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A atividade consciente na teoria histórico-cultural

No documento Trabalho, Educação e Lazer (páginas 110-115)

Partimos do pensamento marxiano sobre as relações entre a vida e a formação da consciência dos homens quando, ao analisar a realidade concreta, exclui-se toda possibilidade de explicação do fenômeno psíquico pela metafísica ou por qualquer outra teoria idealista.

A consciência, na psicologia histórico-cultural, é constituída pelas condições históricas concretas e, portanto, é mutável. Rubinstein (1965) concebe que o processo de formação da consciência vincula-se a uma forma de vida entre homens, quando estes superam a existência isolada e estabelecem relações com o mundo e com os outros homens. Na dimensão social da existência humana, o processo de formação da consciência ocorre quando o homem “é capaz de subordinar sua vida a algumas obrigações, de fazer-se responsável pelos atos que têm participado e do que deseja fazer” (RUBINSTEIN, 1965, p. 368-9).

Ao longo da história da humanidade, o desenvolvimento da consciência vincula-se à atividade socialmente organizada, especialmente

ao trabalho como atividade humana que transforma a natureza externa e o próprio homem, num movimento dialético e constante. Entende- se, portanto, em concordância com pressupostos marxistas, que não é a consciência que determina a vida, mas é a vida que determina a consciência. Em relação ao trabalho enquanto atividade vital humana, Leontiev (1970?, p. 98) ressalta que “a consciência do homem se transforma com a estrutura da sua atividade”, ou seja, conforme a atividade do sujeito é transformada a partir das formas concretas de sua existência, a consciência também se transforma. Dessa forma, a consciência assume particularidades diversas de acordo com as condições sociais da vida em sociedade, recebendo influência das múltiplas determinações, das quais não se excluem as relações políticas e econômicas. Entende-se, portanto, que “a consciência do homem é a forma histórica concreta do seu psiquismo” (LEONTIEV, 1970?, p. 94).

Outra característica a ser ressaltada no movimento de

constituição da consciência é que esta é sempre uma atividade cognoscitiva

sobre a realidade ou algum objeto que existe independentemente de se ter consciência de sua existência e, portanto, que existe fora da própria consciência. Assim, este princípio materialista de explicação da realidade nos reporta ao fato de que ter consciência de alguma coisa vincula-se ao processo de apropriação de seu significado social, ao reflexo da realidade objetiva na forma de conceito elaborado socialmente.

Como atividade cognoscitiva mediada pelos significados sociais dos objetos e pela estrutura da atividade aos quais os homens se integram, a consciência está intimamente ligada à linguagem como forma social de comunicação na vida em sociedade. Segundo Rubinstein (1965, p. 371), sem a linguagem, a consciência não se objetiva, ou seja, “a língua é a forma social da consciência do homem em sua condição de ser social”. De forma semelhante, Leontiev (1970?, p. 94) reporta-se à consciência como sendo “o reflexo da realidade refratada através do prisma das significações e dos conceitos linguísticos elaborados socialmente”. Conclui-se, portanto, que a relação entre a linguagem e a consciência não está na palavra em si, mas no conhecimento socialmente acumulado e objetivado na palavra, no seu significado social elaborado historicamente.

Nesse sentido, a consciência constitui-se como reflexo psíquico da realidade objetiva, mediada pelas significações sociais elaboradas historicamente, que regula a conduta, a atividade prática e o conjunto de ações realizado pelos sujeitos.

A relação entre a consciência e a atividade prática se objetiva exclusivamente entre os homens, como atividade propriamente humana que se orienta a um objeto para transformá-lo, tendo em vista um resultado inicialmente idealizado que deve ser objetivado ou materializado como o produto efetivo da atividade. Nessas condições, o resultado ou o fim da atividade existe duplamente, em tempos distintos, seja como resultado ideal que se objetiva como produto do pensamento e da consciência, seja como produto real que é a objetivação ou materialização do resultado ideal transformado pelo processo de realização. Concebemos, portanto, que a atividade essencialmente humana desenvolve-se orientada para uma finalidade que se objetiva no produto inicialmente idealizado, transformado em produto real mediante as condições concretas da vida em sociedade. Neste sentido, Vázquez (2007, p. 222) afirma que “toda ação verdadeiramente humana requer certa consciência de um fim, o qual se sujeita ao curso da própria atividade.”

A dupla objetivação da atividade humana, como produto ideal e real, ocorre por meio da atividade cognoscitiva e pela atividade teleológica. Ambas são atividades conscientes que se manifestam como produto da mediação do conhecimento; no entanto, segundo Vázquez (2007, p. 223), “há diferenças importantes, pois enquanto a primeira [atividade cognoscitiva] se refere a uma realidade presente que pretende conhecer, a segunda [atividade teleológica] refere-se a uma realidade futura e, portanto, inexistente ainda”. Outra distinção é que a atividade cognoscitiva não requer uma ação prática efetiva, enquanto a atividade teleológica traz em si a necessidade de sua realização como ação real.

No movimento entre a atividade prática e a consciência deve-se esclarecer que a necessidade da mediação do conhecimento é condicionante para a objetivação da ação real, assim como os fins a serem alcançados na atividade não podem ser limitados a desejos e sonhos a serem conquistados. Trata-se da atividade movida pela necessidade social ou pessoal, cujo motivo desencadeador vincula-se ao objetivo da

atividade que se relaciona diretamente ao seu fim, o produto idealizado a ser transformado em produto real. Para que o objetivo da atividade seja atingido, e a sua finalidade seja objetivada como produto real, é necessário um sistema de ações que é determinado pelas condições concretas da vida em sociedade, as quais determinam as operações a serem realizadas pelos sujeitos. Esse sistema integrado de ações é entendido por Leontiev (1983) como a unidade molar que compõem a atividade humana, o trabalho que transforma a realidade externa e interna ao homem.

