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A Análise da Experiência das Zonas Libertadas e de outros lugares

4.1 O Processo Complexo do Diálogo: colocando os pressupostos do diálogo com África

4.2.2 A Análise da Experiência das Zonas Libertadas e de outros lugares

à medida que iam ganhando batalhas e tomavam áreas extensas dos territórios organizavam a vida da população dos lugares conquistados, a que chamavam zonas libertadas, mais ou menos, ao modo como pensavam em administrar depois das Independências os seus países. Por isso, no caso da Guiné-Bissau, as áreas eram uma

herança de “excelentes experiências lideradas pelo PAIGC (...), no sector da produção, da distribuição, com os “armazéns do povo”, no da justiça, no da saúde, no da educação” (FREIRE, 2011a, p. 29). Isto pode ser dito também em relação a Moçambique e Angola onde as zonas libertadas foram campos de experiências de sistemas coletivos de organização e direção da sociedade.

Para Paulo Freire foi necessário analisar as experiências das zonas libertadas para que eles pudessem pensar na nova educação e resolver algumas questões como a saber como as equipas nacionais, ao preocupar-se com a transformação do sistema herdado do colonizador, viam a herança da guerra (FREIRE, 2011a, p. 29). Em relação a esta pergunta a sua opinião era que o novo sistema da educação não poderia ser uma síntese feliz entre a herança colonial e a herança das zonas libertadas, mas que o novo projeto da educação deveria resultar basicamente do que se tinha aprendido da experiência de gestão das zonas libertadas em que se aprofundaria tudo o que tinha sido feito naqueles laboratórios da vida pós-independências em que foi posta em prática a educação popular numa escola ligada à produção e a formação política dos educandos (FREIRE, 2011a, p. 30).

Com efeito, Freire compreendeu muito bem o que o PAIGC foi fazendo: em meio à guerra foram se humanizando, tornando-se assim coerente entre o que declaravam como aspirações com a própria prática: “Uma educação que, expressando, de um lado, o clima de solidariedade que a luta provocava, de outro, o estimulava e que, encarnado o presente dramático da guerra, buscava o reencontro com o autêntico passado do povo e se dava a seu futuro” (FREIRE, 2011a, p. 30).

Diria Freire (2011a) que foi no estudo da educação nas zonas libertadas que se apercebeu da visão profética de Amílcar Cabral:

(...) sua capacidade de analisar a realidade do país, de jamais negá-la, de partir sempre dela como estava sendo e não como ele gostaria que ela fosse, de denunciar, de anunciar. Denúncia, porém, jamais estiveram, em Amílcar Cabral, dissociados, como também jamais fora da práxis revolucionária. A denúncia da realidade opressora, da espoliação, bem como o anúncio da nova sociedade, constituindo-se no seio mesmo da velha, através da transformação revolucionária, ele sempre fez, com seus camaradas, na prática da luta (FREIRE, 2011a, p. 30)

A experiência dura da guerra e a urgência de libertação levou os dirigentes revolucionários africanos a saberem ser sonhadores realistas, é o que Paulo Freire percebeu de Cabral. Foram capazes de ir anunciando o que se estava dar na medida

mesma em que faziam acontecer. Nem ativismo nem intelectualismo (em Amílcar Cabral visto por Freire):

Enquanto um homem que viveu plenamente a coerência entre sua opção política e sua prática, a palavra em Cabral era sempre a unidade dialética entre ação e reflexão, prática e teoria. Dai que nunca se tenha deixado tentar, de um lado, pelo blá-blá-blá; de outro, pelo ativismo (FREIRE, 2011a, p. 30)

Durante os estudos preparatórios a última é das lições importantes aprendidas e que concordava muito bem com a posição de Freire. Ele iria usar estas lições também no terreno. A recusa ao espontaneismo como a manipulação.

Nem as massas populares atomizadas, entregues a si mesmas, marchando ao gosto dos acontecimentos, sem um Partido revolucionário e uma vanguarda que esclareçam, que mobilizem, que organizem, que orientem, nem tão pouco uma vanguarda “proprietária” das massas populares. Nem licenciosidade nem autoritarismo burocrático. Nem a vanguarda atrás das massas populares, perdendo-se na “poeira” que estas fazem, nem demasiado a frente, fazendo-as perder na “poeira” da vanguarda, mas esta com aquelas, ensinando e aprendendo mutuamente, na luta de libertação(FREIRE, 2011a, p. 31).

Paulo Freire e sua equipe aperceberam-se, durante a sua preparação para Guiné- Bissau, que Amílcar Cabral esteve sempre em comunhão com seu povo, que ele conhecia perfeitamente a sua história, procurava viver intensamente o seu presente e por isso ela poderia sonhar com maior segurança. “Por isso, que em todo o hoje que ele intensamente vivia, havia sempre um sonho possível, um viável histórico, a começar a ser forjado no hoje mesmo.” (FREIRE, 2011a, p. 31).

O educador pernambucano e outros brasileiros aprenderam que Amílcar Cabral teve que enfrentar, durante a guerra, a questão das crenças dos combatentes. Estes acreditavam que com magia poder-se-ia vencer o inimigo; que com amuletos a bala poderia ricochetear e retornar. Ele aprendeu que Cabral teve que educar os combatentes com paciência/impaciente tal era a urgência da guerra. Freire falava deste último binômio (paciência/impaciente) ou impaciência paciente para se referir a corrida contra tempo, mas com segurança.

Mas Cabral compreendeu que os canhões sozinhos não faziam a guerra e que esta só se resolve quando, no seu decurso, a debilidade dos oprimidos se faz força, capaz de transformar a força dos opressores em fraqueza (FREIRE, 2011a, p.32). Dai a sua preocupação constante na formação política e ideológica dos militares qualquer que fosse o seu nível e setor.

É importante frisar que a educação durante a guerra formou mais que todo o período colonial, como se pode ver numa ilustração de Paulo Freire (2011a, p. 29) no livro Cartas à Guiné Bissau.

A equipe brasileira constatou que a herança da guerra estava sendo valorizada sobretudo no trabalho que estava sendo dirigido pelo ministro da educação da época Mário Cabral no processo da transformação da educação (FREIRE, 2011a). Tanto estes dirigentes africanos da educação guineense como Paulo Freire descartaram a educação colonial e tomarem como única experiência válida a das zonas libertadas esquecendo-se da educação pré-colonial. Durante a etapa de preparação foi importante olhar para outras experiências de outros contextos.