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4. A Distribuição Social do Produto dos Dízimos

4.2. Clero e instituições religiosas

4.2.2. A hierarquia diocesana

4.2.2.2. O Cabido Primaz e as colegiadas

Neste grupo juntámos, para além do Cabido Primaz e da colegiada de Guimarães, também as colegiadas de Valença e de Vila Viçosa (quadro 42). O alargamento dos territórios cristãos, durante a Idade Média, levou a um crescimento das dioceses, o que implicou uma maior carga administrativa para a Igreja. Os cabidos parecem ter nascido

168 Cf. DHP, Vol. I, pág. 410, “Cabido”.

169 Cf. DHP, Vol. IV, pág 511 e 512, “Padroados” e “Padroeiros”. 170

Foi o que aconteceu no caso da Casa do Infantado, com quem a Mitra teve por vezes conflitos relacionados com benefícios eclesiásticos. Cf. Maria Paula Marçal Lourenço, A Casa e o Estado do Infantado, Lisboa, JNICT, 1995, pág. 175. Noutros casos era o próprio cabido de Braga ou a colegiada de Guimarães que colocavam entraves ao poder do arcebispo. Veja-se, por exemplo, os conflitos com aquela colegiada que vinham já desde a Idade Média e se prolongaram até 1831. Cf. António Franquelim Sampaio Neiva Soares, “Conflitos jurisdicionais entre a Colegiada e o Arcebispo de Braga (Século XIII a 1831)”, in Actas do Congresso Histórico de Guimarães e sua Colegiada, Vol. II, Guimarães, 1981, pp. 11 a 29.

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com essa função, pois eram auxiliares dos bispos nas cidades sede de diocese e extensões da sua autoridade no mundo rural. A expansão para estas zonas levou também à criação das colegiadas. No arcebispado de Braga não existiam só as de Valença e de Guimarães, já referidas, mas outras, por exemplo, em Viana e em Barcelos, mas nas comarcas que agora estudamos só as duas primeiras aparecem a cobrar dízimos172.

A princípio os cabidos eram sustentados pelos bispos, porém, o crescimento dos seus bens e encargos fez com que houvesse uma separação económica e administrativa realizada em Portugal por volta do século XII, como já referimos ao falar da Mitra Primaz. Começaram, então, os cabidos a ter autonomia financeira, a recolher os seus próprios rendimentos e a fazer face aos encargos respectivos. Simultaneamente foram surgindo as colegiadas173.

Esta separação manteve-se no século XIX e se, em alguns casos, as relações entre os bispos e estas instituições funcionavam proveitosamente, como acontecia com a colegiada de Valença174, noutros, porém, eram caracterizadas por atritos e rivalidades. Assim parece ter acontecido com a colegiada de Guimarães já desde o século XII, pois, pelos seus privilégios e altos rendimentos, competia com o arcebispo bracarense. Quanto ao Cabido Primaz, a situação parece ter sido idêntica, pois, apesar de mais próximo do arcebispo, não deixaram de ocorrer alguns conflitos175.

171

Esta secundarização, em termos económicos, em relação ao Cabido já tinha sido detectada por José Viriato Capela, “Igreja, Sociedade e Estado...”, pp. 433 a 436.

172 Facto que, em parte, poderá resultar das lacunas da fonte no caso da comarca eclesiástica de Braga.

Não deixa, contudo, de ser significativo que aquelas que nos aparecem no inquérito eram das mais importantes do país, tendo sobrevivido à extinção dos dízimos e, mesmo, à “lei de 16 de Junho de 1848 [que] autorizou o governo a extinguir e suprimir” a maioria das colegiadas que, desde 1832, tinham ficado “desprovidas de rendimentos suficientes”. Cf. Fortunato de Almeida, História da Igreja em Portugal, Vol. III, pág. 35. No conjunto das que permaneceram estava também a de Barcelos.

173

Cf. DHP, Vol. I, pp. 409 a 411, “Cabido” e Vol. II, pp. 99-100, “Colegiadas”.

174 Cf. António Franquelim Sampaio Neiva Soares, A Arquidiocese de Braga..., pp. 96 a 100.

175 Efectivamente António Franquelim Sampaio Neiva Soares apresenta estas duas instituições como

concorrentes do arcebispo. Cf. A Arquidiocese de Braga..., Vol. I, pp. 83 a 95 e do mesmo autor “Conflitos jurisdicionais...”, pág. 11 a 29.

