• Nenhum resultado encontrado

A aprendizagem ao longo da vida e os desafios da sociedade actual

2.2. Educação de adultos

2.2.1. A aprendizagem ao longo da vida e os desafios da sociedade actual

À medida que a informação e o conhecimento se tornam dimensões cada vez mais estruturantes da nossa sociedade, a intensidade e o ritmo das mudanças a que se assiste são de tal ordem, que obrigam a que os indivíduos desenvolvam, no decorrer da vida, diversos processos de aprendizagem, sem o que não poderão acompanhar as transformações com que se confrontam nos mais variados domínios. Rompe-se assim a anterior sequência em que após um período inicial de aprendizagem se seguia o período da vida activa baseado nas competências adquiridas. As modificações constantes nas tecnologias e nas formas de organização do trabalho requerem, agora, novas etapas de aprendizagem ao longo da vida e a qualquer momento, adquirindo assim um peso maior em contraste com a formação inicial.

34

A velocidade das transformações sociais, em termos históricos, e o modo como estas afectam os indivíduos, as sociedades e as organizações, solicitam respostas focalizadas em dois conceitos que se relacionam, competências e aprendizagem. Ávila (2008) afirma que estes dois conceitos estão intimamente associados, têm um carácter processual e dinâmico, isto é, não só as competências podem evoluir ou regredir, como as competências exigidas pelos vários contextos também não são estáticas, sofrendo modificações permanentes, as quais, por sua vez, obrigam a novas respostas a uma sociedade em mutação (p. 35).

A actual ênfase posta na necessidade da aprendizagem ao longo da vida recai nos indivíduos e também nas instituições educativas, como a escola, que reflectem as transformações ocorridas na sociedade e que, terão de se confrontar com a mudança qualitativa ocorrida no contexto social. Para se metamorfosear a escola terá que romper com os modos de funcionar que se naturalizaram, como a adopção de “processos uniformes de ensino” e que se revelam claramente ineficazes para responder a um novo contexto traduzido na diversidade crescente dos seus públicos. Esse confronto conduz ao reconhecimento da reflexividade no plano institucional, como eixo central da acção da escola, enquanto instituição que aprende e se desenvolve para poder ser mais eficaz, concordante como o tipo de escola defendida por Alarcão (2000):

Uma escola como organização aprendente com o desejo de compreender a razão de ser da sua existência, as características da sua identidade própria, os constrangimentos que a afectam e as potencialidades que detém, capaz de evoluir no seu desenvolvimento, através da sua própria aprendizagem. (p. 17) A escola só pode ser uma instituição em contínua evolução que atenda às mudanças sociais e aos interesses específicos dos aprendentes, enquanto cidadãos assumindo protagonismo no campo da educação permanente de adultos, considerando-a em toda a sua amplitude, “comprometida com a emergência de sujeitos democráticos, cidadãos livres e autónomos, capazes de uma leitura crítica do mundo, capazes de se implicar na sua transformação” (Lima, 2007, p. 33). Mas também uma organização educativa que contrarie as visões tecnicistas de uma educação apenas subjugada às necessidades aparentes de crescimento económico, competitividade ou empregabilidade e subordinada “à cultura do instrumento,” uma escola aplicada à realidade e adversa a uma formação de acomodação obediente (p. 34). A escola, enquanto serviço público, deverá abarcar todos os adultos sem excepção, com um projecto educativo que insista ao longo da educação, formação e aprendizagem, na revalorização ética da vida,

35 promovendo para isso uma educação para a solidariedade humana, aprendizagens críticas e sempre que necessário, situações de desaprendizagem que permitam reaprender e aprender de novo (p. 36).

A temática da aprendizagem ao longo da vida tem vindo a ocupar um lugar de destaque em debates sobre os desafios e exigências das sociedades actuais, sendo encarada pela União Europeia como uma condição imprescindível para enfrentar as crescentes exigências e oportunidades da sociedade contemporânea, pois considera-a como sendo “a solução” para a competitividade da sua economia no mercado global (Lima, 2007, p. 21).

Os primeiros relatórios e documentos de organismos internacionais remontam à década de 70, um dos quais, o relatório da Organização das Nações Unidas para a educação, a ciência e a cultura (UNESCO) é, ainda hoje, uma referência emblemática nesse domínio (Faure, Herrera, Kaddoura, Lopes, Petrovsky, Rahnema, et al. 1973). Intitulado “Aprender a ser” representa um ponto de viragem no pensamento sobre educação, vista como um processo contínuo que se confunde com a existência e a “construção da pessoa” (Canário, 2000, p. 88). Seguiu-se o documento publicado pela Organização para o Comércio e Desenvolvimento Económico (OECD, 1973) “Educação recorrente: uma estratégia para a aprendizagem ao longo da vida,” o qual é também considerado um marco histórico pelo modo como foi pela primeira vez equacionada a aprendizagem, como estratégia global a todos os tipos de ensino.

Embora fossem distintas as preocupações das organizações no âmbito das quais estes documentos foram elaborados, possuíam em comum a ideia de que a educação inicial deveria ser seguida de outras oportunidades de aprendizagem, no decorrer da vida, acessíveis a todos os cidadãos, independentemente da sua condição social e económica (Ávila 2008, p. 236).

