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4. A Distribuição Social do Produto dos Dízimos

4.2. Clero e instituições religiosas

4.2.1. O clero paroquial

Se as paróquias eram a estrutura administrativa de base da Igreja, como vimos no capítulo anterior, o clero paroquial constituía a estrutura humana basilar da mesma. Em conjunto deveriam cumprir os objectivos de cuidado espiritual das populações, pelo que necessitavam de uma dotação material para se manterem. Esta dotação era constituída pelo passal – porção de terra anexa à paróquia e cujo rendimento pertencia ao pároco – e por “determinados direitos”, como o pé-de-altar e estola, as primícias, as oblações e acima de tudo os dízimos157.

Os rendimentos dos dízimos que cabiam ao clero paroquial figuram no quadro 38. No seu conjunto representavam mais de 45% do total líquido apurado para as duas comarcas eclesiásticas (quadro 34).

Porém, o clero paroquial apresentava vários níveis de rendimentos ligados às diferentes categorias em que se dividia. As fontes referem 6 dessas: abade, prior, reitor, vigário, cura e coadjutor. É igualmente referido o termo geral pároco, mas esta

157 Cf. António Gonçalves Matoso, “A Paróquia - sua evolução histórica e influencia civilizadora”, in

Lumen, Vol. XXVII, 1963, pág. 457. Estes direitos são também referidos por José Viriato Capela, Os rendimentos dos párocos..., pp. 2-3 e por António Franquelim Sampaio Neiva Soares, A Arquidiocese de Braga..., Vol. I, 1993, pp. 120 a 124.

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designação pode englobar qualquer uma das 5 primeiras, em especial a de abade e vigário158.

38 - Clero paroquial – rendimentos de dízimos (mil réis) Denominação Nº %Nº Rendimentos Encargos Rend líquido %RL Abade 279 42,99 104499,120 15233,180 89265,939 79,74 Vigário 146 22,50 7280,460 22,902 7257,558 6,48 Pároco 97 14,95 7763,525 660,844 7102,681 6,34 Reitor 45 6,93 4382,151 0 4382,151 3,91 Cura 69 10,63 2754,581 0,505 2754,076 2,46 Prior 5 0,77 944,748 66,464 878,284 0,78 Coadjutor 8 1,23 306,450 0 306,450 0,27 TOTAL 649 100,00 127931,035 15983,896 111947,139 100,00

Entre o clero paroquial, os abades e priores ocupavam os lugares cimeiros da hierarquia dos rendimentos e eram proprietários de dizimarias; os reitores, vigários e curas os lugares intermédios, recebendo apenas a côngrua; por fim, os coadjutores, com o mesmo tipo de rendimento, mas com uma posição nas paróquias inferior à dos restantes, sendo meros auxiliares ou substitutos do pároco principal159. Essa hierarquia é bem visível no quadro 39 onde expomos o rendimento médio de cada categoria.

É o facto de serem proprietários de dízimos que permite que os priores, por exemplo, que no quadro 38 não chegam a 1% do total, passem para segundo lugar, logo a seguir aos abades, quando analisados os rendimentos médios (quadro 39). Estes últimos são os verdadeiros beneficiados dentro do clero paroquial: representando 43% dos seus membros recebem líquido, anualmente, perto de 90 contos de réis, quase 80%

158 Esta dedução prende-se com o facto de serem estas as designações mais frequentes, mas também com

a observação do inquérito de 1821. Como vimos no primeiro capítulo, aí atribuí-se uma tipologia própria a cada paróquia. Pela análise do conjunto de freguesias que abarcavam as comarcas eclesiásticas de Braga e Valença, verificámos uma predominância para o conjunto de paróquias das duas primeiras tipologias. O Minho era, dentro do arcebispado de Braga, claramente uma região de abadias e vigararias. A esta tipologia das paróquias correspondia a tipologia dos párocos, pelo que julgamos próxima da realidade a nossa hipótese. Cf. AHP, Secção I-II, caixas 7, 8, 10 e 26.

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Uma ideia semelhante é, aliás, transmitida em estudos sobre a região elaborados por José Viriato Capela, Os rendimentos dos párocos..., pág. 6; Idem, “Igreja, Sociedade e Estado...”, pág. 423 e 426; por António Franquelim Sampaio Neiva Soares, A Arquidiocese de Braga..., pág. 127; e por Fernando de Sousa e Jorge Fernandes Alves, Alto Minho..., pp. 57-59. Veja-se ainda Fernando de Sousa, O clero da diocese do Porto..., pág. 13 e Ana Mouta Faria, “Função da carreira eclesiástica...”, pp. 31 e 44.

