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5 INTERLOCUÇÕES TEÓRICAS

3: o que eu faço com isso (“eu reflito” – “reflexão”: toda uma história!) interior → (exterior)

5.3 Afetos, ambiente e formação: a relação afetiva com o entorno

5.3.2 Afetividade e ambiente na construção de s

Ninguém nasce feito: é experimentando-nos no mundo que nós nos fazemos. Paulo Freire

A relação afetiva com o ambiente e o papel deste na formação da subjetividade tem sido tema de estudo da Psicologia Ambiental. Esta área da Psicologia é considerada ainda jovem, mas tem crescido muito rapidamente e dedica-se ao estudo das maneiras de nos relacionarmos com o entorno, influenciando-o e sendo por ele influenciados.

Para Moser (1998), a Psicologia Ambiental tem uma posição transversal dentro da Psicologia, apresentando um pouco de todos os ramos dessa ciência. Devido à complexidade das questões ambientais, que exigem uma compreensão de diversas áreas do conhecimento, apresenta uma característica multidisciplinar.

Essa transversalidade da Psicologia Ambiental nos permite estabelecer este diálogo com a Educação, na busca de um melhor entendimento sobre a importância da relação afetiva com o entorno na formação de educadores ambientais. Moser (1998) explica melhor a busca desse ramo da ciência psicológica:

[...] estamos estudando uma reciprocidade entre pessoa e ambiente. Essa inter- relação é dinâmica, tanto nos ambientes naturais quanto nos construídos. Ela é dinâmica, porque os indivíduos agem sobre o ambiente (por exemplo, construindo-o), mas esse ambiente, por seu turno, modifica e influencia as condutas humanas. Logo, não estamos estudando nem o indivíduo per se, nem o ambiente per se (MOSER, 1998, p.122).

Moser (1998) defende que a importância do conceito de espaço físico para a Psicologia Ambiental se deve ao fato de que a percepção e a avaliação que o indivíduo tem do espaço exerce uma forte influência sobre sua forma de atuar no mesmo. Este conceito foi por muito tempo negligenciado pela Psicologia Geral e mesmo pela Psicologia Social.

Corraliza (1998) nos apresenta o ambiente como um território emocional, trazendo à discussão a relevância da relação afetiva com o entorno. Destaca ser de grande importância, na interação entre o homem e o ambiente, o processo pelo qual este se converte de espaço físico a espaço de significado para o indivíduo. Para este autor, a experiência emocional antecede a ação do indivíduo, que cria e influi sobre o ambiente ao mesmo tempo em que é também influenciado por ele.

La experiencia emocional del lugar forma parte de un circuito en que entrán en juego las posibles esferas de acción de un sujeto en dicho lugar, y una caracterización diferenciada de las posibles dimensiones através de las cuales el ambiente influye sobre el comportamiento (representación, emoción y acción) del sujeto (CORRALIZA,1998)

Sobre a importância dada ao estudo da afetividade em Psicologia Ambiental, Giulliani (2004) afirma que esta demorou muito tempo para se interessar pelo estudo sobre a relação afetiva entre os sujeitos e o ambiente, pois os afetos foram considerados de importância secundária diante dos fatores cognitivos e comportamentais relacionados ao ambiente.

A autora destaca ainda, entre as primeiras pesquisas sobre o conceito de apego na literatura ambiental, o trabalho realizado por Fried que relatava o sofrimento causado pela transferência forçada de pessoas de seu local de residência. Tal transferência representava, de acordo com Giulliani (2004), uma ruptura no sentido de continuidade dos indivíduos, pois dois componentes essenciais da identidade do sujeito estariam envolvidos nesse processo de mudança: a identidade espacial e a identidade de grupo, ambas fortemente ligadas a componentes afetivos.

[...] é possível afirmar que o afeto relacionado a lugares existe e é de uma natureza que, embora não totalmente explícita e definida, mesmo assim parece distingui-lo de outros “sistemas” afetivos (em relação a objetos, pessoas, ideias, etc.); ademais, é percebido com um dos fatores importantes que às vezes auxiliam e às vezes obstruem nosso equilíbrio, nosso bem-estar material e espiritual (GIULLIANI, 2004, p.90).

Um outro estudo importante para a compreensão do conceito de apego e citado por Giulliani (2004) é o que foi feito pela geografia humanista de orientação fenomenológica de Yi-Fu-Tuan, intitulado topofilia, que seria “a importância emocional que os espaços geográficos são capazes de assumir na experiência humana que os transformam em lugares” (GIULLIANI, 2004).

A autora ainda acrescenta que o sentimento de apego a um lugar é considerado uma necessidade humana fundamental, mas que, devido a uma grande exigência de mobilidade e a uma tendência à uniformidade espacial, a sociedade contemporânea está cada vez menos capaz de satisfazer.

A tendência à uniformidade espacial pode ser observada na relação campo/cidade atualmente. Há hoje em dia uma dificuldade em se delimitar as fronteiras entre os espaços urbanos e rurais. O estilo de vida e os valores urbanos entram nos espaços

rurais, principalmente através da mídia e dos emigrantes que regressam à sua origem. Há uma supervalorização desse estilo de vida, o que acaba contribuindo para o processo migratório.