Enquanto atividade humana, a atividade prática é explicitada por Vázquez (2007, p. 225):

Como toda atividade propriamente humana, a atividade prática que se manifesta no trabalho humano, na criação artística ou na práxis revolucionária é uma atividade adequada a fins, cujo cumprimento exige […] certa atividade cognoscitiva. Mas o que caracteriza a atividade prática radica no caráter real, objetivo, da matéria-prima sobre a qual se atua, dos meios ou instrumentos com que se exerce a ação e de seu resultado ou produto.

A atividade prática, portanto, deve ser entendida como atividade consciente que requer a transformação da realidade gerando um produto real, que se objetiva ou se materializa por meio da mediação dos significados e dos instrumentos sociais. Portanto, o objeto da atividade é a própria natureza, a sociedade entendida em processo contínuo de transformação e o próprio homem enquanto sujeito concreto, reconhecido como ser social. O fim da atividade é a transformação da realidade concreta, seja ela de natureza social ou natural, em busca da satisfação das necessidades básicas humanas, assim como das necessidades transformadas pela vida em sociedade.

Para que a atividade prática seja considerada práxis, precisa estar vinculada a uma ação que se objetive sobre a realidade concreta que existe independentemente do sujeito que a executa. Assim, a atividade prática enquanto práxis pode ser conformada de acordo com o objeto sobre o qual o sujeito exerce sua ação. Em alguns casos, a práxis tem como objeto o próprio homem como ser social e concreto, entendido como sujeito da própria atividade que se objetiva na transformação da sua própria condição

de existência; em outros casos, a práxis tem como objeto a matéria natural ou artificial, porém não propriamente humana, e seu produto se materializa diante das transformações promovidas pelo sujeito em atividade.

A atividade pedagógica, enquanto uma particularidade da atividade prática, é entendida como a unidade dialética que integra as ações nas atividades de ensino e a atividade de estudo (BERNARDES, 2009). Esta objetiva-se socialmente por ser meio e produto da produção cultural elaborada historicamente. Assim como a linguagem possui sua objetivação social por ser produto da atividade humana, a educação em geral e a atividade pedagógica vinculam-se ao comportamento humano fossilizado (VYGOTSKY, 2001a), que se objetiva socialmente tendo como objetos o desenvolvimento dos sujeitos em atividade e a produção de um instrumento pedagógico que organiza as ações dos sujeitos em atividade. Nesse sentido, a atividade pedagógica tem dupla objetivação.

A primeira objetivação da atividade pedagógica refere-se à finalidade da educação escolar, que é a transformação do desenvolvimento atual dos sujeitos por meio da mediação e da apropriação da produção cultural elaborada historicamente (VYGOTSKY, 2001a). Tal objetivação ocorre como produto da ação do professor na atividade de ensino, quando atua de forma consciente, organizando as ações que visam ao desenvolvimento das funções psicológicas superiores do sujeito que aprende. Entende-se, no entanto, que o produto dessa objetivação (a apropriação do conhecimento e a transformação psíquica dos estudantes e do próprio professor) seja relativo, uma vez que não se pode ter controle sobre a sua materialidade. Tal produto, no entanto, objetiva-se socialmente.

A segunda objetivação da atividade pedagógica relaciona-se à organização das ações na atividade de ensino. A seleção, a identificação do conhecimento teórico-científico a ser ensinado na escola e a definição das condições adequadas para a organização das ações de ensino na atividade pedagógica requerem que o professor tenha se apropriado de conhecimentos no campo da didática, da psicologia da educação e das metodologias de ensino em uma determinada área epistêmica. O produto da ação de organizar o ensino, mediado por conhecimentos necessários para que a finalidade da educação seja objetivada, é a elaboração de um instrumento pedagógico que medeia o conhecimento a ser ensinado aos estudantes em atividade.

Como síntese, concebe-se a atividade pedagógica como práxis por entendê-la: a) como uma atividade essencialmente humana; b) por caracterizar-se como social, envolvendo múltiplas relações que se estabelecem numa coletividade de estudo; c) por ser de ordem sensível- material, uma vez que investiga e propõe intervenções na realidade objetiva; d) por promover transformações na realidade investigada, tanto no campo do psiquismo humano, enquanto produto do desenvolvimento decorrente da aprendizagem, quanto na organização do ensino; e) por ser consciente, tratando-se de uma proposição intencional e sistemática no campo educacional.

Em pesquisas realizadas sobre a mediação simbólica na

atividade pedagógica como práxis(BERNARDES, 2006), verifica-se que esta

somente se objetiva duplamente na realidade escolar quando o professor

tem consciência de sua função social integrada à sociedade de classes e, ao mesmo tempo, compreende os limites reais do ensino quando a organização social, política e econômica não prioriza, nos processos educacionais, a promoção do homem como dimensão universal da condição humana.

Estas questões nos levam a explicitar a dialética presente na constituição da consciência dos sujeitos como condição necessária para que a finalidade da atividade pedagógica, enquanto atividade cognoscitiva e teleológica, objetive-se na realidade escolar.

No documento Trabalho, Educação e Lazer (páginas 110-115)