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2. Lidar com o stresse na infância

2.2. Conceito de stresse

Importa aqui definir o que queremos dizer quando evocamos o termo stresse. A palavra stresse entrou no vocabulário do dia-a-dia sobretudo no mundo ocidental como consequência da globalização. É frequente as pessoas queixarem-se de que «andam stressadas», outras referem também que a vida está «cheia de stresse». Mas seria impossível e, ao mesmo tempo indesejável, eliminar completamente todos os tipos de stresse. É necessário saber lidar com as situações indutoras do stresse de modo a melhorar física e mentalmente a nossa resistência, bem como eliminar o stresse desnecessário.

Ao procurar significados para a palavra stresse (stress, em inglês, existe desde o século XIV), percebemos que estar em stresse significa "estar sob pressão" ou "estar sob a acção de um estímulo persistente". A noção actual de stresse vem de Hans Selye (1959), um húngaro que viveu nos Estados Unidos da América e foi o autor de uma série de livros: O Síndroma Geral da Adaptação (I, II, III, IV). Visivelmente preocupado com problemas de adaptação ao meio, Selye (1959) concebeu à partida o stresse como a reacção normal do organismo aos estímulos que o agridem. Na realidade, estar stressado não significa apenas estar em contacto com algum estímulo mas, sobretudo, implica um conjunto de alterações ocorridas num organismo em resposta a um determinado estímulo capaz de colocá-lo sob tensão. Ou seja, um indivíduo entra em stresse quando as exigências da situação são superiores aos seus recursos. Segundo o psiquiatra Adriano Vaz-Serra, a etimologia da palavra «stresse» provém do verbo latino, stringere, que tem como significado “apertar, comprimir, restringir” (2002:12). Deste modo, podemos afirmar que o stresse constitui uma reacção do organismo a “situações ou muito difíceis ou muito excitantes, que pode ocorrer em qualquer pessoa, independentemente da idade, raça, sexo e situação socioeconómica” (Lipp, 2000:16).

O stresse surge assim como a interacção entre a pessoa e o meio ambiente em que ela se insere e implica a presença de pelo menos quatro factores: (a) “presença de uma situação ou acontecimento possível de ser identificado; (b) que esse acontecimento seja capaz de alterar o equilíbrio fisiológico e psicológico do organismo; (c) que este desequilíbrio se venha a reflectir num estado de activação caracterizado por uma série de consequências para a pessoa, de tipo neurofisiológico, cognitivo e emocional; (d) que estas

mudanças, por sua vez, perturbem a capacidade de adaptação da pessoa” (Trianes, 2004:13).

O ser humano é um «ser que pensa» e, por isso, envolve-se em processos de avaliação, que podem desencadear estados de tensão perante uma carga excessiva. O acto de pensar e avaliar ocorre em contexto, daí existir uma interacção recíproca entre o sujeito/meio ambiente e o meio ambiente/sujeito que determina as consequências e a evolução da resposta. Por conseguinte, o stresse faz parte da condição humana, constituindo situações de incentivo ao próprio sujeito e, noutras ocasiões, causa desgaste pessoal. Em situação normal o organismo funciona em perfeita sintonia interior, os diferentes órgãos trabalham de modo colaborativo uns com os outros. Em momentos de stresse esse funcionamento harmonioso é perturbado e cada órgão passa a trabalhar a um ritmo diferente dos demais.

Embora o stresse não seja em si mesmo uma doença, (por vezes acontece que o batimento cardíaco é mais acelerado ou o estômago pode demorar mais tempo a fazer a digestão) pode enfraquecer o organismo afectando a homeostase, o que desencadeia alterações no sistema imunológico, de tal modo que vários sintomas e doenças podem manifestar-se. É importante entender, todavia, que o stresse não é directamente responsável pelas doenças mas sim pelo enfraquecimento do sistema imunitário, levando a uma maior propensão e vulnerabilidade à doença. Neste sentido os estudos mais recentes a nível da psiconeuroimunologia indicam haver relações entre acontecimentos psicológicos (desencadeadores de stresse e ansiedade) e as respectivas respostas das funções endócrinas e imunitárias. Podemos assim referir que o stresse afecta a imunocompetência, ou seja, o funcionamento eficaz do sistema imunitário (Pereira, 2006).

As doenças desencadeadas pelo stresse podem ter a sua causa em predisposições genéticas e/ou adquiridas, daí os sintomas não serem sempre os mesmos em todas as pessoas. No entanto, no início do processo, os sintomas são muito parecidos: mãos frias, coração acelerado, insónia, tensão muscular e irritabilidade. Posteriormente, a estes sintomas podem surgir outros do tipo, acordar cansado de manhã e apresentar dificuldades ao nível da memória. Lipp (2000) aponta ainda os seguintes sintomas que são comuns em quase todos os indivíduos que estão sob stresse, incluindo crianças como a apatia,

depressão, desânimo, ansiedade, gastrite, dificuldades de concentração, pequenos acidentes, gripes e até problemas dermatológicos.

Trianes identifica dois tipos de stresse, o stresse enquanto estímulo e stresse enquanto resposta. No primeiro caso é aplicado quando “identificamos circunstâncias ou acontecimentos que provocam um mal-estar no indivíduo, o segundo caso refere-se à experiência, reacção ou resposta do sujeito e que se traduz em alterações de comportamento, sentimentos, sensações desagradáveis” (2004:13). A intensidade com que ocorrem determinados acontecimentos ou a ocorrência em simultâneo ou numa sucessão temporal curta de circunstâncias indutoras de stresse influenciam tanto na sobrecarga que é sentida como no desgaste provocado e na rapidez do processo de recuperação. Importa, então perceber qual o significado de uma situação indutora de stresse, ou seja, que característica deve uma situação possuir para ser entendida como indutora de stresse. Para Lazarus “é toda aquela em que a relação estabelecida entre o indivíduo e o meio ambiente é avaliada como excedendo os seus próprios recursos prejudicando, por isso, o seu bem- estar” citado por Vaz-Serra (2000:18).

Podemos então referir que uma pessoa está em stresse quando sente ou percebe que o grau de exigência que cada situação lhe exige é superior à sua capacidade de resposta. A reacção de stresse depende pois da forma como é percebida a situação mais do que do tipo de situação em si. É, por isso, que nem todas as pessoas reagem do mesmo modo perante as mesmas situações. A importância do significado que atribuímos às situações é que faz a diferença (Pereira, 1997, Jardim, 2006).