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A arte de construir competências para um novo ofício de professor

Considera-se que ensinar não significa “dar” matérias, predominantemente pela via da fala do professor, mas sim “fazer com que alguém aprenda” (Roldão, 2006, p. 17). Nessa linha de pensamento a formação para competências, implica uma importante transformação da relação do professor/formador com o saber, da sua maneira de “dar a aula”, da sua identidade e até das suas competências profissionais. Como diz Perrenoud (2000), citando Meirieu, os professores estão a caminho de um “novo ofício”, cuja meta é antes fazer aprender do que ensinar (p. 11). A fundamentar esta concepção, Perrenoud (1999) refere um conjunto de implicações a este novo ofício docente, que desenvolveremos mais detalhadamente em função do projecto que realizámos com os alunos/formandos.

O primeiro item passa por “pensar os conhecimentos como recursos a serem mobilizados na acção” o que significa crer que os saberes só têm valor quando estão disponíveis no momento certo para identificar e resolver problemas, para tomar decisões, nas condições efectivas de uma certa actividade. A formação de competências requer a passagem de uma lógica de ensino para uma lógica de prática, baseada no princípio que a construção de competências se exercita em situações complexas.

Partindo deste pressuposto, foi nossa tarefa a criação de um conjunto de situações de complexidade crescente, que confrontassem os formandos com a urgência de procurar informações e conhecimentos, isto é, identificar os recursos de que necessitavam, e adquiri-los, de modo a ficarem melhor preparados para resolverem os

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sucessivos problemas. Trabalhar para o desenvolvimento de competências resume-se, no fundo, a aprender fazendo o que não se sabe fazer (Perrenoud, 1999, p. 55).

A segunda das consequências do “novo ofício” é passar a “trabalhar regularmente por problemas,” de modo a colocar o aprendente em situações que o obriguem a alcançar uma meta, a resolver dificuldades, a tomar decisões, a confrontar- se regularmente com situações complexas e realistas, que mobilizem diversos tipos de recursos cognitivos.

A noção de problema tem suscitado, interpretações diversas quanto à sua definição. Atualmente conceptualiza-se a ideia de situações-problema afirmando que este termo se reporta a um problema incluído numa situação que lhe dê sentido, distinguindo-o dos problemas artificiais e descontextualizados (Perrenoud, 1999, p. 58). Essas situações-problema deverão ser construídas para fins bastante claros e poderão surgir durante um processo de projecto. Em todas elas é importante que o professor saiba onde quer chegar, o que quer trabalhar, quais os obstáculos cognitivos com os quais quer confrontar todos ou parte dos seus alunos. É ainda indispensável trabalhar, por um lado, os recursos numa situação real, quando necessário; por outro trabalhar separadamente antes de integrá-los numa acção mais global.

No projecto a “ETAR na Rota da Qualidade da Água partiu-se de uma situação concreta e real, contextualizada pela ETAR e a sua função na preservação e recuperação do meio ambiente no concelho, com o propósito de se construírem “situações- problema” que no nosso projecto se desenvolveram em torno de problemas parcelares em que as várias situações vivenciadas tornaram mais provável a aquisição e o desenvolvimento de competências múltiplas de forma integrada. As diversas situações de aprendizagem apresentadas – “situações-problema” –, proporcionaram o contacto com um leque mais amplo de problemas específicos e concretos que forçaram os formandos para a sua resolução e para a tomada de decisões mais eficazes.

Um terceiro aspecto relativo ao novo ofício dos professores prende-se com a necessidade de “criar ou utilizar outros meios de ensino.”

Segundo Perrenoud (1999), isso envolve a criação de situações interessantes e pertinentes que tenham em conta a população alvo a que se dirige, o tempo disponível e as competências a serem desenvolvidas, o que obriga à concepção de materiais de ensino adequados e a escolha de novos meios. Para isso há que ter a capacidade de gerir as aulas em ambientes complexos, com dinâmicas de grupo incertas e com duração das

31 actividades de difícil previsão, incluindo-se mesmo eventuais conflitos que surjam e que é urgente resolver (p. 60).

No caso particular do nosso trabalho os vários problemas exigiram serem vividos pelos docentes, que se apropriaram deles a partir de um ponto de vista epistemológico, didáctico e pedagógico, o que implicou a produção e a adaptação “sob medida” de materiais didácticos em função das finalidades específicas.

Um quarto item relembra a necessidade de “negociar e conduzir os projectos com os alunos.” Para isso, as situações-problema propostas pelo professor/formador devem incluir, conforme Perrenoud, uma negociação conjunta de modo a serem significativas e mobilizadoras para o maior número possível de educandos, o que implica a partilha do poder, entre os alunos/formandos e entre estes e o professor/formador. Isso significa que a negociação, tanto quanto possível deve ser total “devolvendo o problema para o aluno” e confrontando-o com obstáculos que impõem aprendizagens novas.

Formar para competências exige da parte do professor/formador uma certa dose de improvisação, aventura, empreendimento com resultados desconhecidos que ninguém, nem sequer o próprio, vivenciou numa condição exactamente igual. Esta forma de “fazer” que requer a necessidade “adoptar um planeamento flexível e de improvisar” em algum grau constitui o quinto procedimento decorrente conjunto de implicações deste novo ofício docente.

Há ainda mais três consequências a retirar das alterações de estatuto do trabalho do professor, “implementar e explicitar um novo contrato didáctico” é a antepenúltima. Numa pedagogia das situações problema, o papel do aluno/formando é implicar-se, participar de um esforço colectivo, para elaborar um projecto e construir na mesma ocasião competências novas. Esse contrato exige um constante esforço de explicitação e de ajuste das regras do jogo, quer do professor quer do formando, e também passa por uma ruptura com o individualismo, remetendo os formandos/alunos para a cooperação e o trabalho de grupo.

A penúltima implicação requer que seja possível “praticar uma avaliação formativa em situação de trabalho” dado que a transformação do contrato didáctico permite que ela se integre quase naturalmente na gestão de situações-problema.

De acordo com Perrenoud (1999), uma avaliação através de resolução de situações-problema só pode passar pela observação individualizada de uma prática, em relação a uma tarefa (p. 66), isto é, em situação escolar, praticar uma avaliação como

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um processo contínuo, onde o professor avalia como aprendem os alunos no decorrer de uma prática e pode introduzir mudanças que contribuam para a melhoria do ensino- aprendizagem.

Finalmente como oitava e última implicação, torna-se inevitável “optar por uma menor compartimentação disciplinar” que aquela que tem existido tradicionalmente.

Perrenoud assegura a necessidade do contributo de várias disciplinas para conduzir projectos de acção, sem haver desvios do projecto de formação que dá sentido a um curso. A transdisciplinaridade e interdisciplinaridade, exigem uma prática mais afinada entre professores que estão empenhados numa abordagem por competências, exigindo da parte deles o dever de se sentirem mais responsáveis pela formação global de cada aluno do que responsáveis apenas pelos conhecimentos da sua própria disciplina.