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1. Educação de Infância: teorias e práticas

1.5. A aprendizagem e o desenvolvimento da criança

À luz dos pressupostos vygotskianos, a palavra aprendizagem deve ser entendida num sentido mais amplo, envolvendo também a questão do ensino (Rego, 1995). Para Vygotsky (1998b) não seria possível tratar destes dois aspectos de forma independente, porque embora a criança inicie a sua aprendizagem muito antes de frequentar a escola, a aprendizagem escolar introduz elementos novos e cruciais para o desenvolvimento. De acordo com este autor, o desenvolvimento natural ocorre em dois níveis distintos: nível de desenvolvimento real ou efectivo (referente às conquistas que já se consolidaram na criança); nível de desenvolvimento potencial ou proximal (referente às actividades e tarefas que a criança somente consegue realizar com o apoio de alguém mais experiente). Em síntese, entende-se por nível de desenvolvimento real, as actividades e tarefas que a criança já sabe fazer de forma independente. Este nível indica, assim, os processos mentais já estabelecidos na criança, ou seja, ciclos de desenvolvimento já realizados. No que concerne ao nível de desenvolvimento potencial ou proximal a criança pode aprender só que mediante o auxílio de outra pessoa. Este nível é bem mais indicativo do seu desenvolvimento mental e do que ela consegue fazer sozinha. A distância entre aquilo que ela é capaz de fazer de forma autónoma e aquilo que ela realiza em colaboração com outros membros de seu grupo corresponde ao que Vygotsky (1998b) chamou de zona de desenvolvimento proximal - ZDP.

Nessa perspectiva, o desenvolvimento da criança é visto de forma prospectiva, pois a zona de desenvolvimento proximal define aquelas funções que ainda não são automáticas. Desse modo, podemos afirmar que o conhecimento adequado do desenvolvimento individual envolve a consideração tanto do nível de desenvolvimento real quanto do potencial. A ZDP constitui a distância entre o nível de desenvolvimento real e o

nível de desenvolvimento potencial, ou seja, a discrepância entre o desenvolvimento real da criança em determinada idade e a habilidade que ela possui de resolver problemas num nível superior, com a ajuda do outro, de tal modo que aquilo que é o ZDP num dado momento será o nível de desenvolvimento real num momento posterior, ou seja, aquilo que uma criança pode fazer com apoio hoje, ela será capaz de fazer sozinha amanhã.

Como vimos, segundo estes pressupostos, o indivíduo constitui-se enquanto tal, não somente devido aos processos de maturação orgânica, mas principalmente através das suas interacções sociais, a partir das trocas com o outro. O que mostra que o contexto no qual a interacção ocorre é de importância crucial. As funções psíquicas humanas estão intimamente vinculadas à aprendizagem, à apropriação, por intermédio da linguagem, da experiência culturalmente acumulada. Segundo a primeira concepção analisada por Vygotsky (1998b) e que tem em Piaget (1977) um de seus principais representantes, o desenvolvimento é um processo independente da aprendizagem e constitui um pré-requisito para esta, ou seja, a aprendizagem deve seguir o curso do desenvolvimento. A aprendizagem torna-se infrutífera quando não tem em consideração o nível de maturidade da criança. A aprendizagem da criança inicia-se desde o primeiro dia de vida no contacto próximo com aqueles que a cercam, num processo de co-construção.

Antes de ter contacto com os conceitos científicos na escola, a criança já possui uma riquíssima bagagem constituída por conceitos que foi adquirindo na sua interacção com o outro e, portanto, as situações de aprendizagem que a criança defronta em contexto escolar têm já uma história prévia. É na interacção com o adulto que a criança aprende a falar, adquire os primeiros conceitos de matemática; através da imitação, aprende como agir nas mais variadas situações e desenvolve diversas aptidões. Isto sugere que aprendizagem e desenvolvimento estão interrelacionados desde cedo na vida da criança e não podem ser estudados como dois fenómenos independentes.

Os estudos de Vygotsky sobre o desenvolvimento de conceitos científicos na infância mostram que estes são o resultado de uma actividade complexa, em que todas as “funções intelectuais: atenção deliberada, memória lógica, abstracção, capacidade para comparar e diferenciar” (1998a:104) participam como elementos estruturais. O conceito em si existe para os outros, antes de existir para a própria criança, ou seja, a “criança pode aplicar palavras correctamente antes de tomar consciência do conceito real” (DerVeer,

1996:291). É que, a percepção e a linguagem são indispensáveis à formação de conceitos uma vez que a percepção das diferenças, ocorre mais cedo do que a das semelhanças, porque esta exige uma estrutura de generalização e de conceptualização mais avançada. Por outro lado, o desenvolvimento dos processos que resultam na formação de conceitos começa na infância, mas as funções intelectuais que formam a base psicológica do processo de formação de conceitos, amadurece e desenvolve-se somente na adolescência.

