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2 JUSTIÇA RESTAURATIVA COMO MODELO CONTEMPORÂNEO DE

3.4 A ATIVIDADE CONJUNTA ENTRE OFENDIDO/OFENSOR E

84 Em 1988, ao ser criada a nova Constituição Federal Brasileira, de cunho democrático e voltada aos interesses dos cidadãos, fez-se necessário à reflexão e implementação de novos modelos de justiça compatíveis com os anseios sociais da população.

Como pressuposto lógico da afirmação acima elucidada, o direito penal, ao invés de se basear estritamente na repressão (como modo de controle social), teve que começar a repensar seu fundamento a partir dos direitos humanos e da dignidade da pessoa humana.

Levar em consideração uma abordagem democrática, humana e digna do direito penal é, sem dúvida alguma, coligar infrator, vítima e comunidade na resolução do conflito criminal gerado. Sobre o assunto, Saliba menciona:

“O respeito ao interesse da vítima, a manifestação do desviante e o interesse

da comunidade, dentro do Estado Democrático de Direito, são de suma e imprescindível importância para serem determinados os rumos da resposta penal e para adequá-la aos princípios constitucionais mencionados. Afastar- se dos princípios é desrespeitar a Constituição, o que macula qualquer

interpretação” (SALIBA, 2009, p.117).

Dessa forma, é incongruente ainda tutelarmos como bem jurídico protegido com indisponibilidade, por exemplo, o patrimônio. Ora, se a violação do patrimônio atinge, individualmente, os bens de determinada pessoa, como ainda aceitamos a realidade do Estado ser o único responsável pela resolução dessa violação? Como a vítima ainda atua como mera testemunha, se ela é apta a resolver tal situação? Afinal, estamos falando de riqueza, não de vida, integridade física, ou saúde (...) elementos verdadeiramente essenciais à vivência humana em sociedade.

Ao seguirmos tal linha de raciocínio, percebemos que é demasiadamente “irracional” a forma como o sistema punitivo ainda atua na contemporaneidade. Ao elegermos a retribuição e o castigo como modelo de justiça aplicado à violação de determinado bem disponível, justificamos o império capitalista, patrimonialista (...) e esquecemos de levar em consideração às necessidades da vítima (as vezes uma explicação, um pedido de desculpa do infrator já é suficiente); do infrator (ao adentrar ao “castigo” são escolarizados- ao invés de ressocializados- na realidade do crime organizado) e da sociedade (que sempre continuará com o sentimento de descredibilidade e desconfiança com a segurança pública oferecida pelo Estado).

85 Sobre o assunto, Ferrajoli (2002) menciona que a grande dificuldade da atualidade está em, justamente, definir os bens tidos como disponíveis e indisponíveis. Todavia, para ele, uma certeza é configurada: não há como pensarmos que o Estado tenha maior interesse em resolver conflitos estritamente individuais do que o próprio particular, ou seja, por exemplo, soluções de conflitos oriundos de violações de patrimônio e propriedade são mais eficazes quando envoltos à autonomia da vontade da vítima.

Não confundamos, entretanto, autonomia da vontade da vítima, com a hodierna vingança privada. Para existir legitimidade num modelo que trate, conjuntamente, ofensor, ofendido e sociedade, em primeiro lugar, a vítima deve ter espaço e voz de decisão na relação penal; em segundo lugar, o tratamento ofertado ao infrator deve estar arraigado ao respeito e à dignidade da pessoa humana; e, finalmente, a sociedade deve possuir como função à mediação, conciliação, ressocialização, reinclusão social.

Ao alcançarmos um modelo baseado na interação, no diálogo, na igualdade das partes (...) promovemos uma maior efetividade dos direitos humanos: efetivamos uma igualdade material àqueles fadados ao etiquetamento e à estigmatização.

Para tanto, faz-se necessário uma reavaliação acerca dos novos valores coexistentes na sociedade. Ora, o direito, por ser fruto de uma realidade social, cultural, ele não pode ser considerado estaticamente, em razão de estar sempre em transmutação. Se assim é, por que ainda somos constrangidos a aceitar um sistema penal falido há tantos séculos, quando, na realidade, já constatamos que seu fracasso é inevitável, e seus valores já não são mais o mesmo?

Ao optarmos por soluções de conflitos baseadas no tripé ofensor-ofendido e sociedade, dedicamos ao Estado a responsabilidade sobre violações que atinjam apenas de maneira geral o interesse da humanidade, da sociedade, dos grupos sociais, como por exemplo, as violações de bens jurídicos verdadeiramente indisponíveis, como a vida.

O intuito de se incluir a sociedade no novo modelo de justiça criminal, como a justiça restaurativa, é o de se viabilizar uma forma de harmonia social que perpasse a relação vítima-infrator e alcance à coletividade.

Dessa forma:

“A imputação de parcela da responsabilidade da resolução de conflitos penais

às partes, considerando que o respeito à dignidade humana significa respeitar a capacidade dos membros da sociedade de solucionarem estes conflitos, quando envolvidos, significa a adoção de um direito penal de características

86 A evolução histórica tem revelado, portanto, que ao eleger os direitos humanos e, consequentemente, a dignidade da pessoa humana como princípios básicos da relação humana em sociedade, a humanidade abre portas à alteridade e a solidariedade entre as pessoas.

Assim, aos poucos, o litígio passa a dar espaço à conciliação. O Estado Democrático de Direito materializa, ao mesmo tempo, a democracia e os novos valores sociais, mas também reafirma à importância da atividade jurisdicional na organização, legitimação e socialização de novas formas de soluções de conflitos penais que considere, igualmente, as tomadas de decisões de ofensor, ofendido e sociedade durante a existência do conflito penal.

Conforme as palavras de Saliba que (2009, p.126): “Na modernidade, o sistema penal punitivo tradicional cumpriu seu papel dominador e excludente, mas, agora, para o rompimento com aquele paradigma, uma nova leitura se impõe”. Dessa forma, a abertura de valores democráticos como a participação popular, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, a igualdade (...) são incompatíveis com os valores tradicionais arraigados ao sistema penal tradicional. A exclusão, a arbitrariedade da força, a inexistência de ressocialização, a dupla vitimização (...) têm comprovado, frequentemente, a deslegitimação do direito penal, fazendo-o passível, portanto, de modificação.

3.5 MINIMALISMO GARANTISTA: REDUCIONISMO, DESCRIMINALIZAÇÃO E