• Nenhum resultado encontrado

7 CIRCULO DIALÓGICO-AFETIVO ECOBIOGRÁFICO: UM CAMINHO DE CONSTRUÇÃO DE SABERES PARCEIROS

7.1 Movimentando o Círculo

7.1.1 A apreensão dos afetos pelos Mapas Afetivos

Venho trabalhando com a metodologia dos Mapas Afetivos desde 2003, quando, ainda na condição de estudante de graduação, utilizei-os para identificar os afetos de adolescentes da comunidade de Lustal, no município de Tauá (FERREIRA, 2003), em relação ao lugar. Posteriormente, trabalhei novamente com os Mapas na pesquisa de

mestrado intitulada “Ficar ou partir? Afetividade e migração de jovens do sertão semiárido cearense” (FERREIRA, 2006). Deste então, venho adaptando à realidade desse lugar em

que atuo tanto a linguagem, quanto o questionário que constitui o instrumento.

No primeiro encontro com o grupo de professores que participaram desta etapa da investigação, foi feita a apresentação da proposta e a aplicação dos Mapas Afetivos, que cumpriram o objetivo de deflagrar os sentimentos e emoções relacionados ao Missi. Neste encontro, foi inicialmente explicada a metodologia dos Mapas Afetivos, para que a compreendessem e pudessem, posteriormente, fazer uso dela como rica possibilidade de pesquisa e intervenção que é. Recordemos que a proposta, desde o início, era realizar ao

mesmo tempo pesquisa, intervenção e colaborar com a formação dos educadores. A seguir, apresento os detalhes da metodologia elaborada por Bomfim (2003, 2010).

Os Mapas Afetivos (BOMFIM, 2003, 2010) estão fundamentados na perspectiva do materialismo histórico-dialético de Vigotsky (1998), em uma avaliação dialética da afetividade em que, através da mediação do instrumento de pesquisa, há uma interação entre o investigador e o respondente, tendo como base o Simbolismo do Espaço na perspectiva da Psicologia Social e Ambiental.

Através de desenhos e de palavras-síntese, que auxiliam na interpretação e classificação dos desenhos pelos próprios entrevistados, surgem, nessa avaliação dialética, a percepção dos sujeitos e os seus sentimentos em relação ao lugar em foco, no caso desta pesquisa a comunidade Missi, sede do distrito de mesmo nome, localizada no município de Irauçuba.

A utilização das metáforas feita pelos colaboradores da pesquisa pode ser identificada tanto nos desenhos como nas palavras-síntese e se apresenta como um fator importante e diferenciador, pois as metáforas estão além da dimensão cognitiva, expressando uma forma de apreensão dos afetos.

Estas são recursos imagéticos que fogem ao sentido literal, cognitivo e prezam pelo sentido figurativo, que é mais emotivo. Apontamos a metáfora como um recurso de síntese, de extrema relevância para a construção de instrumentos de avaliação da afetividade (BOMFIM, 2003, p 209).

Os Mapas revelam a afetividade e indicam a estima com relação ao entorno, apontando assim o nível de comprometimento dos sujeitos com o mesmo, proporcionando- nos também um conhecimento da comunidade e das suas especificidades através dos sentimentos de seus moradores, havendo, assim, uma superação da dicotomia entre cognição e emoção. Quanto aos Mapas Afetivos, Bomfim aponta:

Eles são orientadores das estratégias de ação e avaliação dos níveis de apropriação (pertencer ou não pertencer a um lugar), apego (vinculação incondicional a um lugar) e de identidade social urbana (conjunto de valores, representações, atitudes que tomam parte da identidade do indivíduo no lugar) (BOMFIM, 2003, p. 212).

