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De acordo com Bulos (2008), entende-se por Estado Democrático de Direito o Estado cujo poder emana do povo e que garante a defesa, proteção e garantia dos direitos fundamentais como prioridades envoltas à essência humana.

Especificamente no Brasil, o Estado Democrático de Direito se consolida no artigo 1º, da Constituição Federal Brasileira de 1988, juntamente com os princípios fundamentais da soberania, cidadania, dignidade da pessoa humana, valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político.

Justamente por estar atrelado a esses princípios, não há como tomarmos como eficiente um sistema de sanção penal envolto à retribuição, à exclusão, ao etiquetamento, à estigmatização (realidades opostas à dignidade da pessoa humana e a cidadania).

Portanto, este item tem como intuito fazer uma abordagem e uma correlação entre questões referentes ao Estado Democrático de Direito e às sanções penais existentes no mundo atual (e no quanto elas são ineficazes e excludentes quando investigadas a partir de uma abordagem democrática e humana de direito, conforme se verificará nas próximas linhas).

1.3.1 Interfaces do Direito Constitucional e do Direito Penal

Na contemporaneidade, os Estados subdividem seu poder em três esferas (Legislativo, Executivo e Judiciário) cuja competência de cada uma delas é delimitada na denominada Carta Magna ou, simplesmente, Constituição. Os direitos e garantias fundamentais constituem alguns desses limites esboçados. Para tanto, a relação entre a forma do exercício do poder e os limites constitucionais estabelecidos pelos direitos fundamentais, direcionam o Estado numa nova maneira de exercer, efetivamente, um novo paradigma de poder legítimo.

32 Não há, portanto, como entender o direito sem que seja a partir de uma interdisciplinaridade entre suas diversas áreas. O direito penal, assim, está imbricado, necessariamente, não apenas aos outros ramos do direito, mas, especialmente, ao direito constitucional (e aos direitos humanos).

A Constituição é a diretriz de determinado povo cujos fundamentos são traçados pelo legislador constituinte originário. A nossa, ao instituir em seu artigo 1º, inciso III, o Estado democrático de direito e a dignidade da pessoa humana como fundamentos essenciais à sociedade brasileira revogou, automaticamente, algumas normas do Código Penal de 1940, que perdem suas validades e eficácias nos dias atuais.

Isso ocorre porque no período de elaboração do Código Penal de 1940, a sociedade da época possuía outros direitos fundamentais que não eram alvos primordiais da proteção atual. Dessa forma, é incoerente levar em consideração bens jurídicos que deixaram de ser alvo de proteção, ou, não proteger bens jurídicos os quais passaram a ser escopo da proteção constitucional hodierna.

Não há como se entender Pena e Estado de maneira dissociada. Ao ser a Constituição a suprema manifestação legal da política penal de um Estado, ela revela não apenas a sanção penal eleita por este, como também, os moldes sociais, econômicos e políticos adotados pela forma de Estado que se utiliza de tal sistema sancionador. Para tanto, faz-se necessário um melhor entendimento acerca do que vem a ser Estado (social e) democrático de direito na configuração brasileira, conforme será visto na seção a seguir.

1.3.2 O Estado Democrático de Direito (no Brasil)

De acordo com os ensinamentos de Mendes & Gonet Branco (2014), o denominado Estado democrático de direito teve inicio com o intuito de promover uma maior participação popular, tanto nos direcionamentos que o Estado deveria seguir, quanto na efetivação dos direitos constitucionais e humanos que ele deveria alcançar.

No Brasil, não há como falarmos em Estado (social e) democrático de direito sem o relacionarmos com o vínculo hierarquizado que as normas apresentam; com o reflexo social que elas revelam; ou com o atributo do sucesso (ou insucesso) da política adotada. Ao associar a dignidade da pessoa humana ao Estado democrático de direito nacional, o legislador brasileiro procurou mesclar princípios do Estado social e do

33 Estado liberal, construindo uma social democracia que deveria ser única, equilibrada e harmonicamente ponderada entre a igualdade e a liberdade de tais elementos.

Comprova-se, portanto, que a democracia, mesmo diante de todos os seus vícios comumente observados, ainda é a forma mais adequada de governo, apta a fomentar a atmosfera de um verdadeiro Estado Democrático (e Social) de Direito, inclusive em seara nacional.

1.3.3 O Estado Democrático de Direito e Direito Penal

Nos dias atuais é bastante comum encontrarmos na comunidade jurídica brasileira o sistema liberal-individualista de direito penal. Tal modelo ainda tem como escopo o conflito entre os indivíduos, diferentemente da tendência contemporânea que perpassa a esfera indivíduo-indivíduo, ao alcançar o transindividualismo.

O direito penal atual, portanto, não apenas se preocupa com a resolução das relações horizontalizadas. Ele busca uma saída ao caos sistêmico hodierno, a fim de que se possa consolidar a transformação social da coletividade; a tutela dos bens jurídicos os quais ultrapassam o indivíduo; finalmente, os aspectos unicamente subjetivos abarcados por tal campo do saber.

De fato, não há como possuirmos uma definição concisa de bem jurídico protegido, se a realizarmos a partir de um direito penal (e processual penal) apartado da Constituição Federal. Isso porque, o Estado Democrático de Direito apresenta, obviamente, contornos totalmente diversos, das demais formas de Estado que existiram, no transcorrer do tempo, na humanidade.

Eis que surge, como preleciona Moreira (2008), a visão individualista liberal- iluminista versus a comunitarista-garantista em que:

“estes buscam introjetar uma série de valores constitucionais de feição

coletiva na concepção de bem jurídico penal, aqueles, ainda presos às matizes penais iluministas, resistem à extensão da função protetora penal aos bens de

interesse da comunidade” (MOREIRA, 2008, p.94).

Na medida em que possuímos a coação e a imposição da sanção como elementos cruciais à aplicabilidade e à eficácia do direito penal, não há como não os relacionarmos, respectivamente, com os princípios e valores constitucionais e a própria Constituição.

34 A pena, instrumento que exprime os ideais gerais da sociedade, deve estar não apenas atrelada às diretrizes de um Estado (Constitucional) democrático de direito, ela perpassa tal realidade. Ela é também norteada pela dignidade da pessoa humana a qual, por sua vez, é materializada a partir de concepções universais de valores essenciais à humanidade, tais como vida, liberdade, igualdade, entre outros.

Assim, ao nos depararmos com a atuação do Estado democrático de direito na seara penal, percebemos uma significativa diminuição da intervenção estatal punitiva em âmbito individual (de maneira a não se ferir as liberdades individuais) e, em contrapartida, existe uma forte tendência (que cada vez mais cresce) em se viabilizar, por parte do legislador, prestações positivas envoltas às ideias de prevenção e (verdadeira) ressocialização.

Deste modo, ao ser a Constituição, no Estado Democrático de Direito, a norma matriz responsável por toda organização do Estado brasileiro, não há como se manter um direito penal oposto aos seus direcionamentos. Ao contrário, toda a base, conjuntura e contexto de tal texto legal, devem estar diretamente vinculado à Carta Magna, sob pena de invalidade e ineficácia amparadas pela inconstitucionalidade, ou seja, questões não pertinentes aos ditames atuais do direito em geral.