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O Cabido Primaz era uma instituição central no arcebispado e, por esse facto, tinha inúmeros privilégios e rendimentos na região que agora estudamos. Privilégios que se traduziam em dízimos, exclusivamente, concentrados na comarca eclesiástica de Braga, e num segundo lugar entre as instituições que mais ganhavam com aquela prestação, a qual representaria, segundo uma avaliação feita em 1834, cerca de 70% dos seus rendimentos totais. Nestes, destacava-se, inclusive, da Mitra, o que acontecia pelo menos desde meados do século XVIII, segundo Viriato Capela176.

42 - Cabido e colegiadas – rendimentos (mil réis) Denominação Rendimentos Encargos Rend líquido %RL Cabido Primaz 6136,684 826,211 5310,473 47,26 Colegiada de Guimarães 5888,728 764,300 5124,428 45,60 Colegiada de Valença 733,495 46,796 686,699 6,11 Colegiada de Vila Viçosa 158,477 42,709 115,768 1,03

TOTAL 12917,384 1680,016 11237,368 100,00

A forma como recolhia esses dízimos era, também ela, curiosa, pois apesar de ter algumas dizimarias anexas (18), conseguia muitos através dos encargos impostos em outras 55. Neste caso é de realçar que recebia quase 600$000 réis só em géneros. Ressalta o milho alvo que o cabido recolhia em 40 freguesias, a uma média de cerca de 24 alqueires por dizimaria, o que levava a que anualmente armazenasse perto de 960 alqueires que equivaliam a mais de 15 mil litros daquele cereal!

Todos estes rendimentos tinham, pelo menos, um destino certo. Eram para sustentar um imenso quadro de pessoal agregado a esta instituição, em especial as dignidades e os cónegos através de prebendas177. Estas eram o resultado da divisão do

176

Cf. “Igreja, Sociedade e Estado...”, pp. 434 a 436. Sobre a avaliação feita pelos liberais e que lhe atribuía um rendimento em dízimos superior a 28 contos de réis (com um provável exagero, tendo em conta as motivações da mesma, “verificar quem deveria ser expulso da catedral”) veja-se A. Luís Vaz, O Cabido de Braga. 1071-1971, Braga, Editor José Dias de Castro, 1971, pp. 225 e 234.

177 Sabemos que em finais do século XVI o Cabido da Sé de Braga era constituído por 51 elementos, entre

dignidades e cónegos: 1 deão, 1 chantre, 1 arcediago de Braga, 1 arcediago de Vermoim, 1 mestre escola, 1 tesoureiro, 1 arcediago de Olivença, 1 arcediago de Fonte Arcada, 1 arcediago de Labruje, 1 arcipreste de Valença, 1 arcediago de Barroso, 1 arcediago de Neiva, 1 arcediago de Cerveira, 26 cónegos e 12 coreiros (tercenários). Cf. António Franquelim Sampaio Neiva Soares, A Arquidiocese de Braga..., Vol. I, pág. 84 e 85. Cremos que, possivelmente, nos finais do Antigo Regime, com a inflação dos benefícios

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monte comum dos rendimentos do cabido em partes iguais. Voltaremos a elas quando analisarmos os rendimentos dos membros dos cabidos. Porém, serviria todo aquele cereal apenas para consumo interno do cabido, para distribuição pelos vários prebendados e pelos necessitados, ou parte dele seria colocado no mercado, funcionando o cabido também como uma entidade especuladora? As fontes não nos dão pistas em nenhum dos sentidos, mas ficam aqui as hipóteses.

Por sua vez, a colegiada de Valença recebia os seus dízimos apenas na comarca do mesmo nome. Existia assim uma clara separação nas áreas de influência do cabido e da colegiada, facto que é explicável pela própria origem da comarca eclesiástica de entre Lima e Minho.

