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2.6 A ANÁLISE DAS INFORMAÇÕES LEVANTADAS

2.6.1 A análise propriamente dita

A análise das informações coletadas/levantadas ocorreu em duas etapas:

1ª. etapa:

As informações individuais dos atores sociais, extraídas da entrevista semi-estruturada, foram agrupadas: na íntegra e depois em recortes das Ideias Principais (IP), também de maneira individual, a partir das categorias: “afetividade” e “cuidado”, face ao objeto da pesquisa. Esta etapa é cunhada de Análise Vertical, conforme pode ser verificado no Quadro 1 abaixo.

Quadro 1 - Citações da Entrevista & Ator Social (Individual)

Fonte: Quadro construído pela autora. 2ª. etapa:

Nesta etapa, as IP individuais, contidas no Quadro 1, foram alocadas por: “grupo de ator social” e “categoria”, podendo ser cunhada de Análise Horizontal. (Vide Quadro 2 abaixo).

Fonte: Quadro construído pela autora deste estudo.

3ª. etapa:

Essas informações levantadas/selecionadas nas entrevistas semi-estruturadas foram apresentadas de maneira fluída nos capítulos deste estudo, com a intenção de proporcionar ao leitor diálogos transversais, articulados, entre: “autores”, “atores sociais” e “pesquisadora”, ou seja, entre “teóricos”, “entrevistados” e a “autora” desta investigação.

Para Bardin (2016, p. 147) categorização é:

[...] Uma operação de classificação de elementos constitutivos de um conjunto por diferenciação e em seguida, por reagrupamento segundo o gênero (analogia), com os critérios previamente definidos. As categorias são rubricas ou classes, as quais reúnem um grupo de elementos (unidades de registros) sob um título genérico, agrupamento esse efetuado em razão das características comuns destes elementos [...].

Essa classificação ocorre por vários critérios: “semântico” (categorias temáticas); “sintático” (verbos, adjetivos, advérbios etc.); “léxico” (classificação das palavras segundo seu sentido, com emparelhamento dos sinônimos e sentidos próximos) e “expressivo” (se refere a problemas de linguagem). (BARDIN, 2016).

A escolha por esse método decorreu das teorias investigadas, dos objetivos do trabalho e da questão de pesquisa, que segundo Campos (2016, p. 613), é:

[...] O evidenciamento das unidades de análise temáticas que são recortes do texto, consegue-se segundo um processo dinâmico e indutivo de atenção ora concreta a mensagem explicita, ora as significações não aparentes do contexto. Difícil é delinear com absoluta transparência os motivos da escolha deste ou daquele fragmento, sem levar em consideração que a relação que se processa entre o pesquisador e o material pesquisado é de intensa interdependência [...]. Esta colocação de Campos (2016) evidencia a presença da subjetividade inserida no processo de análise. Etapa denominada por Bardin (2016, p.126) de “leitura flutuante”, que

consiste em “[...] estabelecer contato com os documentos a analisar e em conhecer o texto deixando-se invadir por impressões e orientações”.

Para Campos (2004), existe uma interação significativa do pesquisador com o material a ser analisado, pois muitas das impressões trabalhadas no contato direto com o sujeito afloram na lembrança auxiliando na condução dos trabalhos. Esta perspectiva propiciou uma leitura transcendente das mensagens, explicitadas pelos atores sociais.

Sintetizando, todos esses instrumentos e técnicas utilizados, oportunizaram conhecer as “entranhas” do ambulatório, o que para Yin (2005, p. 125) quer dizer, propiciaram a “[...] oportunidade de utilizar muitas fontes diferentes para a obtenção de evidencias constitui um ponto forte importante da ação de agregar informações no estudo de caso [...]”.

Este percurso permitiu conhecer pensamentos, sentimentos e propostas dos atores sociais, bem como radiografar parcialmente o ambulatório.

A visão parcial se deu em virtude da minha limitação em açambarcar todas as possibilidades existentes de análise, devido à complexidade local. Isto porque, se trata de duas culturas que convivem no mesmo espaço com características díspares, embora complementares, o que tornou necessário conhecer a filosofia de cada um desses modelos: o vitalista, o biomédico, e também a gênese do ambulatório, para compreender como as PIC se inserem e como a afetividade e o cuidado se apresentam nas ações dos profissionais, gestores e na percepção dos assistidos.

O Capítulo seguinte possibilitará conhecer a gênese do ambulatório para compreender como esse local se revelou como um espaço Multirreferencial.

3 AMBULATÓRIO DE PRÁTICA INTEGRATIVA E COMPLEMENTAR DO HUPES: ESTEIO DA AFETIVIDADE

“Eu aprendi que o projeto não é meu, que a gestão não é só minha, eu sou uma gota nesse oceano”.