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do total apurado para este grupo. Isto atribui-lhes um rendimento médio que, por exemplo, quase lhes permitia serem eleitos deputados de acordo com a Carta Constitucional de 1826 que estabelecia um rendimento mínimo de 400$000 réis anuais para os elegíveis.

39 - Clero paroquial – rendimentos médios (mil réis) Denominação Rendimentos Encargos Rend líquido Abade 374,549 54,599 319,950 Prior 188,950 13,293 175,657 Reitor 97,381 0 97,381 Pároco 80,036 6,813 73,224 Vigário 49,866 0,157 49,709 Cura 39,921 0,007 39,914 Coadjutor 38,306 0 38,306

Vemos assim que, apesar dos rendimentos excepcionais dos abades e em parte dos priores, as restantes categorias do clero paroquial apresentavam rendimentos bastante mais baixos, em média sempre inferiores a 100$000 e algumas com menos de 50$000 réis de côngrua anual. É o que transparece quando os distribuímos por escalões de rendimento líquido, como resulta do quadro 40.

40 - Clero Paroquial – Distribuição por escalões de rendimento

MIL RÉIS % TOTAL Cum% T % Ab Cum% Ab % Pr Cum% Pr % Re Cum% Re % Pa Cum% Pa % Vi Cum% Vi % Cu Cum% Cu % Co Cum% Co Negativo 0 0 1 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0-50 36 36 5 6 40 40 29 29 58 58 67 67 68 68 62 62 50-100 16 52 8 14 0 0 22 51 21 79 21 88 25 93 38 100 100-200 16 68 18 32 0 0 42 93 13 92 10 98 7 100 0 0 200-400 20 88 41 73 60 100 7 100 7 99 2 100 0 0 0 0 400-1000 11 99 25 98 0 0 0 0 1 100 0 0 0 0 0 0 + de 1000 1 100 2 100 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 TOTAL 100 0 100 0 100 0 100 0 100 0 100 0 100 0 100 0

Notas: Ab = Abades; Co = Coadjutores; Cu = Curas; Pa = Párocos; Pr = Priores; Re = Reitores; Vi = Vigários

Mais de metade do total do clero paroquial tinha rendimentos que não passavam dos 100$000 réis anuais e somente 12% ultrapassavam a casa dos 400$000 réis (quadro 40, 3ª coluna). No entanto, existia uma percentagem significativa (20%) de eclesiásticos

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que recebia entre 200 e 400 mil réis. Esse facto deve-se, claramente, ao rendimento médio dos abades, pois vemos que 41% dos mesmos se situam neste escalão, sendo eles, aliás, os únicos a ultrapassar a barreira dos 400$000 réis, se exceptuarmos os “párocos”. Relembramos, inclusive, que na lista dos 12 maiores recebedores encontramos precisamente um abade (quadro 35). Em menor número, também os priores contribuíam para o destaque daquele escalão, se bem que apresentassem diferenças consideráveis nos seus níveis de rendimento, pois 40% não chegavam a ganhar mais de 50$000 réis anuais. Uma grande parte dos reitores (42%) consegue superar a casa dos 100$000 réis, encontrando-se alguns ainda no escalão seguinte dos 200 aos 400 mil réis. O restante clero paroquial, representando mais de 2/3 do grupo, normalmente, por vezes em quase 70% dos casos, ganha menos de 50$000 réis anuais e só em casos pontuais ultrapassa os 200$000 réis de rendimento anual.

Estes últimos podiam aumentar os valores totais a receber das freguesias através dos direitos de pé-de-altar e do passal. O inquérito de 1836 é omisso quanto a este tipo de rendimentos, mas o de 1821 dá-nos informações preciosas a este respeito, que nos permitem verificar o peso relativo dos vários tipos de emolumentos no total à disposição do clero paroquial.

A hierarquia do clero paroquial em 1821 era semelhante à que identificámos para 1827-31. Tendo em conta apenas os rendimentos dos dízimos e as côngruas atribuídas, destacavam-se novamente os abades e os priores e no oposto da escala vigários, curas e coadjutores (quadro 41). Os últimos não tinham direito a receber qualquer outro rendimento o que podia levar, por vezes, a que ficassem vagos os lugares, como aconteceu em Parada do Monte, por exemplo, onde em 1821 não existia coadjutor “por não haver quem sirva por 10$000 réis que lhe destinão somente”160.

