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A arquitetura moderna e a planta livre: o espaço flexível

1 MERCADO IMOBILIÁRIO E EVOLUÇÃO TIPOLÓGICA DOS APARTAMENTOS

2.2 FLEXIBILIDADE DA PLANTA LIVRE E DA MÁQUINA DE MORAR Á EXCLUSIVIDADE

2.2.1 A arquitetura moderna e a planta livre: o espaço flexível

flexível

A flexibilidade de espaços foi adotada em projetos arquitetônicos modernos, pois espaços genéricos vinham ao encontro da crença da época em espaços universais como potencializadores de um comportamento universal. A aparente generalidade proposta, de espaços e de comportamentos, sempre fora questionada pela questão da especificidade cultural e histórica, que acarretaria em transformar usos, de sorte que o espaço de uma sala assume a função de dormitório, dividindo ambientes com mobiliários. As questões da racionalização, padronização e novas técnicas eram envolvidas no processo projetual e produtivo no início do século XX, tal qual a flexibilidade, o que se verifica em toda sua história:

“Em síntese, havia entre os arquitetos do “Neues Bauen” a convicção de que a racionalização e padronização dos componentes da habitação havia se tornado possível graças a uma nova abordagem científica do comportamento humano; no lugar de indivíduos isolados, era possível estabelecer padrões genéricos de comportamento social, e a habitação deveria ser o reflexo dessa nova maneira de pensar. “ (BRUNA, 2010, p. 72).

O uso do elevador, cuja importância já foi anteriormente assinalada, permitiu já em 1854 aumentar o gabarito das edificações, assim como a utilização de estruturas em aço, que facilitou a liberação da planta tradicionalmente compartimentada, possibilitando o uso de divisórias móveis – a flexibilidade então passa a ser amplamente empregada. Na época, McCormick produziu edifícios de apartamentos com plantas desta maneira, localizados em grandes quarteirões residenciais de Chicago, assim como dez anos depois Auguste Perret empregou a mesma possibilidade projetual em Paris. No entanto, fazendo uso do concreto armado na estrutura, ambos materiais pouco nobres adentrando as habitações burguesas (TRAMONTANO, 1993, pp.3-4).

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MESTRADO - FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO MACKZENZIE

O espaço passou a ser concebido na modernidade com linguagens projetuais diferenciadas para os mesmos programas4; espaços fluidos integrados em pavilhões, varandas e jardins exteriores se uniam visualmente ao interior, e casas que procuravam a funcionalidade, com espaços sistemáticos que se desenvolviam a partir de seu centro (CEBALLOS, 1995).

“Se eliminarmos de nossos corações e mentes todos os conceitos mortos a propósito das casas e examinarmos a questão a partir de um ponto de vista crítico e objetivo, chegaremos a “Máquina de Morar”, casa produção em série, saudável (também moralmente) e bela como são as ferramentas e os instrumentos de trabalho que acompanham nossa existência.” (Le Corbusier, apud FRAMPTON, 1997, p.183).

A planta aberta alterou as relações espaciais e técnicas, existentes entre “os elementos sólidos constituintes da arquitetura” (CEBALLOS, 1995, p.8), como a separação da vedação e estrutura. O espaço então fluido deixou sua condição estável, “aquela condição de um corpo que consiste em suas moléculas terem pouca ou nenhuma coerência entre si” (IBID., p. 9). Um sistema harmônico passava a ser criado conforme o que os arquitetos buscavam no momento: o movimento como continuidade do espaço, integrando interior e exterior, gerando o paradoxo de efeitos presentes na arquitetura, com um desenvolvimento centrífugo e a criação de espaços cujos fluxos são limitados por planos, conforme o pavilhão “liberado” de Barcelona de Mies van der Rohe e a casa-pátio centrípeta “ensimesmada” como a Ville Savoye de Le Corbusier (IBID.). Os casos acima são resultados diferentes para a mesma questão do vazio organizado por uma malha estrutural regular e fechada sobre uma planta-livre limitada por vedação externa. As soluções aplicadas em Villa Savoye por Le Corbusier o atestam:

“As soluções dos espaços internos revelam a máxima exploração do conceito da planta livre, através da

4 “As relações funcionais básicas entre as diferentes partes da casa raramente variam”

(CEBALLOS, 1995, p.18), em texto de análise sobre a arquitetura de Lutyens, que apresenta a questão da adaptação e contradição.