Diana Brasil Pedral Sampaio

Adentrar ao lócus da pesquisa é ter a possibilidade de conhecer a gênese do ambulatório de PIC do HUPES, esteio da afetividade e do cuidado.

Fonte: Autora

A semente afetiva da criação do Ambulatório de PIC do HUPES foi plantada bem antes de 2012. O começo dessa jornada iniciou quando a médica Diana Brasil Pedral Sampaio, Infectologista, fazia residência médica e se deparou com Assistidos portadores da Síndrome da Figura 5 - Mapa Conceitual do Ambulatório de PIC

Imunodeficiência Adquirida (AIDS). Estes assistidos trouxeram para ela mudanças significativas em relação ao que havia aprendido na Universidade. Ela relatou17:que:

[...] fui preparada só para a cura, eu tinha muita dificuldade com a morte, muita dificuldade; eu perdia, entre aspas, pacientes toda semana [...] eram pacientes com uma demanda emocional muito grande, com problemas de sexualidade, questões que eram tabus, doença que levava à morte. [Diana Sampaio/Médica- Gestora]

Conviver com o desespero da família, coisa para que não estava preparada, cada vez mais lhe causava impacto. Dando continuidade ao relato, disse ela:

Comecei a procurar ajuda para mim mesma, para poder lidar com aquelas questões que eram muito graves, principalmente com os usuários de drogas. Às vezes, a família dos pacientes é que me consolava, e nessa história eu tive assim, muitos aprendizados, foi muito rico para mim. [Diana Sampaio/Médica-Gestora]

Nós só damos o que temos. Para que pudesse ajudar ela teve que buscar ajuda, então foi à procura de terapia e vários cursos que pudessem:

Dar uma resposta para mim mesma e também para ajudar melhor meus pacientes, de uma forma ou de outra, com alguma prática, coisas que eu fui aprendendo; às vezes eu levava os nomes para orações fora daqui. [Diana Sampaio/Médica-Gestora]

Ela não conseguia conviver com o quadro crítico dos seus assistidos:

Eu fugia o que eu podia disso, porque durante vários anos, até chegar o AZT18, eu assistia a morte de pacientes todos os dias, era uma coisa dificílima para mim aquilo ali. [Diana Sampaio/Médica-Gestora].

Nesse processo de buscar alternativa para aprender a lidar com as questões de seus assistidos, Dra. Diana foi tomar conta de uma tia doente acometida de câncer, que embora tivesse um filho, ele morava fora do país. Antes de morrer esta tia deixou uma quantia para ela, e seu primo lhe deu alguns dólares. O total destas importâncias foi investido no curso de PIC,

17 Como utilizei o formato de citação para apresentar recortes das falas dos entrevistados, para diferenciá-las das citações dos autores com os quais dialoguei para dar base teórica ao estudo, resolvi colocar a chamada destes entrevistados da seguinte maneira: (1) entre chaves; (2) com a fonte tipo “calibri”, tamanho 11 (onze).

18 A zidovudina, também chamada de AZT é um fármaco utilizado como antiviral, indicado no tratamento de AIDS e contágio de Pneumocystis Carinii. Este remédio pode ser considerado como uma das primeiras drogas aprovadas para o tratamento de AIDS (no Brasil) ou SIDA (Portugal). Disponível em: <http:/portaldoprofessor.mec.gov.br/ficha TécnicaAula.html?19054>.

denominado Frequência de Brilho, há aproximadamente quinze anos. Afirmou ela que: “[...] isso teve um impacto muito grande [...] [Diana Sampaio/Médica-Gestora]

A formação em Frequência de Brilho surtiu efeito positivo, haja vista a fala de um dos assistidos: “[...] é a primeira vez que a senhora me olha no olho, enquanto fala comigo, enquanto sabe que eu estou morrendo.” A partir daí, disse ela, “[...] eu comecei a fazer Frequência de Brilho, comecei a atender, com muito preconceito, meu, principalmente.” [Diana Sampaio/Médica-Gestora]

Para compreender a mudança de sentimento e da maneira de agir da médica Diana, necessário se fez

conhecer o que os autores Maturana e Dávila Yáñez (2009, p. 86) nos dizem sobre o amar:

[...] O amar é a única emoção que expande o olhar em todas as dimensões relacionais e amplia o ver, o ouvir, o tocar. De fato, como o amar consiste precisamente no abandono das certezas, das expectativas, das exigências, dos juízos e dos preconceitos, é a emoção que consiste na realização do caminho do desapego em todas as dimensões do viver como resultado espontâneo de seu mero ocorrer na aceitação unidirecional da legitimidade de tudo no viver, inclusive da rejeição do que não se quer que aconteça [...].

