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4. A Distribuição Social do Produto dos Dízimos

4.2. Clero e instituições religiosas

4.2.2. A hierarquia diocesana

4.2.2.3. Dignidades e cónegos

Os membros do cabido e das colegiadas não tinham acesso aos dízimos apenas através das prebendas. Também eles tinham direito a receber os 10% da produção agrícola em algumas freguesias ou a participar nos encargos impostos noutras.

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Cf. Arquivo Municipal de Guimarães, Colegiada de Guimarães, Livro das Contas Gerais da Colegiada, 1827-1832. Uma percentagem similar foi encontrada por Aurélio de Oliveira ao analisar os rendimentos desta colegiada na passagem do século XVII para o XVIII. Cf. Aurélio de Oliveira, “Rendas e Arrendamentos...”, pp. 116.

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43 - Dignidades e Cónegos – rendimentos (mil réis)

Denominação Cabido Rendimentos Encargos Rend líquido %RL Arcipreste de Loureda Braga 2920,902 56,487 2864,415 20,38 Prior da Colegiada Guimarães 1726,573 227,636 1498,937 10,67 Chantre da Colegiada Guimarães 1202,710 16,694 1186,016 8,44

Cónego da Sé Braga 930,477 72,730 857,747 6,10

Tesoureiro-mor da Colegiada Valença 771,895 90,612 681,283 4,85 Deão da Colegiada Viçosa 755,201 138,700 616,501 4,39 Tesoureiro-mor da Sé Braga 768,931 161,846 607,085 4,32 Cónego da Colegiada Valença 782,684 179,093 603,591 4,30 Arcediago de Vila Nova de Cerveira Braga 575,336 0 575,336 4,09 Arcediago de Sobradelo Desconh. 646,730 109,154 537,576 3,83

Deão da Sé Braga 706,230 178,486 527,744 3,76

Tesoureiro-mor da Colegiada Guimarães 486,621 74,380 412,241 2,93 Cónegos da Colegiada Viana 341,530 0 341,530 2,43 Chantre da Sé Braga 390,635 56,440 334,195 2,38 Cónego da Sé Braga 391,092 77,905 313,187 2,23 Cónego Desconh. 345,663 80,000 265,663 1,89 Doutoral da Sé Braga 341,537 79,460 262,077 1,86 Cónego Desconh. 226,017 19,728 206,289 1,47 Tercenário da Sé Braga 266,328 70,040 196,288 1,40 Mestre Escola da Sé Braga 295,926 109,920 186,006 1,32 Arcediago de Braga Braga 224,276 64,292 159,984 1,14

Cónego Desconh. 141,514 0 141,514 1,01

Arcipreste de Barcelos Barcelos 186,300 45,988 140,312 1,00

Cónego da Sé Braga 100,000 0 100,000 0,71

Arcipreste de Viana Viana 141,348 55,788 85,560 0,61 Mestre Escola da Colegiada Guimarães 75,000 0 75,000 0,53

Cónego Desconh. 114,048 40,000 74,048 0,53

Mestre Escola da Colegiada Valença 64,637 6,000 58,637 0,42

Tercenário da Sé Braga 50,000 0 50,000 0,36

Cónegos Desconh. 48,634 0 48,634 0,35

Arcediago de Vermoim Braga 28,031 0 28,031 0,20

Arcediago de Labruje Braga 9,600 0 9,600 0,07

Cónego da Colegiada Valença 7,760 0 7,760 0,06

Visitadores Desconh. 0 0 0 0,00

TOTAL 16064,166 2011,379 14052,787 100,00

Assim, vemos aparecerem na circulação do dízimo 34 desses elementos, uns com uma participação maior, outros com rendimentos quase insignificantes (quadro 43). No entanto, este número era ainda superior, pois em alguns casos aparecem referências no plural. O que sabemos, contudo, é que são membros de diversas colegiadas da região e, em especial, do cabido bracarense. Isso mesmo é possível verificar no quadro 43, onde conseguimos identificar a instituição a que 27 deles pertenciam. Os de Braga são

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claramente maioritários, sendo em número de 15, seguidos pelos de Guimarães (4) e pelos de Valença (4). No fundo, o prestígio da instituição passava para os seus membros, quer em termos económicos, como podemos observar, quer em termos institucionais183.

A influência destes eclesiásticos era ainda maior pelas funções de visita às paróquias, ao clero e às populações a cargo de parte deles, em especial das dignidades. Estas eram cónegos que, devido às funções específicas dentro do cabido ou colegiada e no governo da diocese, adquiriam um estatuto privilegiado. Era o caso dos arcediagos e dos arciprestes, dedicados ao “governo externo da diocese”; do deão ou, em algumas colegiadas, do prior que geria a própria instituição; do chantre, do tesoureiro-mor e do mestre-escola que, como o nome indica, estavam ligados, respectivamente, ao coro das catedrais ou igrejas da responsabilidade dos cabidos, às finanças dos mesmos e às escolas que aí se mantinham.

Depois existiam os cónegos, que podiam ser em grande número, e, por fim, numa escala de importância dentro dos cabidos e em relação ao seu rendimento, os porcionários, assim chamados por receberem apenas uma porção da prebenda que, no caso dos tercenários, equivalia a 1/3 da mesma184.