Assim, até ao século XIV, o limite norte da diocese de Braga parava no rio Lima. A região de Portugal entre esse rio e o rio Minho fazia parte do bispado de Tui. No entanto, na altura do Grande Cisma do Ocidente (1378-1417) um conjunto de cónegos do cabido de Tui recusou-se a obedecer ao papa de Avinhão e dirigiu-se a Valença. Aí formou um novo cabido sendo, então, requerida ao papa de Roma a independência eclesiástica, o que foi concedido. Tendo por sede a igreja de S. Estevão de Valença, esta comarca eclesiástica continuou a ser uma quase diocese até 1444, ano em que, a pedido do regente D. Pedro, foi definitivamente desanexada de Tui e incorporada no recém- criado bispado de Ceuta. No entanto, por razões óbvias, de ordem geográfica, em 1512, o arcebispo de Braga trocou os territórios da comarca eclesiástica de Olivença que, na altura, pertenciam àquela arquidiocese pelos de Valença. Assim, passou esta comarca a

eclesiásticos apontada por Ana Mouta Faria, este quadro seria ainda maior. Cf. “Função da carreira eclesiástica ...”, pág. 36. José Viriato Capela apresenta, entre 1750 e 1820, um conjunto de apenas 6 dignidades e 29 canonicatos. Cf. “Igreja, Sociedade e Estado...”, pág. 436.

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pertencer ao arcebispado de Braga mantendo, porém, uma grande autonomia, o que se atesta pela especificidade da recolha de dízimos178.

No entanto, apesar de ser antiga e de ter muitos privilégios, os dízimos da colegiada de Valença resumiam-se à imposição de pequenas pensões, na maior parte das vezes, em dinheiro em muitas freguesias da comarca sendo proprietária, apenas, das dizimarias de Vila Meã e Valença (S. Estevão), se bem que neste último caso só recebesse 1/3 dos dízimos. Este facto talvez seja explicado pela sua fundação tardia, já, em finais do século XIV.

Quanto à colegiada de Guimarães, é de referir que se apresenta, tal como a Mitra e o Cabido, como uma das principais beneficiárias dos dízimos. Também esta instituição concentrava os seus interesses apenas na comarca de Braga. Igualmente com muitos privilégios, era natural que surgissem conflitos com aquelas instituições centrais do arcebispado. Uma das questões que mais vezes criou dificuldades de relacionamento com o bispo e o cabido de Braga foi a que dizia respeito às visitas pastorais às freguesias e ao clero paroquial. Este problema atingiu proporções graves na Idade Média e princípio da Idade Moderna, mas no final do Antigo Regime, apesar de vários acordos, ainda não estava de todo sanado179. É o que se pode constatar pela observação das respostas ao inquérito de 1821. Estas foram organizadas em visitas, sob a supervisão do prelado, e a colegiada respondeu também ao inquérito, repetindo as visitas que competiam ao arcebispo pessoalmente, em algumas freguesias do concelho de Guimarães180.

A forma como esta colegiada acedia aos dízimos era, contudo, diferente da que foi traçada para as outras instituições de que temos estado a falar. Era proprietária de 13

178 Cf. P. Avelino de Jesus da Costa, “A Comarca Eclesiástica de Valença do Minho”, in Actas do 1º

Colóquio Galaico-Minhoto, Vol. I, Ponte de Lima, 1/5 de Setembro de 1981, pág. 132 a 147.

179 Cf. António Franquelim Sampaio Neiva Soares, “Conflitos jurisdicionais...”, pág. 15 a 23. 180

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dizimarias, quase todas localizadas no concelho de Guimarães, e recebia ainda géneros, mas de pouco valor, na própria vila. Na quase totalidade das dizimarias que lhe pertenciam não fazia partilha alguma com outro interessado principal, à excepção da freguesia de Caldelas (S. Tomé), onde o prior da mesma colegiada tinha direito a receber metade. Assim se compreende o grande volume de dízimos apurado para esta instituição, que eram, afinal, a quase totalidade do seu rendimento. Efectivamente foi possível verificarmos que o peso do produto decimal no total de réditos da colegiada de Nossa Senhora da Oliveira de Guimarães, representava, entre 1827 e 1832, uma média de cerca de 93%181!

Resta-nos referir a colegiada de Vila Viçosa que representa apenas 1% do total líquido destas entidades. Resultava este rendimento de metade da dizimaria de Curvos e de 30$000 réis anuais que recebia como pensão em apenas mais duas freguesias. Por isto podemos afirmar que não seria uma instituição muito beneficiada no arcebispado de Braga, mas suspeitamos que poderia ter alguma importância a nível nacional, quanto mais não fosse pelo facto de ser capela de padroado régio182.