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2 JUSTIÇA RESTAURATIVA COMO MODELO CONTEMPORÂNEO DE

3.5 MINIMALISMO GARANTISTA: REDUCIONISMO, DESCRIMINALIZAÇÃO

Sem dúvida alguma, não há como falarmos em minimalismo garantista sem o relacionarmos com grandes teóricos como Baratta, Ferrajoli e o próprio Zaffaroni (antes deste se tornar um dos maiores representantes do abolicionismo penal). Em sentido amplo, os pressupostos do minimalismo penal foram alicerçados desde o iluminismo, quando Beccaria, apesar de aceitar o direito penal, buscou “alternativas humanistas de redução de sua incidência” (BIANCHINI, 2013, p.01).

O minimalismo, reducionismo, direito penal mínimo, embora não signifique o mesmo que abolicionismo pode ser considerado como uma vertente moderada deste movimento. Sobre o assunto, Cervini (2004) menciona que o direito penal mínimo não apresenta como intuito o término do direito penal, mas, objetiva minimizar sua utilização na seara dos conflitos penais, incentivando a descriminalização (que reduz a

87 aplicação deste tipo de direito) e a despenalização (que interfere na intensidade e grau da resposta do Estado).

A originalidade e a adequação social do direito penal mínimo tem ganho, ao longo dos anos, cada vez mais adeptos. Especialmente após a década de 90 do século passado, com o insustentável aumento da população carcerária no Brasil e no mundo, o reducionismo, que coligou a doutrina minimalista à garantista, tem sido proporcionador de novos modelos de justiça criminal, mais condizente com a realidade carcerária existente.

Nesse sentido, a justiça restaurativa, como nova forma de justiça criminal sugerida, por ser arraigada aos ideais do direito penal mínimo e, principalmente, à descriminalização e despenalização, tem como objetivo afastar a incidência, ilegítima, de um “sistema penal que incrimina e pune condutas que não ensejam a resposta penal, exigindo uma racionalização para a legitimação” (SALIBA, 2009, p.132).

E é sobre esse assunto que nos atearemos, a partir do próximo item.

3.5.1 Justiça restaurativa, descriminalização e despenalização

Para pensarmos em cruzamentos paradigmáticos que justifiquem a construção de um novo sistema punitivo, devemos ter em mente duas premissas jurídicas a serem observadas: primeira- não é do interesse do Estado e da sociedade que infrações sejam cometidas, então que trabalhemos a prevenção; segunda- uma vez consumada determinada violação, apenas em último caso (ultima ratio) é que a pena privativa de liberdade deve ser levada em consideração, afinal, não é do nosso interesse a propagação da não ressocialização e o reforço do etiquetamento e da estigmatização.

Assim, como já visto, o fracasso da pena privativa de liberdade tem feito com que, a passos largos, mecanismos alternativos surjam. Tais medidas tem como escopo, justamente, a substituição da reclusão e da detenção por medidas mais condizentes com os anseios de uma sociedade democrática como, por exemplo, a Justiça Restaurativa .

Com a comprovada ineficácia do sistema punitivo e a constatação que o modelo criminal deve ter como meta a prevenção, restauração e recuperação, inicia-se um novo movimento a fim de que a descriminalização e despenalização dê espaço à inclusão, socialização e pacificação social.

Ocorre descriminalização quando o crime deixa de existir, ele não mais é tido como ilícito. Dotti menciona que descriminalizar “significa retirar o caráter criminoso

88 de determinado fato ou converter o ilícito criminal em qualquer outra forma de ilícito, civil, administrativo, tributário” (DOTTI, 2004, p.75). Já por despenalização, o crime existe, mas, inexiste a pena. Sobre o assunto Zaffaroni nos ensina que é: “o ato de ‘degradar’ a pena de um delito sem descriminalizá-lo, no qual entraria toda a possível aplicação de alternativas às penas privativas de liberdades” (ZAFFARONI, 2004, p.340).

A descriminalização aborta o direito penal. A despenalização, de maneira contrária, o mantém vivo, mas, lhe garante uma atuação, por parte do Estado, mais democrática e menos repressora. Conforme sabiamente explana Saliba (2009, p. 140):

“a despenalização mantém vivo o direito penal, todavia, não significa,

igualmente, mantença dos aparelhos repressivos do Estado, que podem ser mitigados e até suprimidos em casos diversos por meios não estigmatizantes

ou violadores dos direitos humanos”.

Os doutrinadores defensores da descriminalização e da despenalização acreditam que a punição, o castigo, a retribuição (...) em nada contribui para a ressocialização. Segundo eles, apenas a partir da educação, da inclusão, da socialização, envolta à alteridade, ao multiculturalismo é que talvez encontremos a substituição do ódio (oriundo da realidade do labbeling approach) pela harmonia social, a partir da igualdade material, e não formal.

Assim, ao levarmos em consideração a descriminalização e a despenalização como elementos democráticos de resolução dos conflitos criminais, a Justiça Restaurativa visa à implementação de uma justiça mais humana, justa, legítima e socialmente apta ao estabelecimento da restauração, harmonização e pacificação do convívio social.

Apenas a Educação em Direitos Humanos (preventiva) associada à justiça restaurativa (restauração dos laços sociais) está apta a viabilizar uma nova práxis humanizadora tanto para infrator quanto para vítima. Do ponto de vista do infrator, reduzir a incidência do direito penal faz com que se evite a multiplicação de sentimentos de revolta como este: “já me tiraram a comida e o sol, já levei chute e bofetada. Abriram as pernas da minha mulher, arrancaram a roupa da minha mãe. Não tem mais o que tirar de mim, só ódio”, declarado pelo preso J.M.E, de 31 anos, recluso no Rio de Janeiro (depoimento arquivado na Associação dos Magistrados Brasileiros). Já por parte da vítima, evita-se afirmações como W.G.N, 45 anos, pai que perdeu filha, morta em

89 homicídio culposo, em Santa Maria, Rio Grande do Sul: “o sentimento é de revolta”(Governo do Estado do Rio Grande do Sul- análise de política de segurança pública).

A Educação em Direitos Humanos, em todos os níveis, intenta prevenir à sociedade de práticas típicas, ilícitas e culpáveis a partir, especialmente, da educação dos sentimentos e da função pedagógica da lei (conceitos que serão bem analisados a seguir, no nosso próximo capítulo).

Já a justiça restaurativa, atua após a violação do bem jurídico protegido. Utilizando-se da educação em direitos humanos, da educação dos sentimentos, da função pedagógica da lei (...) em seus vários círculos restaurativos, ela visa, a partir da interação, diálogo e reflexão das partes, a construção da autoconscientização, da noção de responsabilidade, do reconhecimento do erro e, finalmente, à restauração e harmonização social.

E são sobre esses anseios que este trabalho se ocupa até o presente momento. É bem verdade que, até agora, o escopo maior foi na história do sistema, na crise do modelo punitivo, na própria justiça restaurativa e no quanto a proposta desta está relacionada com as diretrizes dos direitos humanos e com a dignidade da pessoa humana. Mas, nosso objetivo maior não é a análise sobre a violação (e suas consequências) do bem jurídico protegido, mas, fazer com que se evite tal violação, ou seja, é a prevenção de qualquer ofensa a bem jurídico protegido pelo direito penal. Dessa forma, é sobre a educação em direitos humanos que esse trabalho se ocupará na seção a seguir.

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