Os cónegos que acediam às dignidades eram, dentro do clero capitular, os mais privilegiados, pois entre os 10 principais beneficiados deste grupo, sempre com valores acima dos 500$000 réis, encontramos 8 dignidades (quadro 43). Dos tercenários o que se encontra em melhor posição não chega a conseguir metade daquele rendimento. Se

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Fortunato de Almeida refere que, no caso das colegiadas, algumas “viviam com esplendor e os seus membros gozavam de alta consideração. Em alvará de 4 de Novembro de 1823, determinou El-Rei D. João VI que ao D. Prior da insigne e real colegiada de Nossa Senhora da Oliveira de Guimarães (...) se devesse verbalmente e por escrito o tratamento de Excelência. O decreto de 6 de Fevereiro de 1826 concedeu o tratamento de Senhoria ao tesoureiro-mor da Real Capela e colegiada de Vila Viçosa (...).” Cf. História da Igreja em Portugal, Vol. III, pág. 34.

184 Cf. DHP, Vol. I, pág. 176-177 “Arcediago”, pág. 178 “Arcipreste”; Vol. II, pág. 148-149 “Cónego” e

pág. 269-270 “Deão”; António Franquelim Sampaio Neiva Soares, A Arquidiocese de Braga..., Vol. I, pág. 81 a 97; Ana Mouta Faria, “Função da carreira eclesiástica...”, pp. 32 e 33.

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tivermos em conta também a média de cada um destes três grupos (quadro 44) e a distribuição por escalões dos seus rendimentos (quadro 45) podemos reforçar esta ideia e constatar que a hierarquia não era apenas de prestígio e de funções, mas resultava também num estatuto económico diferenciado.

44 - Dignidades, cónegos e tercenários – rendimentos médios (mil réis) Denominação Rendimentos Encargos Rend líquido

Dignidades 586,591 70,090 516,502 Cónegos 311,765 42,678 269,088 Tercenários 158,164 35,020 123,144

45 - Dignidades e cónegos – distribuição por escalões de rendimento (mil réis) Escalões % TOTAL Cum %T % Dignidades Cum %Di % Cónegos Cum %Co % Tercenários Cum %Te 0-50 15 15 14 14 18 18 0 0 50-100 15 30 14 28 9 27 50 50 100-200 18 48 14 42 18 45 50 100 200-400 18 66 11 53 37 82 0 0 400-1000 26 92 33 86 18 100 0 0 + de 1000 8 100 14 100 0 0 0 0 TOTAL 100 0 100 0 100 0 100 0

Verificamos que mais de 50% das dignidades recebiam dízimos superiores a 200 mil réis anuais e havia mesmo 3, correspondendo a 14%, que ganhavam acima do conto de réis. A maioria dos cónegos passava a barreira dos 200$000 réis, no entanto já eram mais raros aqueles que ultrapassavam os 400$000 réis. Os tercenários, como já tínhamos referido, não chegavam sequer a ultrapassar os 200$000 réis.

Porém, os privilégios do primeiro grupo não se ficavam pela recolha de dízimos e pelo acesso às prebendas inteiras. Nas visitas que tinham de fazer às paróquias da sua responsabilidade, recebiam pequenas pensões que, em alguns casos, podiam aumentar de forma significativa os seus rendimentos. É o caso do arcediago de Vila Nova de Cerveira e do arcipreste de Loureda. O primeiro, apesar do décimo lugar que ocupa no conjunto, chamou a nossa atenção pelo facto de nunca ser declarado como proprietário de dizimarias, o que explica também o valor nulo na coluna dos encargos.

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Efectivamente, esta entidade apresenta a particularidade de receber “pensões” em muitas freguesias, com um valor médio na casa dos 11$000 réis. Estas podiam ser em géneros, em dinheiro ou mistas, sendo porém os valores em géneros bastante mais elevados. O segundo, por sua vez era proprietário de algumas dizimarias, mas também não deixa de ser significativo que através de pensões, essencialmente em géneros, chegasse a receber mais de 100$000 réis anuais.

Pelo que podemos observar, à jurisdição eclesiástica sobre determinadas freguesias correspondia uma participação, em forma de pequenas pensões, nos dízimos das mesmas que, associada à distribuição das prebendas, contribuía, por certo, para “tornar mais procurados tais empregos”. Aliás, as próprias constituições sinodais previam este facto, uma vez que declaravam que uma parte das rendas das igrejas seria sequestrada como paga para as despesas do visitador185.

Estas eram posições, na hierarquia eclesiástica, bastante apetecidas, uma vez que, para além dos avultados rendimentos, permitiam uma “fuga” às funções pastorais inerentes aos benefícios curados, em parte possibilitada por aqueles186. Efectivamente, assim acontecia, pois os principais encargos dos membros dos cabidos que, em média, eram reduzidos, deslocavam-se maioritariamente para o clero paroquial.

No geral, estes eram indivíduos privilegiados na distribuição do produto decimal e que detinham uma relevante influência social, pois estavam presentes na região e eram eles que faziam a ligação entre as paróquias e as estruturas centrais da diocese, o que lhes conferia, certamente, um grande poder local, tanto ao nível económico, como social187.

185 Cf. Constituiçoens Sinodais..., pág. 498.

186 Ana Mouta Faria, “Função da carreira eclesiástica...”, pág. 31 e 33. 187

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