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manipulação consciente dos elementos de vedação definindo nichos, armários e compartimentos, ao mesmo tempo em que potencializa a caracterização de ambientes diversos através da diferenciação entre estrutura e vedação. Essa busca constante por uma lógica interna é significativa por revelar a atitude projetual de Le Corbusier, de criar o edifício de maneira integrada, concebendo-o como volume a ser fruído e também como espaço interior, a ser percorrido e vivenciado. Tal atitude revela uma profunda consideração das questões relativas ao uso, buscando propor uma nova forma de vida a partir de uma articulação diferenciada dos espaços internos.” (MACIEL, 2002, s/p.)

Figura 7 - Pavilhão de Barcelona - planta fluida, não possui porta internamente. Fonte:http://www.infopedia.pt/mostra_recurso.jsp?recid=7870 (Acessado em Jun12).

Figura 8 - Villa Savoye de Le Corbusier - tradução dos 5 pontos de sua teoria. Fonte: http://www.decoesfera.com/minimalismo/casas-con-nombre-villa-savoye (Acessado em Jun12).

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Nos casos dos edifícios alvo deste trabalho, o processo projetual empregado baseia-se na questão da planta fluída, uma vez que o cerne desta questão é o emprego de um sistema aberto no qual os espaços se intercomunicam por meio da ausência de elementos rígidos separadores, como nos projetos de Mies Van Der Rohe (COLIN, 2000). A planta pavilhão é composta por ambientes centrais e uma subestrutura de componentes arquitetônicos, tais quais escadas, paredes e inclusive o mobiliário formando os novos ambientes contíguos, totalizando assim os espaços servidos e os servidores.

A planta-livre moderna com estrutura perimetral, método construtivo estandardizado e projetada racionalmente foi sumariamente apresentada por Le Corbusier e seu primo, Pierre Jeannneret na Maison Dominó de 1914-5, é reconhecidamente entre os arquitetos um livre palco para a realização de seus anseios por flexibilidade. Esta admite alguns mecanismos de projeto tais como vedações móveis para ocupar os espaços da planta livre, com estrutura independente e espaços multiuso (TRAMONTANO, 1993) e foi aprimorada posteriormente na Maison Citrohan com o pé-direito duplo sob pilotis. Sobre o Dom-Ino:

“Esse jogo adquiria a força de um quebra-cabeça literal, onde as colunas livres poderiam ser vistas em planta como pontos de dominó, e onde o padrão em ziguezague de um agregado dessas casas lembrava a formação de um jogo de dominó. Com sua disposição simétrica, porém, esses padrões também podiam adquirir conotações específicas ora assemelhando-se ao projeto típico de palácio barroco do falanstério de Fourier, ora, alternativamente, ao evocarem o Boulevard à Redans de Eugéne Hénard, de 1903.” (Frampton, 1997, p.183)

Gropius também defendia a estandardização mediante o uso de componentes padronizados industrializados, no entanto com tipologias diferenciadas – a seriação da máquina de morar. Outros arquitetos adotavam o conceito da flexibilidade:

“Mies van der Rohe também empregou a flexibilidade como Horta e Perret, com a racionalização, as estruturas independentes e áreas molhadas em núcleos fixos liberando o restante para vedações móveis, tanto em projetos na Europa como nos Estados Unidos.“ (Tramontano, 1993, p.4; 6 e 8).

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Em 1927, com o advento da tecnologia do concreto armado e do processo de impermeabilização das lajes, Le Corbusier concretizou seu repertório formal em seu livro – guia dos arquitetos modernistas - Les cinq points de l’architecture nouvelle, com base em cinco pontos de uma nova arquitetura:

1) Pilotis – estrutura em colunas que elevam o bloco da construção do solo, liberando o uso deste para atividades.

2) Planta livre – liberação do espaço central da planta para utilização graças a estrutura e vedações perimetrais independentes.

3) Fachada livre – vedação e estruturas livres, facilitando o emprego de panos de vidro.

