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Por ser o amor à emoção que fundamenta o social, é necessário conhecer como se inicia o vínculo afetivo nos seres humanos, devido a sua importância no cotidiano destes. Segundo Maturana e Vender-Zöller (2004, p. 234) “[...] Cada vez que se destrói o amor, desaparece o fenômeno social [...].”, e desaparecendo, implica em ações ou emoções desajustadas.

9.1.1 A Gênese do Vínculo Afetivo

Para que ocorra a aceitação mútua é propício que se tenha auto-aceitação e, portanto, auto-respeito, de forma espontânea e sustentada na convivência com o outro, devido ser este, o caminho desvelado pelo amor.

Maturana que o “amor a emoção,”

[...] a disposição corporal dinâmica, que constitui em nós a operacionalidade das ações de coexistência em aceitação mútua em qualquer domínio particular de relações com outros seres, humanos ou não. (MATURANA, 2004 p.135) Até porque “[...] o amor não é um fenômeno biológico eventual nem especial, é um fenômeno biológico cotidiano [...] básico no humano [...]” (MATURANA, 1998 p.67), iniciado ainda na vida intra-uterina, com registro no inconsciente, onde as primeiras percepções afetivas acontecem, influenciando a maneira como o indivíduo se relacionará no mundo e no seu desenvolvimento afetivo-cognitivo.

Uller (2006) amplia esta questão, ao informar que:

[...] Em todo ser humano há um inconsciente cognitivo, mas há também um inconsciente afetivo, e ambos são resultado de um conjunto de estruturas e funcionamento do cérebro humano, os quais o homem não possui ciência, mas conhece os resultados desse processo. O inconsciente cognitivo está relacionado aos esquemas sensório-motores ou operatórios já organizados em estruturas que determinam o que o indivíduo pode fazer. O inconsciente cognitivo está carregado de tendências energéticas, ou seja, de esquemas afetivos. Daí a indissociabilidade do cognitivo e do afetivo no

desenvolvimento do sujeito na sua relação ou interação com o objeto [...].Uller (2006, p. 44)

No terceiro trimestre de vida pré-natal, o feto capta as vibrações dos sons das palavras emitidas pela voz materna, com todas as emoções que as acompanham, aprendendo a significá- las. As reações fisiológicas maternas, como alteração de seu batimento cardíaco, pressão arterial e produção hormonal, são captadas pelo bebê, e a futura mamãe não pode evitar que ele capte seus sentimentos de angústia, ansiedade, estresse e felicidade, pois o ambiente intra-uterino, o coloca em sofrimento/alegria, saindo da neutralidade. (RICO, 2016).

Um diálogo esclarecedor com o bebê sobre a situação tenderá a acalmá-lo, liberando os sentimentos negativos, diminuindo a intensidade da angústia. O ideal é manter-se em equilíbrio emocional, o que certamente será percebido por ele, pois o ambiente uterino tornar-se-á menos agressivo e, portanto, mais neutro.

O que atinge a mãe atinge-o também, e a qualidade do vínculo afetivo. As ações de amor gestadas, desde o início da convivência materno-infantil, fará a diferença na atuação desse Ser no mundo, em diversos aspectos, principalmente na relação afetivo-cognitiva.

Wallon, citado por Galvão (2003, p. 62), esclarece que,

[...] No bebê, os estados afetivos são, invariavelmente, vividos como sensações corporais, e expressos sob a forma de emoções. [...] e, ao longo do desenvolvimento, a afetividade vai adquirindo relativa independência dos fatores corporais. O recurso à fala e à representação mental faz com que variações nas disposições afetivas possam ser provocadas por situações abstratas e ideias, e possam ser expressas por palavras [...].

A primeira infância é um período importante, é quando nos tornamos seres sociais na intimidade da coexistência social com a mãe. Assim, “[...] A criança que não vive sua primeira infância numa relação de total confiança e aceitação, num encontro corporal íntimo com sua mãe, não se desenvolve adequadamente como um ser social bem integrado [...].” (MATURANA; VERDEN-ZOLLER, 2004 p. 45).

A conduta inadequada neste período, se aliada à irredutibilidade e à inseparabilidade entre o afetivo e o cognitivo, trará consequências nefastas relativa a integralidade do desenvolvimento humano, e suas relações interindividuais, ou interpessoais.

Outro aspecto a ser considerado na formação da criança é a relação entre afetividade e inteligência no desenvolvimento mental da criança, explicitado por Piaget (1973), nos seguintes pressupostos:

 inteligência e afetividade são diferentes em natureza, mas indissociáveis, na conduta concreta da criança, o que significa que não há conduta unicamente afetiva, bem como não existe conduta unicamente cognitiva;

 a afetividade interfere constantemente no funcionamento da inteligência, estimulando-a ou perturbando-a, acelerando-a ou retardando-a;

 a afetividade não modifica as estruturas da inteligência, sendo somente o elemento energético das condutas.

Para entendermos melhor estes pressupostos, no livro “Seis Estudos de Psicologia”, Piaget (1973) relata que as transformações da ação provenientes do início da socialização não tem importância apenas para a inteligência e para o pensamento, mas repercutem também profundamente na vida afetiva. Esta correspondência existente entre a vida afetiva e a intelectual se dá por serem dois aspectos indissociáveis de cada ação.