Hoje, o assistido do ambulatório também sente a necessidade de receber amor, de ser visto, ouvido e tocado, ao ponto de reconhecer e valorar os momentos em que isso ocorre:

[...] com a prática da Reflexoterapia Podal é possível você sentir e encontrar todos esses detalhes: o carinho na hora do toque, do cuidado na hora do falar, na hora do cuidar propriamente dito. [Sobrevivente/Assistida]

Outro aspecto importante na relação terapeuta assistido é ser percebido de maneira integral como disse uma assistida:

Quando fui atendida ali no ambulatório de prática integrativa, a impressão que tive era que eles queriam me ver como um conjunto, eu não estava dissociada em momento algum do que eu sentia, dos sintomas que eu apresentava. Era um todo [Rejane/Assistida]

Nessa caminhada, duas experiências foram fundamentais para culminar na criação do ambulatório de PIC do HUPES, o assistido do Hospital Espanhol e as gestantes com HIV. Esse

assistido do hospital Espanhol era um caso gravíssimo de neurotoxiplasmose, não conseguia falar, não melhorava, foi transferido para a UTI. A mãe dele insistentemente dizia:

Doutora, tem uma coisa que a senhora vai fazer por ele, porque eu vi a senhora pegar nele assim pela mão e tocar, botar alguma coisa que ele melhorasse, porque não tá acontecendo isso?

A mãe me implorava uma cura, e eu sabia que era Frequência de Brilho, comecei a trabalhar, tocada pelo sofrimento daquela mãe, mas pedia que ela saísse do quarto, trancasse a porta, não deixasse ninguém entrar, e ai eu trabalhei com ele algumas vezes; viajei para um congresso nos Estados Unidos e quando eu voltei o paciente já tinha tido alta. Aquilo foi muito forte para mim, eu comecei a trabalhar também com as pacientes com HIV. [Diana Sampaio/Médica-Gestora]

A Dra. Diana relatou a segunda experiência, que foi com as gestantes portadoras de HIV:

Fui trabalhar com as gestantes que eram pessoas que me impactavam muito, mulheres que não tinham ainda o que dar para o filho, com medo, no sentido de não saber o tempo de vida dela, não saber se estaria viva no final da gestação, com quem ia deixar a criança, sentimento muito forte. Comecei a trabalhar com essas gestantes, inicialmente no CREAS19, e aos pouquinhos o meu preconceito diminuiu, ao ver os resultados que eu estava tendo. A partir daí comecei a trabalhar com Frequência de Brilho aqui no Hospital das Clínicas. [Diana Sampaio/Médica-Gestora]

O alicerce já estava pronto para ““erguer”” o ambulatório de PIC no HUPES. Os episódios vividos, as lições aprendidas e as superações de foro íntimo, tudo isso contribuiu para edificá-lo. O fato determinante foi o atendimento da filha do então Diretor do Complexo HUPES, Dr. Hugo Ribeiro, que se encontrava numa situação muito grave, na UTI. Então, Dra. Diana utilizou a mesma PIC, Frequência de Brilho, constatando significativa melhora na sua saúde. A família da assistida pediu a ele que implantasse esse serviço nas UTI e no Ambulatório de Infectologia.

Em maio de 2011, ela solicitou ao Dr. Hugo, através de uma correspondência (vide Anexo C - Carta ao Conselho Deliberativo do HUPES), que submetesse seu pedido de criação do “Ambulatório de Medicina Tradicional e Práticas Integrativas Complementares”, ao Conselho Deliberativo do HUPES.

Oficialmente o Ambulatório só foi criado através da Portaria 019/2012, de 02 de fevereiro de 2012 (ANEXO D - Portaria 019/2012 de criação do Ambulatório de PIC do

HUPES). A médica Diana Brasil Pedral Sampaio assumiu a Coordenação e a Enfermeira Marizete Sales a Vice Coordenação.

A partir daí, relata Dra. Diana que:

Comecei a trabalhar inicialmente no ambulatório de infectologia, e quando ele foi transferido para esse prédio (Magalhães Neto), Dr. Badaró, chefe da área de infectologia, pediu a Dr. Hugo a separação dos ambulatórios de PIC do de infectologia. Ele deu uma salinha que começamos a trabalhar e nunca mais fechamos. [Diana Sampaio/Médica-Gestora].

Ficou evidente que o ambulatório não foi criado para atender a PNPIC e sim por questões pessoais da família do então diretor do HUPES, o que talvez explique a forma como o ambulatório é “visto”, hoje, pela direção do HUPES.

No início, informou Dra. Diana, como não tinha agenda ela atendia os funcionários da portaria e da limpeza do hospital e posteriormente passou a ter dois ambulatórios20, depois três, cinco, sete, e agora está pensando no décimo, ou seja, ter todos os dez turnos, de segunda a sexta com atendimento.

Entretanto à época, para ter êxito no seu planejamento, precisava formar um grupo de trabalhadores e identificar uma forma de sustentabilidade humana e financeira.