4) Janela em fita – caixilhos dispostos horizontalmente ao longo dos edifícios. 5) Terraço-jardim – jardim na cobertura aberto ao uso, remetendo ao terreno existente antes da edificação.

No entanto:

“A flexibilidade não estava nas cogitações de Corbusier, quando ele elaborou suas grandes teses de arquitetura e de urbanismo. [...] Na verdade, a estrutura independente liberava a planta, não com o objetivo de que essa planta fosse remanejável, mas no sentido de que essa liberdade criava condições para a plena realização, em nível de alta precisão (inclusive de detalhe), da máquina de morar ultraeficiente.” (TIBAU, 1972, pp.20).

No Brasil a visita de Le Corbusier teve grande importância para a adoção do projeto da arquitetura moderna até então encabeçado por Gregori Warchavchik e Lucio Costa, potencializada não apenas com a visita de Le Corbusier, mas também com a mudança de outros arquitetos estrangeiros para o país como Gregori Warchawick, Franz Heep, entre outros:

“Portadores de um conhecimento técnico diferente daquele que vinha sendo desenvolvido no Brasil, muitos desses arquitetos recém-chegados foram rapidamente absorvidos por setores imobiliários paulistanos (...) Franz Heep, Giancarlo Palanti, Lucjan Korngold ou Lina Bo Bardi são nomes inseridos de diversas formas neste processo, cujas importantes

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contribuições, porém, não poderiam deixar de ser citadas ao lado da presença marcante de outros arquitetos estrangeiros já mais aculturados, como Jacques Pilon, Bernard Rudofsky ou mesmo o precursor Gregori Warchavchik.” (THOMAZ apud BÁRBARA, 2004, pp.72).

Um dos principais nomes da arquitetura do Brasil, Costa teve papel decisivo no início do século passado para a concretização do modernismo no país. Formado na Escola Nacional de Belas Artes, em 1930 foi nomeado seu diretor, incentivado pela política de Getúlio Vargas, e executou o processo de disseminação do moderno na arquitetura do país (FRAMPTON, 1997).

Lucio Costa desde o início do século XX já buscava uma arquitetura definível como brasileira, por meio da qual se construiria uma identidade nacional. Seus princípios estéticos advinham da tentativa de identificar “novas formas e espaços com desenvolvimento científico e tecnológico” (SEGRE, 2004), além de soluções econômicas que atendessem a classe endinheirada e também às massas, realizando intercâmbio de suas diferentes culturas expressadas em uma arquitetura econômica e tecnológica que as expressassem.

Costa, apesar de grandes projetos como o Plano de Brasília e da Barra da Tijuca, Parque Guinle e influência na sede do Ministério da Educação e Saúde, desenvolveu significativos trabalhos teóricos, devido sua intensa ação na direção da Faculdade e do SPHAN – Estudos de Tombamentos do Serviço Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Buscou não apenas a vocação social da arquitetura e um aprendizado nas soluções arquitetônicas e construtivas tradicionais brasileiras, mas também a questão da funcionalidade e monumentalidade, já presente nas casas coloniais sem os pastiches do ecletismo, mediando as “tensões plástico-idealistas” e “orgânico-funcionalistas” para o projeto moderno – realizando uma espécie de antropofagia – tal qual o movimento paulistano havia proposto no início da década (VASCONCELLOS, 2005).

A nova geração de arquitetos que se formava no Brasil empregava a linguagem purista desenvolvida por Le Corbusier, adotando elementos plástico- funcionais tais como o brise soleil, o terraço-jardim e o efeito da promenade, a que

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se traduz como passeio arquitetônico, de maneira a torná-los expressões de sua arquitetura e da modernidade brasileira:

“A planta livre de Niemeyer para o pavilhão brasileiro da exposicão mundial de Nova Iorque de 1939, projetado com Costa e Paul Lester Wiener, conquistou o reconhecimento mundial para o movimento brasileiro e confirmou o extraordinário talento desse arquiteto. Niemeyer levou o conceito corbusieriano da planta livre a um novo nível de fluidez e interpenetração.” (FRAMPTON, 1997, p. 310).