Exemplifica Piaget (1973), que existem indivíduos que se interessam mais pelas pessoas do que pelas coisas ou vice-versa. Aparentemente as primeiras parecem mais sentimentais e as outras mais “secas”; trata-se apenas de condutas e de sentimentos que implicam necessariamente ao mesmo tempo a inteligência e a afetividade.

Na solução de um problema matemático, por exemplo, há sentimentos múltiplos: interesse, valores, impressão de harmonia etc. Isto porque em toda conduta, a motivação e o dinamismo energético provém da afetividade, enquanto que as técnicas e o ajustamento dos meios empregados constituem o aspecto cognitivo. Não há ação puramente intelectual e não há atos puramente afetivos, porque o amor supõe a compreensão. (PIAGET, 1973).

É na infância que a criança alicerça sua possibilidade de converter-se em um ser capaz de aceitar e respeitar o outro, a partir da aceitação e do respeito de si mesma (MATURANA, 1998).

Maturana complementa a questão dizendo que,

[...] Uma criança que não se aceita e não se respeita não têm espaço de reflexão, porque está na contínua negação de si mesma e na busca ansiosa do que não é e nem pode ser. [...] O central na convivência humana é o amor, as ações que constituem o outro como legitimo outro na realização do ser social que tanto vive na aceitação e respeito por si mesmo quanto na aceitação e respeito pelo outro [...]. (MATURANA, 1998 p.31)

O resultado é que na juventude essa criança irá experimentar a validade desse mundo saudável de convivência, iniciando assim uma vida adulta social responsável. Considerar estes

aspectos amplia a compreensão do fundamento das relações sociais, por ter a afetividade um papel determinante nas relações interpessoais, em virtude do ser humano ser, como argui La Taille (1992),

[...] essencialmente social, impossível, portanto, de ser pensado fora do contexto da sociedade em que nasce e vive. Em outras palavras, o homem não social, o homem considerado como molécula isolada do resto de seus semelhantes, o homem visto como independente das influências dos diversos grupos que frequenta, o homem visto como imune aos legados da história e da tradição, este homem simplesmente não existe. (PIAGET, apud LA TAILLE, 1992, p. 11)

Somado a isso, a reflexão que Paulo Freire (1996), nos convida a fazer sobre a existência do homem no mundo como algo singular é primorosa:

[...] Mais do que um ser no mundo, com o mundo, o ser humano se tornou uma Presença no mundo, com o mundo e com outros. Presença que, reconhecendo a outra presença como um ‘não-eu’ se reconhece como ‘si própria’. Presença que se pensa a si mesma, que se sabe presença, que intervém, que transforma, que fala do que faz mas também do que sonha, que constata, compara, avalia, valora, que decide, que rompe [...]. (FREIRE, p. 18) Fica notória nessas colocações que o homem é um ser gregário e sua independência no mundo social é inexistente, que a harmonia entre a afetividade e a cognição propicia um relacionamento com seus semelhantes de forma equilibrada, cujas consequências serão percebidas na fase adulta, nos aspectos mais variados da vida: “solidariedade, ações sociais, saúde física/emocional” e nos diversos estágios do desenvolvimento humano.

Outra faceta de influência da afetividade diz respeito ao pensamento, que aqui recebe contributo considerável de Vygotsky (1993), para quem este é um composto de “inclinações, necessidades, interesses, impulsos, afeto e emoção”, necessário e imprescindível, como explicitado na seguinte citação:

[...] Quem separa o pensamento do afeto, nega de antemão a possibilidade de estudar a influência inversa do pensamento no plano afetivo, volitivo da vida psíquica, porque uma análise determinista desta última inclui tanto atribuir ao pensamento um poder mágico capaz de fazer depender o comportamento humano única e exclusivamente de um sistema interno do indivíduo, como transformar o pensamento em um apêndice inútil do comportamento, em uma sombra sua desnecessária e impotente. (VYGOTSKY, 1993, p. 25, apud OLIVEIRA & REGO, 2003, p. 18)

Esta colocação evidencia a relação estreita entre o pensamento e a afetividade, sua influência no desenvolvimento humano e nas relações sociais saudáveis, que pressupõem que

haja espírito colaborativo, diálogo, respeito mútuo, auto-respeito, auto-amor por parte das pessoas envolvidas no processo relacional.

Ficar voltado para as necessidades do outro se torna valoroso para fazer a diferença nas interações sociais, nas ações do cuidar humano, na relação terapeuta-assistido, e na intensidade de amar.

A imensurável contribuição recebida no séc. XX para ampliar o conhecimento sobre as questões humanas é incontestável. Nesta época efervesceram as discussões sobre conhecimento, razão e emoção, o que derivou em grandes teorias como gestalt, psicanálise, epistemologia genética dentre outras, com ampliação das pesquisas nesta área.

Analogicamente é possível considerar a afetividade como um vasto continente, habitado pelas emoções e sentimentos, singulares, individualizados, capazes de mobilizar e tocar o ser humano na sua complexidade. E ainda, com capacidade de influenciação orgânica, psíquica, cognitiva, cultural e espiritual.

Estas dimensões, denominadas de sentimentos e emoções, diferenciam o homem de um maquinário mecânico ou biológico, que aprendeu a amar, e a reconhecer que na vida humana, o encadeamento do emocional com o racional é um fato, não existindo dissociação, muito embora essas dimensões estejam imbricadas, possuem características próprias.

Portanto, conhecer as variedades de sentimentos e suas nuances possibilitará compreender como emergem e são processados no ser humano.