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Do meado para o final do século XX, período que aflorou movimentos filosóficos estéticos e libertários na perspectiva de um mundo mais justo, com a volta às culturas primitivas, originais, tradicionais, com o resgate dos direitos humanos -, onde se afirmam pensamentos chamados holísticos91 -, cuja pretensão era superar o paradigma cartesiano- newtoniano, surge o movimento Contracultura.

O movimento de contracultura, que teve seu epicentro nos anos 1960, no estado norte americano da Califórnia, prolongado durante os anos 70 nos EUA e na Europa, foi um evento histórico que atingiu não apenas o Brasil, mas o conjunto dos países latino-americanos, deixando algumas marcas em nossa sociedade.

Neste período houve um aumento significativo de poluição e contaminação do meio ambiente, com uso cada vez maior de agrotóxicos, aditivos químicos alimentares, amianto etc. Como consequência surgiram entidades como Greenpeace, Earth First, Amigos da Terra, entre outros, que culminaram na realização da 1ª. Conferência Mundial do Meio Ambiente, em Estocolmo, até culminar com a RIO-92, com a participação de grande número de países e chefes

91 Holos = todo.

de estado do mundo. No bojo da contracultura surgiu um dos movimentos culturais mais importantes, buscando uma volta a natureza: o movimento Hippie.

O ambiente cultural dos anos 1960, nos países europeus, nos EUA e também no Brasil, estava marcado por um sentimento de crise de valores. Esta crise apenas teve seu ápice nesse período, mas já se fazia presente desde o começo do século.

Diz Pelizzoli (2014) que:

[...] Esta crise e a tentativa de salvar a barbárie do ocidente, por meio da cultura, acompanha um tipo de novo Renascimento, em que advêm formas de sabedoria Oriental Antiga e tradicional (indígenas, etc) no Ocidente, estruturadas em várias práticas: espirituais, filosóficas, psicológicas, médicas, energéticas... [...]. O advento das medicinas orientais no ocidente é talvez o maior acontecimento (ainda não bem compreendido na área de saúde do séc. XX). (PELIZZOLI, 2014, p. 33) [...].

Muito mais como um espírito de uma época, foi possível perceber que as transformações tiveram início em décadas muito anteriores e permanecem ainda em curso, tomando muitas vezes rumos contrários às direções que os clamores contestatórios dos hippies apontaram. Uma das vertentes mais visíveis da contracultura foi o orientalismo, a busca de uma espiritualidade exótica, originária de um mítico Oriente primordial. (GUERREIRO, 2009).

Os movimentos contraculturais na área da saúde também contribuíram para além da importação de antigos sistemas médicos, como a medicina tradicional chinesa e a ayurvédica, a reabilitação das medicinas populares como as xamânicas ou as ligadas às religiões afro- indígenas (LUZ, 2005), além de darem espaço a uma proposta ativa de promoção da saúde (em vez apenas de combater doenças), e a um conjunto de sistemas terapêuticos e práticas de medicação e cuidados tendentes ao naturalismo.92 (NASCIMENTO, 2013).

Nesse período ficou evidenciado nos grandes centros urbanos o desenvolvimento de farmácias e lojas de produtos naturísticos tradicionais ou recentes; reaparecimento, em feiras populares urbanas, do “erveiro” (vendedor de plantas medicinais) como agente de cura; e o aparecimento, no noticiário da grande imprensa escrita e televisiva, de reportagens frequentes sobre os efeitos curativos de terapias ou práticas terapêuticas não-convencionais, denotando aumento da procura das mesmas por um número significativo de pessoas. (LUZ, 2005).

92 O naturalismo significa, nesse caso, “não apenas a rejeição da medicina especializada e tecnificada, por invasiva e iatrogênica, portanto antinatural, mas também a afirmação da força curativa da natureza e da eficácia das terapêuticas dela provenientes”. (NASCIMENTO, 2013, p. 28).

A contracultura continua Luz (2005), realça o boom das medicinas tradicionais complexas na sociedade ocidental, denominando-as de terapias ou medicinas alternativas, iniciando uma disputa de espaços junto a clientela liberal ou privada, como também aos serviços de saúde, propiciando ações para a legitimação institucional, até então não reconhecida e foi obtendo, gradativamente, inserção na rede pública. Os movimentos da contracultura se caracterizaram como de tendência antitecnológica, fortalecendo o discurso em favor da preservação e valorização da natureza.

A cultura alternativa fundamenta-se na busca de um estilo de vida fora do sistema, ou sociedade de consumo, e na busca de uma vida alternativa àquela oferecida pela civilização ocidental, assim

[...] As bases do modelo da realidade alternativa compõem-se de um resgate da consciência ecológica; da espiritualidade, com o concomitante interesse por sistemas de predição e doutrinas esotéricas; uma perspectiva escatológica93 e milenarista; e uma volta para o Oriente, resultando em uma concepção de saúde holística e não mais dualista.” (BARROS, p. 49)

Nesse contexto de mudança de paradigma, a OMS, em parceria com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), fomentou a Conferência Internacional denominada “Declaração de Alma-Ata”, sobre Atenção Primária em Saúde, em Alma-Ata, na República do Cazaquistão (ex-república socialista soviética), entre 6 e 12 de setembro de 1978, recomendando aos Estados-Membros a

[...] Formulação de políticas e regulamentações nacionais referentes à utilização de remédios tradicionais de eficácia comprovada e exploração das possibilidades de se incorporar os detentores de conhecimento tradicional às atividades de atenção primária em saúde, fornecendo-lhes treinamento correspondente. (BRASIL, 2005, p. 4)

Essas diretrizes preconizavam o desenvolvimento de políticas que observassem os requisitos de segurança, eficácia, qualidade, uso racional e acesso, que fossem identificados como marcos importantes nessa institucionalização e fomentassem a implantação de programas, para resgatar a Medicina Tradicional.

93 Faz referência à escatologia; que está relacionada com a doutrina das coisas que podem acontecer no final dos

tempos. Dicio - dicionário online de Português. Disponível em: <https://www.dicio.com.br/escatologico/>. Acesso em: 30 out.2016.

7.3 ESTRATÉGIAS DA OMS PARA FOMENTAR O PROGRAMA DE MEDICINA