: desenvolver os assuntos em seqüência lógica Conceito 6: observar a relevância dos aspectos considerados Conceito 5: buscar um resultado inédito para a pesquisa

A estrutura do problema-exemplo está representada na Figura 4.25 Hierarquia dos objetivos, assunto do próximo item. Considerando as características do problema estudado, formulado como estruturar uma metodologia para desenvolver tese de doutorado e o prazo disponível, o autor deu-se por satisfeito, entendendo que o problema estava suficientemente formalizado, em termos de adequada apresentação e organização das suas percepções primárias e objetivos, considerada a operacionalidade através dos meios definidos.

Cabe ainda esclarecer que, na primeira análise de caracterização dos objetivos, restaram os conceitos 8, 10, 12, 14, 15 e 16, por não terem resistido aos testes de confirmação das propriedades exigidas. Alguns desses conceitos revelaram-se irrelevantes para os objetivos estabelecidos, por exemplo, o pressuposto cumprir as normas do Pós-Graduação. Outros, por extrapolarem os limites do escopo do problema e por representarem objetivos que podem ser alcançados por vários outros meios, além do que foi usado como exemplo, como os conceito 15 elevar a auto-estima e o conceito 16 expandir a capacidade mental para a criatividade, e também o conceito 14 reduzir o nível de ansiedade. Na prática, a revisão analítica conduziria a uma melhor conceituação de algumas percepções primárias e eliminação de alguns conceitos, o que não foi realizado porque o decisor (autor) aceitou o primeiro resultado da análise como uma adequada e suficiente forma estruturada do seu problema.

Isto posto, passa-se à fase seguinte da estruturação do problema, na forma da representação sistematizada na Hierarquia dos Objetivos.