O instrumento gerador dos Mapas Afetivos é composto das seguintes partes:

a) Desenho – É o primeiro item do instrumento. Tem como objetivo facilitar a expressão das emoções e, de acordo com Bomfim (2003), é tomado como primeiro passo para que possa ser deflagrado um processo representacional imagético, antes que o respondente possa passar para uma representação pela escrita.

b) Significado do desenho – Neste item, é perguntado qual o significado que o desenho tem para o sujeito, assim, é esclarecido o que este quis representar com o mesmo.

c) Sentimentos – É solicitado que a pessoa expresse quais os sentimentos que o

desenho desperta nela. “Neste momento do processo de elaboração dos afetos, o estímulo

inicial é o próprio item do instrumento de pesquisa que remetia o sujeito ao desenho, à sua própria criação e à representação da cidade” (BOMFIM, 2003, p.137).

d) Palavras-síntese – É solicitado que o sujeito escreva seis palavras que resumam seus sentimentos em relação ao desenho. Essas palavras podem variar entre sentimentos, qualidades etc.

e) O que pensa sobre a comunidade – Aqui solicitamos que o sujeito expresse o

que pensa sobre a comunidade em que vive. “Este item pode remeter o sujeito a uma nova

construção de seus sentimentos sobre a cidade. Desta feita, não mais com o desenho, mas com elaboração textual” (BOMFIM, 2003, p.137).

f) Categorias da escala Lykert – São afirmações baseadas nas dimensões levantadas no pré-teste, voltadas para a avaliação que os respondentes fazem da comunidade em uma escala de 0 a 10. No instrumento, não é esclarecido ao respondente a que categorias pertencem tais afirmações.

Para a coleta de dados também foi utilizado um questionário, através do qual busquei obter mais informações sobre a educação, os aspectos ambientais da comunidade, a formação e a atuação dos sujeitos como educadores ambientais. O instrumento completo encontra-se em anexo.

Após a aplicação do instrumento de apreensão dos afetos, com os participantes já sensibilizados pelo contato com seus próprios afetos em relação ao Missi,

surgiu espontaneamente uma discussão sobre a comunidade e seus problemas, a relação dos integrantes do grupo com a mesma e as suas possibilidades. O diálogo ocorreu de maneira bastante fluida e descontraída, pontuada, entretanto, por momentos de indignação, sobretudo quando os relatos traziam à tona os problemas ambientais sofridos pela comunidade como contaminação da água, doenças, desmatamento, violência.

Discutimos sobre o resultado negativo obtido pela escola que fora avaliada pelo INEP como a pior do município. O que significava aquilo para eles? Expliquei alguns dos conceitos da Psicologia e da Psicologia Ambiental: identidade e identidade comunitária, apropriação etc. Em seguida, lancei a pergunta: Como vocês acham que está a identidade comunitária do Missi?

Essa questão gerou uma discussão em torno de alguns dos principais problemas do Missi. Entre estes, foi apresentado o fato de muitas famílias terem imigrado para lá, trazendo desagregação e destruição para o lugar, pois estes novos moradores não tinham o mesmo amor e compromisso com o lugar que os antigos. Parte dos problemas ambientais relatados também faz referência ao crescimento rápido e desordenado da comunidade. Em relação à escola, um dos principais desafios no Missi é o comportamento dos alunos. Falamos também sobre os problemas da escola.

Eu acho que na escola falta um pouco aquele sentimento de apropriação. É fácil de dizer. Muita gente diz: olha aqui a escola onde eu estudei, onde eu ensino, mas pouca gente se apropria disso e tenta dar o espaço de todo mundo se unir pra modificar essa realidade (Sandra).

Após a finalização da aplicação do instrumento de apreensão dos afetos e da discussão proporcionada por este, fizemos uma avaliação do processo:

Conversar até que não é tão difícil, mas escrever ou desenhar o que a gente sente é difícil! O meu desenho mostra o Missi desordenado, com ruas sem alinhamento, com culturas e sentimentos diferentes. Então, pra gente desenhar esse Missi aí é muito difícil. Um Missi que nós que somos filhos daqui não se identificam mais (Elizandra).

Os relatos dos professores demonstram a dificuldade encontrada quando são propostas atividades que fogem ao padrão cognitivista. As coisas parecem não fazer muito sentido a priori, mas as informações e percepções sobre o lugar vão ganhando novos tons emotivos, às vezes alegres, outras vezes tristes ou indignados. Desta forma, vamos pouco a

pouco conhecendo o Missi e suas características pelos afetos de seus moradores, vamos acessando a subjetividade destes professores a partir da sua relação com sua comunidade.