Em São Paulo, outra vertente – que se considerava marginalizada desse processo de consolidação da arquitetura moderna no Rio de Janeiro - defendia a função social do arquiteto e da arte engajada, com a emancipação da tecnologia e consequente desenvolvimento econômico do país. Discordando de uma simples e linear emulação da cultura e da arte modernas surgidas na Europa no início do século XX, que pretendia transformar o mundo e a sociedade, o que fica patente com o emprego de conceitos racionalistas, apoiavam estudos sobre a renovação da forma e a valorização da função, com sentido vanguardista que propugnava ignorar o passado histórico, fazendo uso do partido da tábula rasa (ARTIGAS, 1984). A respeito deste grupo:

“O arquiteto Vilanova Artigas, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, foi mentor (nos anos 50/60) de uma concepção de função social da arquitetura centrada na questão da soberania nacional e da luta antiimperialista e, também, numa transcendência do projeto, uma capacidade deste em sugerir novas bases de convívio social. Nesse ideário não há uma doutrina arquitetônica propriamente dita, depreende-se a ideia de uma arte emancipada, evoluída, com uso de alta tecnologia dentro dos princípios gerais da arquitetura moderna.” (BASTOS, 2005, p.23).

O estabelecimento de novos sistemas construtivos permitiu então mudanças nas residências:

“a tripartição burguesa oitocentista da casa será substituída pela centralização da cozinha e, posteriormente, por uma bipartição dia/noite, em

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função, sobretudo, dos novos modos de vida emergentes. Ao mesmo tempo, diversos progressos técnicos permitiriam que as cargas dos edifícios deixassem de ser suportadas pelas paredes divisórias: a planta livre e a estrutura independente, aliadas ao esforço de estandardização e produção em série de seus componentes, teriam viabilizado a execução e o uso de painéis leves e facilmente transportáveis, tanto nas fachadas como nas vedações internas dos edifícios.” (Tramontano, 1993, pp.1-2)

Figura 9 - Edifício Prudência - Layout proposto e planta livre oferecida por Rino Levi. Fonte: Autora (2012) a partir de Vilariño(2000).

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Elementos arquitetônicos do passado sincronizados com plasticidades da obra e as necessidades funcionais impostas pelo programa e principalmente pelo local eram inexistentes na “arquitetura do estilo internacional”, mas valorizaram plástica e funcionalmente a produção do grupo de arquitetos do modernismo brasileiro encabeçados pelo regionalismo de Lucio Costa. Entretanto sofriam com suas limitações tanto no campo da construção civil quanto sócio-cultural, resultado do preconceito da sociedade ainda em desenvolvimento, e da tardia industrialização por conta da falta de investimentos, voltados à produção e exportação de café (TRAMONTANO, 1993).

Desta forma caracterizou-se a referência inicial da flexibilidade espacial: a arquitetura moderna e a planta livre. Ambas se fundamentam em conceitos e princípios modernos, e servem de base para uma espacialidade livre que se abre à diversidade de intervenções programáticas subsequentes, caracterizando por sua condição de espaço fluido e emprego de técnicas construtivas soluções racionalistas, bem como possibilidades projetuais que caracterizavam uma expressão de época.

A metodologia do projeto flexível possui uma essência – em se pensando em seus fundamentos de arquitetura erudita - nas experimentações nas décadas de 20 e 30, conforme apresentado previamente em projetos de Le Corbusier: estruturas independentes formando plantas e fachadas livres, com pilotis e janelas em faixa. Era a busca pelo espaço racionalizado e padronizado, adequado à nova produção industrial e ao novo homem moderno que os arquitetos visavam atender.

Sua condição como linguagem arquitetônica se faz clara com a consolidação da arquitetura moderna brasileira, em especial do que se produziu na década de 70, trazendo consigo características marcantes advindas desde o início das obras de Lucio Costa nas décadas anteriores. Modernidade e racionalização de processos, sistemas e componentes dominavam o pensamento da época. É possível remeter o projeto flexível na atualidade a tais contribuições que encontram origens, por exemplo, nas residências de Costa: a importância do partido arquitetônico para o edifício, a importância do detalhe construtivo para se concluir o todo da obra, o emprego de sistemas construtivos racionalizados e sistema estrutural independente.

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