Jean Piaget (1896-1980), psicólogo suíço contemporâneo de Vygotsky (1896- 1934), desenvolveu a teoria do desenvolvimento cognitivo, que considera que o conhecimento é conseguido por processos cognitivos. Esta teoria em termos gerais conclui que o desenvolvimento da criança ocorre por etapas ordenadas e previsíveis. A criança é concebida como um ser dinâmico, que a todo o momento interage com a realidade, operando activamente com objectos e pessoas. Como resultado desta interacção com o ambiente, constrói estruturas mentais (esquemas) através de dois processos simultâneos: a organização interna e a adaptação ao meio, através de “mecanismos de assimilação/acomodação/equilibração” (Tavares, 2002:62). Os estádios de desenvolvimento sensório-motor (0-2 anos), pré-operatório (2-6 anos), operações concretas (7-11 anos) e operações formais (dos 12 anos em diante) evoluem como uma espiral, de modo que cada estágio engloba o anterior e o amplia. Piaget (1993) não define idades rígidas para os estágios, mas considera antes, que estes se apresentam numa sequência constante. Com base nesses pressupostos, a educação deve possibilitar à criança um desenvolvimento amplo e dinâmico desde o período sensório- motor.

Os pontos divergentes entre Piaget e Vygostky parecem estar basicamente centrados na concepção de desenvolvimento. A teoria de Piaget considera o desenvolvimento numa perspectiva retrospectiva, isto é, o nível mental atingido determina o que o sujeito pode fazer. A teoria de Vygotsky considera-o na dimensão prospectiva, ou seja, enfatiza que o processo em formação pode ser concluído através da ajuda oferecida ao sujeito na realização de uma tarefa, ajuda esta fundamental para o processo evolutivo.

Já a perspectiva holística parece reconhecer que o “pensamento e a aprendizagem são processos sistémicos que envolvem o cérebro na sua totalidade” (Yus, 2002:42) e que privilegia mais o contexto do que os resultados dos processos (pensamento e aprendizagem), mais os conteúdos ajustados ao desenvolvimento do que os conteúdos padronizados. Para o referido autor, o currículo holístico deve incentivar a transferência da

aprendizagem de todas as áreas disciplinares, constituindo autênticas pontes conceptuais. Apela, portanto, a uma visão mais globalizada, em que o conhecimento toma uma perspectiva contextualizada, porque é desenvolvido dentro de um contexto cultural. A valorização dos contextos educativos, segundo estes autores, é promotor do desenvolvimento e da aprendizagem dos sujeitos, optando por estratégias sistémicas e não hierárquicas e fechadas, em prol de estruturas flexíveis que respeitem as necessidades emocionais/psicológicas, físicas e cognitivas dos alunos, ao reconhecer que a inteligência é multidimensional.

Por outro lado, importa ainda referir a teoria proposta pelo educador de Harvard, Howard Gardner (2000), a teoria das “Inteligências Múltiplas-IM”. Gardner acredita que a inteligência é mais do que o processamento único, lógico-matemático de armazenamento de dados, avaliados pelos testes de inteligência. A inteligência para Gardner (2000) é a capacidade de solucionar, criar e descobrir problemas, através de uma gama de situações, ou elaborar produtos que são importantes num determinado ambiente ou comunidade cultural. O autor apresenta uma visão pluralista da mente, considera que a inteligência é multifacetada e que temos sete tipos de inteligência, que todos nós possuímos, em determinado grau. São elas: Linguística: ler, escrever, falar na sua própria língua e em línguas estrangeiras, a capacidade de utilizar a linguagem para expressar ideias; Lógico-matemática: números e contas, reconhecimento de padrões e relações, capacidade de compreender e utilizar conceitos matemáticos, lógicos e científicos; Visuo-espacial: percepção visual do ambiente, capacidade de criar e manipular imagens mentais e orientação corporal no espaço; Corporal-cinestésica: coordenação física e destreza, utilização de capacidades motoras finas e não finas, expressão e aprendizagem corporais; Musical: conhecer-se e exprimir-se através da música e de movimentos rítmicos ou dança, compor, tocar um instrumento ou dirigir música; Interpessoal: entender como comunicar com outras pessoas, como compreendê-las e como trabalhar colaborativamente e Intrapessoal: conhecer o mundo interior das emoções e dos pensamentos e capacidades para os controlar e para os trabalhar conscientemente. Recentemente, Gardner identificou uma oitava inteligência, a que apelidou de “naturalista” e que define como “a capacidade de reconhecer e classificar plantas, minerais e animais, incluindo rochas e relva e toda a variedade da flora e da fauna. A capacidade de reconhecer artefactos culturais como

marcas de carros ou de sapatos de ténis pode também depender desta inteligência naturalista” (Checkley, 1997:12).

Importa assim referir que o desenvolvimento individual de uma forma completa só é possível se for considerado como um todo, nas suas vertentes cognitivas, fisiológicas, afectivas e sociais, tendo como referência os contextos de aprendizagem em que a criança se movimenta e interage.