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2 JUSTIÇA RESTAURATIVA COMO MODELO CONTEMPORÂNEO DE

3.3 DIREITOS HUMANOS E JUSTIÇA RESTAURATIVA

Como já visto, o sistema criminal atual apresenta várias vicissitudes no que diz respeito ao tratamento dado aos envolvidos na relação jurídica penal. Há violência quando se fere os direitos humanos tanto da vítima, quanto do infrator, mas, em momento algum, estimulam-se a autonomia e o diálogo, únicos elementos aptos ao estabelecimento do acordo e à reconstrução da harmonia (e, consequentemente, da paz social).

Quanto à realidade do infrator, não nos é novidade o fato do sistema carcerário brasileiro prender exacerbadamente, de forma inadequada, e com violação dos direitos previstos em lei. Por ser a população carcerária que mais cresce em todo mundo, a lotação excessiva é um grande problema na nossa organização penal. Diferentemente do que deveria ocorrer, a política criminal não se adéqua à penitenciária existente, ocasionando-se, portanto, uma imensa incongruência entre a atuação pública e o número de presos existentes no sistema carcerário contemporâneo.

Como se a situação do preso já não fosse degradante, ela é extensiva aos seus familiares. Além dos casos de maus-tratos comprovados, existem, também, relatos de humilhação e constrangimento, por exemplo, nas “revistas íntimas”, muitas vezes desacompanhadas de preparo e higiene, da falta de instrumentos especializados (a

82 exemplo de luvas médicas) e acompanhadas de atrocidades como o abuso no toque da área genital.

Além disso, conforme dados colhidos pelo observatório dos direitos humanos, em 2012, outro absurdo fenômeno intrínseco a realidade nacional é o descaso vivenciado com os presos provisórios: além do exacerbado tempo de espera para análise dos processos (cerca de quatro meses), não há defensores públicos suficientes para averiguá-los, assim como, não existe, também, informações para o preso acerca do trâmite do mesmo.

De acordo com as Organizações das Nações Unidas é justamente a forma como o Brasil prende, atrelada a fatores oriundos do abuso do poder, que faz com que ele fomente, por exemplo, o surgimento das facções criminosas.

Já quanto ao polo passivo, há violação dos direitos humanos da vítima a partir do momento que sua voz e vontade não são levadas em consideração. De acordo com Silva (2009), não existe a possibilidade de satisfação e, consequentemente, de reconstrução dos laços pacíficos sociais quando a vítima não atua democraticamente, mas, de maneira contrária, é tida como mera testemunha e, muitas vezes, duplamente vitimizada. Mais do que isso, não há como crer na eficácia da segurança atual, quando a pessoa que teve seu bem jurídico violado se vê, anos depois, novamente, prejudicada por quem outrora a ofendeu.

Como podemos perceber, ao longo das poucas palavras aqui elucidadas, nos deparamos com a realidade desumanizante envolta ao processo criminalizante e punitivo intrínseco à Justiça Retributiva. Dessa forma, a Justiça Restaurativa surge não apenas como alternativa à humanização, como também, brota com o intento de proporcionar a restauração da paz anterior. Portanto, possui como objetivo promover a inclusão social atrelada aos direitos humanos que, consequentemente, é inseparável da democracia.

Uma grande incongruência visível no nosso sistema penal vigente é o fato dele envolver, em seus polos, de um lado, na esfera punitiva, o infrator pobre e desamparado, e, do outro, a vítima ignorada e desassistida. Nesse sentido, Silva (2010, p. 166) sugere a Justiça de Proximidade “para os envolvidos no conflito como uma opção por uma política criminal humana, inteligente e criativa”.

Esse modelo de proximidade fundamenta-se, como já mencionamos, na efetiva participação da vítima, a qual enfrenta, junto com a comunidade, o infrator. A partir dessa interação ocorre o que iremos sugerir na seção intitulada “Educação em Direitos

83 Humanos como educação para paz”. Há, a partir do diálogo entre todos os envolvidos, uma reconstrução das funções e valores a partir da intersubjetividade, da partilha, da

negociação, a fim de que se (re) construa à pacificação social a partir do encontro de uma solução justa, e não de uma vingança.

Assim, a Justiça Restaurativa visa resolver a situação de violência a partir de uma perspectiva que é atrelada ao respeito, à conversação, à inclusão social. A partir do momento que temos a reparação daquele que foi mais afetado (à vítima), existe uma reconfiguração que supera qualquer sistema legal punitivo, porque o reconhecimento do erro (por parte do infrator) tanto é importante para a vítima (que tem explicitamente reconhecida a interferência ilegal no seu bem jurídico protegido) quanto para o próprio infrator (que ao reconhecer seu erro e as consequências a ele atrelada, possui a oportunidade de diminuir ou reparar a ação delituosa realizada e, ao mesmo tempo que restaura a situação, ressocializa-se).

Em termos práticos, a justiça restaurativa tem comprovado, por meio das pesquisas a ela envoltas que, de fato, ela é uma alternativa real à nova perspectiva democrática e “humana” do mundo. Conforme Pedro Scuro Neto (2005) revela, em países como Austrália, Inglaterra, País de Gales, Canadá e Estados Unidos o índice de satisfação na resolução do conflito, a partir da justiça restaurativa, varia entre 90 e 95%. No que diz respeito à Colômbia (a exemplo de país da América Latina) e ao Brasil (país objeto do nosso estudo), a Escola de Magistratura do Rio Grande do Sul menciona que desde que a Justiça Restaurativa foi implementada em Bogotá, Colômbia, a reincidência em homicídio diminuiu em 30%. Já no Brasil, especificamente a partir de dados coletados no Estado do Rio Grande do Sul, constatou-se que desde 2005 (ano da implementação da Justiça Restaurativa no Estado em análise) mais de 2.583 pessoas foram atendidas pela Central de Práticas Restaurativas. Dessas pessoas, verificou-se que aproximadamente 70% delas revelaram satisfação com a resolução da situação a qual os envolveram na seara criminal, quer como sujeitos ativos ou passivos.

Dessa forma, comprova-se a eficácia que esse tipo de justiça tende a exercer no mundo contemporâneo. Para tanto, faz-se necessário uma verdadeira e legítima interação que leve em consideração, conjuntamente, vítima, infrator e comunidade, realidade que abordaremos na seção a seguir.