Na última década do século XX foi publicado um primeiro relatório da Comissão Europeia, o chamado Livro Branco sobre a educação e a formação (Comissão Europeia, 1995) intitulado “Ensinar e Aprender, Rumo à Sociedade Cognitiva” cujo conteúdo, sob a perspectiva prevalecente da ligação da educação ao mundo do trabalho, valoriza fortemente a aquisição de competências e conhecimentos como factor de adaptação à evolução da economia e do emprego. De facto, este documento está elaborado em torno da ideia de se “ligar a escola à empresa” (Canário 2000, p. 91).

Dois outros documentos, largamente referidos, reforçam a importância da educação permanente. O primeiro é o relatório da UNESCO (1996), coordenado por

36

Jacques Delors, “Educação, um Tesouro a Descobrir” onde se propõe que a educação, não só a inicial como ao longo da vida, se deva organizar em torno de quatro pilares do conhecimento: aprender a conhecer, isto é adquirir os instrumentos da compreensão;

aprender a fazer, para poder agir sobre o meio envolvente; aprender a viver juntos, a

fim de participar e cooperar com os outros em todas as actividades humanas; e aprender

a ser, via essencial que integra as três anteriores (Delors, 1998, p. 90). O segundo

documento, produzido pela Comissão Europeia no âmbito da Cimeira de Lisboa de 2000, denominado “Memorando para a Aprendizagem ao Longo da Vida”, onde se adoptam orientações políticas e acções no campo da aprendizagem contínua, como estratégia conjunta dos países da União Europeia (Comissão das Comunidades Europeias, 2000). Em ambos os documentos se defende que a não adopção de medidas destinadas a promover a aprendizagem ao longo da vida, acarreta consequências negativas, não só para os indivíduos, como para as sociedades.

No relatório da UNESCO sustenta-se que na sociedade actual, chamada de

sociedade educativa, todos os contextos podem ser contextos de aprendizagem e

educação, atenuando-se a distinção entre educação inicial e educação de adultos, argumentando-se que a educação ocorre ao longo de toda a vida. O relatório da Comissão Europeia, numa perspectiva convergente, procura definir e distinguir as diferentes modalidades que essa aprendizagem pode apresentar: as aprendizagens formais adquiridas nos sistemas de ensino e de formação institucionais, as aprendizagens não formais obtidas em outras actividades de formação mais de carácter profissional e as aprendizagens informais que encaminham para processos menos estruturados desenvolvidos nas várias esferas da vida (Ávila, 2008, p. 237).

A aprendizagem ao longo da vida está hoje no centro da agenda política e é nesse âmbito que muitos destes documentos devem ser entendidos. Neles se reflecte uma intenção de orientações políticas no sentido da promoção de uma sociedade onde todos os indivíduos possam desenvolver os seus saberes e competências, o que é justificado com argumentos como o da empregabilidade e competitividade das empresas, mas também com outras preocupações mais abrangentes em termos de cidadania. Alguns destes documentos, especialmente os produzidos na União Europeia, fazem recair a responsabilidade sobre os indivíduos, quanto à melhoria progressiva das suas aprendizagens, não atendendo de forma cuidada às fortes desigualdades sociais que neste domínio se fazem sentir. No entanto interessa destacar o seu contributo para o

37 aparecimento de novas concepções sobre aprendizagem nas sociedades da informação e do conhecimento.

De facto, nestes documentos realça-se a necessidade de ruptura com o modo como a educação e formação foram até aqui entendidas, enfatizando-se a circunstância de os processos de aprendizagem deixarem de corresponder a uma faixa etária específica. A relação entre ser jovem e estar no sistema de ensino, adquirindo um determinado nível de competências e de certificação, entendidos enquanto meios suficientes e duráveis para o exercício de uma profissão para o resto da vida, é abandonada e revista.

A problemática da aprendizagem, ou da educação ao longo da vida, atravessa não só as diferentes faixas etárias, como também as diferentes categorias sociais. Nesta perspectiva, qualquer indivíduo seja qual for a sua idade, o seu nível de qualificação escolar, ou a sua situação socioprofissional, pode ser confrontado em qualquer momento, com a necessidade de desenvolver novos conhecimentos e competências, perante as transformações permanentes e as exigências crescentes das sociedades contemporâneas.

Conceber a aprendizagem como um processo contínuo que ocorre durante toda a vida implicando a generalidade das categorias etárias e sociais, arrasta consigo a consideração das múltiplas situações e contextos, da vida pessoal e profissional que podem possibilitar o desenvolvimento e a aquisição de novas competências, as quais em seguida podem ser mobilizadas e transpostas para espaços e tempos diferentes daqueles que as produziram.

Conforme afirma Ávila (2008), os processos de aprendizagem devem ser entendidos de forma transversal às diferentes esferas da vida e aos vários sectores da sociedade. Aprender ao longo da vida (life long) e em diferentes contextos (life wide) são duas marcas inseparáveis do modo como actualmente tendem a ser perspectivados os processos de aprendizagem (p. 238).