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41 - Rendimento médio dos párocos por tipo de paróquia em 1821 (mil réis e %) Tipo de paróquia Nº* Dízimos/

Côngruas Passal + Pé-de-Altar Díz/Côn + Passal + Pé-de-Altar % Passal + Pé-de-Altar ABADIA 204 314,613 62,673 377,286 16,61 PRIORADO 6 207,883 131,700 339,583 38,78 REITORIA 51 103,004 89,912 192,916 46,61 VIGARARIA 179 62,785 42,134 105,273 40,02 CURATO 12 46,225 49,250 95,475 51,58 Desconhecido 145 171,976 48,822 220,461 22,15 Coadjutores 96 44,319 44,319 Fonte: Inquérito de 1821.

* O total de paróquias (597) equivale àquelas para as quais encontrámos correspondência entre os inquéritos de 1821 e 1836.

As restantes categorias ficavam com o produto resultante da exploração das terras anexas à residência paroquial e da cobrança de taxas diversas aos paroquianos pela administração dos sacramentos. Estes rendimentos tinham uma importância fundamental no caso dos curas, representando mais de metade do seu rendimento total, mas eram igualmente significativos para reitores, vigários e, mesmo, priores (quadro 41).

As médias apresentadas, porém, escondem uma realidade ainda mais significativa pois, em alguns casos, o valor do passal e do pé-de-altar podia chegar a ser 18 e 20 vezes superior ao das côngruas, como acontecia, respectivamente, com o vigário de Punhe, concelho de Barcelos, e o prior de S. Vítor, na cidade de Braga161. É de notar que nas vigararias e reitorias é o pé-de-altar que melhor complementa a côngrua, ao contrário das abadias onde é o passal que representa o papel fundamental, logo a seguir aos dízimos. Para além disso, é nas freguesias urbanas que normalmente encontramos uma maior diferença entre os valores da côngrua e os do passal e pé-de-altar, em especial este último. O facto de serem paróquias mais populosas tem, como é óbvio,

161 Para já não falar do caso extremo do vigário de Belinho, concelho de Barcelos, que via o seu

rendimento subir de 1$800 (côngrua anual) para 138$600 devido ao passal e pé-de-altar. Cf. AHP, Secção I-II, caixa 10, doc. 46 e caixa 26, doc. 131. Algo semelhante se verificava na diocese do Porto em 1821. Cf. Fernando de Sousa Sousa, O clero da diocese do Porto..., pág. 13. Aí é apontada uma possível duplicação dos rendimentos dos vigários e curas. Também Ana Mouta Faria refere um aumento dos rendimentos do clero paroquial devido ao recurso ao passal e ao pé-de-altar. Cf. “Função da carreira

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influência neste aspecto, mas o que parece igualmente certo, até pelo valor particularmente baixo da maioria das côngruas nas cidades, é que os proprietários dos dízimos tinham menos embaraços em eximir-se às suas obrigações de sustentação dos párocos, por saberem que, aí, o clero paroquial tinha à sua disposição outras fontes de rendimento, fruto da concentração populacional. Era o que acontecia nas paróquias lisboetas, pelo menos, segundo os liberais no Triénio162.

As diferenças resultantes dos vários níveis de acesso aos dízimos, se tinham influência nos rendimentos, tinham-na também na questão dos encargos (quadro 39). Se os abades eram quem mais recolhia dízimos, eram também quem mais encargos suportavam.

Quem eram os interessados secundários nas dizimarias que pertenciam aos abades? Na maior parte dos casos, o seminário diocesano, a Mitra Primaz, as dignidades e cónegos e a Igreja Patriarcal. No entanto, em relação aos dois primeiros é de destacar que os encargos eram pequenas pensões, maioritariamente, em dinheiro, que não chegavam, em grande parte das freguesias onde eram impostas, aos mil réis anuais.

Para além destes, temos de apontar ainda os encargos com os pensionistas, as fábricas e o cabido primaz que, apesar de aparecerem em menor número, são mais relevantes, representando, especialmente com os primeiros, significativos pagamentos em dinheiro, em média, cerca de 80$000 réis anuais.

Os párocos eram o clero que mais próximo estava das populações, presidiam às paróquias e, assim sendo, eram eles também que mais próximos estavam da cobrança dos dízimos e dos problemas dos seus fregueses163. Este facto, estamos em crer,

eclesiástica...”, pág. 42. Recurso esse que parece ter-se generalizado e incrementado a partir da década de 80 do século XVIII. Cf. José Tengarrinha, Movimentos Populares..., vol. I, pág. 254.

162 Cf. AHP, Secção I-II, cx. 72, doc. 2.

163 Esta proximidade aos campos vai ser determinante na escolha do método de cobrança dos dízimos por

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concedia-lhes uma real influência local que, quando não se traduzia em termos económicos, resultava efectiva nos níveis social e moral164.