• Nenhum resultado encontrado

4. A Distribuição Social do Produto dos Dízimos

4.4. O “dízimo de Deus”

4.4.3. A assistência aos pobres

O inquérito de 1836 deu-nos algumas pistas para a análise desta problemática e permitiu-nos entrar em contacto com uma instituição que desconhecíamos e que, supomos, seria de grande importância, apesar de tudo, para aquela tarefa pia. Falamos do celeiro do Micho que é o principal interessado neste conjunto a que decidimos chamar a “terça dos pobres” (quadro 61). A ele voltaremos mais adiante.

Junto com esta instituição encontramos outras três com características distintas, apesar de se dedicarem ao mesmo objectivo de ajuda dos necessitados. É o caso, por um lado, do seminário de S. Caetano e do Recolhimento da Tamanca, ambos situados em Braga, e, por outro, do hospital. O seminário era uma casa fundada em 1791 pelo bispo

Cf. Gazeta de Lisboa, 1826, pág. 1315; Fortunato de Almeida, História da Igreja em Portugal, Vol. III, pág. 64.

239 Fortunato de Almeida, História da Igreja em Portugal, Vol. III, pág. 63.

240 Cf. ANTT, AHMF, Tesouro Público, caixa 4306, mapas de Viana do Castelo e Valadares.

241 Cf., por exemplo, as respostas do arcediagado de Braga, do arcediagado de Labruje ou ainda da visita

4. A Distribuição Social do Produto dos Dízimos

146

D. Frei Caetano Brandão que se destinava a acolher e educar rapazes pobres e órfãos e que em 1805 tinha a seu cargo cerca de 150 meninos. O recolhimento era um conservatório de órfãs fundado pelo mesmo prelado, no ano de 1797, que, também em 1805, albergava 80 meninas242. Como podemos ver, os bispos, apesar de nas freguesias pouco ou nada reservarem para a assistência aos pobres, empenhavam-se a nível central em acudir aos mais necessitados, papel interventor que já tínhamos destacado no caso do seminário de S. Pedro243. Em relação ao hospital, nada conseguimos apurar sobre as suas origens e efectivas funções, mas como o próprio nome indica justifica-se a sua inclusão neste grupo. Para o ajudar no cumprimento da sua função de auxílio aos doentes tinha anexa a dizimaria da freguesia de Medelo, concelho de Montelongo.

61 - A “terça dos pobres” – rendimentos (mil réis) Denominação Localização Pensões em Dinheiro Pensões em Géneros Pensões + propriedade das dizimarias

Encargos Rend líquido %RL

Micho Braga 37,130 1174,292 1211,422 0 1211,422 59,22

Seminário de S Caetano Braga 100,000 0 673,960 120,000 553,960 27,09

Recolhimento da Tamanca Braga 0 0 145,549 0 145,549 7,12

Hospital Braga 0 0 231,760 110,709 121,051 5,92

Pobres da freguesia Ferreiros e Covelas 0 9,517 9,517 0 9,517 0,47

Mendigos Desconhecida 0 3,750 3,750 0 3,750 0,18

TOTAL 137,130 1187,559 2275,958 230,709 2045,249 100,00

Estas três instituições eram proprietárias de dizimarias, cujo rendimento, no caso do seminário de S. Caetano, era acrescentado com uma pensão anual de 100$000 réis paga pelo abade de Cavalões, freguesia do concelho de Barcelos.

Como seria de esperar, tendo em conta o que já dissemos, os “pobres da freguesia” não tinham esse privilégio e, efectivamente, só em dois casos é referida uma distribuição a nível local de uma pequena parte dos dízimos, constituída por géneros: 10 alqueires de meado no caso dos “mendigos”; 10 alqueires de milhão e 2 almudes de

242 Cf. J. Augusto Ferreira, Fastos Episcopais da Igreja Primacial de Braga (Séc. III - Séc. XX), Vila Nova

4. A Distribuição Social do Produto dos Dízimos

vinho para os “pobres” das freguesias de Ferreiros e Covelas. Curiosamente esta ajuda veio sempre do convento do Pópulo de Braga, dos Eremitas de S. Agostinho.

O celeiro do Micho é um caso bastante interessante, pois apesar de nunca ser apontado como proprietário de dízimos consegue uma quantia, ainda, considerável nas 68 dizimarias onde era interessado. Era um celeiro situado junto ao paço arcebispal e dedicado aos pobres que existia já desde o tempo do bispo D. João de Sousa (1696- 1703). Sabemos que no final do século XVII recebia anualmente mais de 7 mil alqueires de cereais pagos pelas igrejas da comarca eclesiástica de Braga, que eram distribuídos pelos pobres, todos os dias, em forma de pequenos pães denominados “michos”244.

62 - O celeiro do Micho – rendimentos (mil réis)

Denominação Dinh* Gén* Misto* Dinheiro Géneros Rendimentos Encargos Rend líquido Micho 4 63 1 37,130 1174,292 1211,422 0 1211,422

* Número de vezes que recebe em dinheiro, géneros ou misto, num total de 68 dizimarias.

63 - Quantidade de géneros recebidos Géneros Quantidades Litros* Meado 1304 alqueires 21019 Centeio 990 alqueires 15958 Trigo 223 alqueires 3595 Milho 23 alqueires 371 TOTAL 2540 alqueires 40943 Vinho 203 almudes 4811

* Para o cálculo dos litros, neste quadro, foram usadas as medidas de Braga.

Porém, apesar de os rendimentos em géneros serem, sem dúvida, significativos, o celeiro, no final do Antigo Regime, não recebia pensões apenas em cereais e as quantidades a que tinha acesso estavam longe dos 7 mil alqueires de 200 anos antes. Recebia igualmente algumas quantias em dinheiro e vinho. Dentro dos cereais

243 Esta preocupação dos bispos com a caridade parecia ser frequente desde o século XVII, pelo menos na

Galiza. Cf. Pegerto Saavedra Fernández, Economia, Política y Sociedad en Galicia..., pp. 547 e 548.

244 Cf. J. Augusto Ferreira, Fastos Episcopais..., Vol. III, pp. 218 e 219 e José Viriato Capela, “Estado,

4. A Distribuição Social do Produto dos Dízimos

148

verificamos que os mais representados eram o milho alvo e o centeio, através do meado. Os cereais mais “nobres”, como o trigo e o milho, são os que aparecem em quantidades menores (quadros 62 e 63).

Este reduzido rendimento, se tivermos em conta os números para o século XVII, pode ser o resultado do baixo valor médio por dizimaria (cerca de 17$000 réis), pois, apesar de receber estas “pensões” em cerca de 70 freguesias, elas não eram muito mais significativas do que as que se dedicavam à manutenção das igrejas. Porém, não nos podemos esquecer de que aqui estamos apenas a estudar uma parte do arcebispado de Braga.

Tendo em conta estes diversos aspectos, pensamos que esta preocupação com os pobres não deixava de estar presente e, mal ou bem, contribuiria para suprir algumas das necessidades dos mais carenciados, em especial em épocas de crise e carestia.