O sentimento de pertença é uma expressão do simbolismo do espaço (POL, 1998) e está diretamente ligado à relação afetiva com o entorno. O fenômeno de apropriação do espaço ocorre através de um processo de ação-transformação, no qual a pessoa atua no entorno transformando-o e sendo ao mesmo tempo transformada por ele, na medida em que o incorpora em seus processos cognitivos e afetivos.

El entorno apropriado pasa a desempeñar un papel referencial fundamental en los procesos cognitivos (...) e afectivos (...) que explica, más allá de lo meramente funcional y comportamental, parte de algunos de los procesos sociales urbanos y de responsabilidad en el comportamiento sostenible (POL, 1998, p. 111).

O conceito de identidade também é bastante importante para a Psicologia Ambiental. Segundo Pol (1998), a identidade de lugar tem de ser vista como uma subestrutura da identidade do indivíduo, influenciando o seu modo de ver, pensar e sentir as suas transações com o mundo físico e social.

De acordo com Kuhnen (2002), é relevante que se conheça os mecanismos de apropriação de espaço e os elementos que os configuram; segundo a autora, é através deles que os indivíduos criam ou captam significados, simbolizando e interagindo com estes, levando-os a incorporá-los à sua própria identidade.

Através da apropriação, o indivíduo passa a imprimir significados aos espaços, transformando-os assim em lugares, ou seja, espaços personalizados e cheios de conotação afetiva. Quando isso ocorre, a pessoa passa a identificar o espaço como seu, como parte de si e sente-se pertencente àquele lugar.

(...) A complexidade da apropriação do espaço é fundamental na interação entre sujeito e entorno físico. Trata-se de um processo psicossocial fundamental tanto de ação como de intervenção sobre um espaço visando transformá-lo e personalizá-lo e, finalmente, traduz-se sob a forma de apego ao local (KUHNEN, 2002, p. 66).

Para Elali e Pinheiro (2008), o interesse pelos laços afetivos e cognitivos que se estabelecem na relação entre pessoa e ambiente tem crescido na área da percepção ambiental. A compreensão destes aspectos é considerada pelos autores essencial para a

formação da identidade e para o entendimento das experiências ambientais dos indivíduos e das suas atitudes e comportamentos relacionados com o meio.

Os autores citados acima apresentam os oito pressupostos básicos das relações pessoa-ambiente, desenvolvidos por Ittelso et al., acrescidos de mais três elaborados por Rivlin. Ei-los tais como apresentados por Elali e Pinheiro (2008, p.220):

1. O ambiente é vivenciado como um campo unitário.

2. A pessoa tem propriedades ambientais tanto quanto características psicológicas individuais.

3. Não há ambiente físico que não seja envolvido por um sistema social e inseparavelmente relacionado a ele.

4. A influência do ambiente físico no comportamento varia de acordo com a conduta em questão.

5. O ambiente opera abaixo do nível da consciência. 6. O ambiente “observado” não é necessariamente o “real”.

7. O ambiente é organizado cognitivamente em um conjunto de imagens mentais.

8. O ambiente tem valor simbólico.

9. O aumento da quantidade de tecnologia na vida das pessoas criou novas dimensões ambientais que têm impacto nas atividades diárias.

10. Os aspectos éticos da pesquisa e da prática ambientais exigem uma reflexão contínua.

11. A experiência ambiental tem natureza holística.

Outro estudo importante para compreender a importância da relação afetiva com o ambiente nas ações dos sujeitos foi feito por BOMFIM (2003) que, ao elaborar os mapas afetivos, metodologia incorporada à proposta desta pesquisa, concebe categoria de estima.

A estima relacionada ao ambiente pode ser positiva ou negativa e influencia as ações dos sujeitos relacionadas ao lugar. Nas palavras da autora:

(...) a estima é um indicador da ação do indivíduo na cidade e de sua participação cidadã. A estima pode ser tomada como eixo orientador da implementação de ações que pretendam buscar o envolvimento da população em questões urbanas e ambientais (BOMFIM, 2003, p. 206).

Desta forma, a estima positiva expressa afetos positivos dos habitantes em relação ao seu entorno, que não é visto apenas como cenário, mas como espaço que tem significado, onde ocorrem ação e transformação, criação e construção tanto do lugar como do próprio sujeito, dialeticamente.

A estima negativa, por sua vez, se apresenta como uma expressão do sofrimento ético-político (SAWAIA, 2000), apresentado anteriormente. Este despotencializa os sujeitos, não permitindo uma tentativa de ir além das contingências sociais que lhes são impostas, impedindo um encontro feliz com a cidade.

Pode-se perceber que o interesse em estudar a relação entre ser humano e ambiente tem crescido e acredito que novas perspectivas tendem a surgir no campo das pesquisas sobre formação, aceitando e valorizando cada vez mais a importância do meio ambiente na construção da nossa afetividade e cognição.

No próximo tópico, apresento a Educação Ambiental Dialógica, proposta de Educação Ambiental que fundamenta esta pesquisa-intervenção.