• Nenhum resultado encontrado

1.5 A REFORMA PENAL DE 1984 E AS PENAS ALTERNATIVAS

1.5.1 A reforma penal de 1984

A parte geral do Código Penal brasileiro expõe uma política criminal voltada à proteção da sociedade, que restringe as penas privativas de liberdade às situações de reconhecida necessidade, como forma eficaz de obstar a desenvoltura da ação criminógena dentro dos cárceres.

Por óbvio, esta reflexão está arraigada à necessidade de procurar outras sanções, substitutivas, a fim de que elas possam alcançar os infratores relacionados aos crimes sem periculosidade ou crimes menos gravosos.

Já vimos que o sistema penal é insuficiente à resolução dos problemas envoltos ao encarceramento e que a ressocialização do condenado se revelou não apenas como escassa, como também foi frustrada em todos os seus aspectos. Na verdade, a (re) educação moral e social do condenado é tida como inviável, de maneira que o

41 isolamento do recluso da sociedade, longe de proporcionar sua reintegração atua, na realidade, como propiciador de todas as consequências acima já descritas como, por exemplo, o aviltamento da personalidade do preso.

É bem verdade que não é unicamente a atual situação do sistema prisional a responsável pela reincidência. Como mencionado por Sá (2013), na busca do interdito secundário, materializado a partir das necessidades mínimas de manutenção à dignidade da pessoa humana, há a influência (no cometimento do crime) da má distribuição de renda, da precariedade no sistema educacional, da escassez de oportunidades ao trabalho, enfim, de diferentes atributos que dificultam o exercício de uma vida dentro dos padrões almejados pelo índice de desenvolvimento humano.

Eis que surgem, portanto, na reforma de 1984, algumas alternativas subsidiárias ao insucesso do cárcere. As penas passam a ser substituídas por outras sanções que não unicamente a prisão e a multa, viabilizando, destarte, a manutenção do condenado na sociedade, inclusive com a conservação normal de seu poder laboral.

Ou seja, ao invés de despesa o que se efetiva é receita. O sujeito mantem, normalmente, seus deveres na sociedade e, em contrapartida, há uma economia nos gastos que seriam direcionados a ele, por parte do Estado. De acordo com Martins (2008, p.28): “(...) estima-se que o custo dessas medidas é de um décimo do que se apresenta o encarceramento, podendo alcançar um trigésimo em programas de trabalho”.

Dessa maneira, a reforma de 1984 traz como grandes substitutos legais à pena privativa de liberdade: a prestação de serviço à comunidade, a interdição temporária de direitos, a limitação de fim de semana e a multa substitutiva.

A prestação de serviços à comunidade diz respeito à obrigação imposta ao condenado em realizar atividades gratuitas junto a locais que cubram alguma espécie de assistência, sejam eles hospitais, escolas, orfanatos ou outros estabelecimentos semelhantes (comunitários ou estatais).

Há uma característica retributiva na prestação de serviços, que mescla as noções de reprovação e prevenção. Assim, tal efeito sancionador produz resultados tanto no condenado, diretamente, quanto na coletividade, indiretamente.

Em tese, o escopo dessa medida tem como intuito fazer com que o condenado descubra o quanto é agradável e útil laborar para a coletividade. Revelando-o quanto lhe é vantajoso desenvolver um trabalho sério e honesto, ao invés de agredir a sociedade a partir da prática da ação criminosa cometida.

42 A interdição temporária de direitos está relacionada: com o exercício de cargos ou funções da Administração Pública; profissão que exija licença do Poder Público e, finalmente, a suspensão de autorização ou de habilitação para dirigir veículo.

A abstenção de laborar em cargo, função ou, até mesmo, mandato eletivo está relacionada com o interesse da Administração Pública nos seus diversos poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) e na prevenção da reincidência criminosa nessas esferas, representantes de todo um interesse coletivo.

Com relação ao exercício profissional de atividade que apresenta como pré- requisito licença do Poder Público, ocorre que o sujeito passa a ser proibido de exercer suas atividades hodiernas, relacionadas à prática profissional, quando for condenado por infrações vinculadas à desenvoltura errônea ou abusiva de sua capacitação profissional.

Já a suspensão de autorização ou de habilitação para dirigir veículo é alvo de grandes críticas no cenário nacional. Isso porque, cada vez mais, tal medida tem se demonstrado ineficaz, a partir do momento em que não existe nenhum tipo de controle nas emissões e vistorias de carteiras de trânsito nacionais.

A limitação de fim de semana é inviável de aplicabilidade em seara nacional. O que significa que o cumprimento da pena privativa de liberdade em regime aberto não corresponde ao que a lei prevê. Não há estrutura que viabilize a casa do albergado e todos os programas institucionais a ela envoltos, então, opta-se pelo albergue domiciliar em que somente pode ser deferido se acobertado pelo artigo 117 e incisos da Lei de Execução Penal.

Finalmente, a multa substitutiva completa as penas alternativas abarcadas pela reforma penal de 1984. Entretanto, a pena de multa não é novidade das diretrizes trazidas em dito ano, ao contrário, já era utilizada anteriormente, ou de maneira isolada, ou cumulativamente com a pena privativa de direito.

Nos dias atuais, há um grande avanço no sentido da pena pecuniária ser usada como “uma real e efetiva escolha de pena diferente do aprisionamento, máxime que se abandonou a ideia de sua aplicação somente em conjunto com a pena privativa de liberdade, ou, como já afirmado, em situações extraordinárias, ao arbítrio do julgador” (MARTINS, 2008, p. 41).

A pena de multa tem se revelado de grande eficiência nos crimes de menor potencial ofensivo. A reforma de 1984, ao configurá-la de acordo com as necessidades da sociedade contemporânea, resolveu dois problemas de uma única vez, a saber, a

43 prevenção à reiteração dos crimes e o excessivo número de encarceramento em razão do cumprimento das penas de curta duração.

Ao utilizarmos tais medidas como prioritárias, evitamos que infratores se conheçam, instruam uns aos outros e se associem em ambiente prisional. A longo prazo, evitamos a reincidência caracterizada por ações infracionais mais sérias do que a primária. Mais do que isso, passamos a incutir na sociedade uma esperança em medidas alternativas mais dignas ao cumprimento da pena, onde o cárcere não se revela como a única defesa contra o delito, mas, como verdadeira escola para ele.