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O conceito de atividade em Marx, Vázquez e Leontie

No documento Trabalho, Educação e Lazer (páginas 50-56)

Tem-se que não é exclusividade do homem transformar a natureza para sobreviver. Outros seres vivos também se apropriam da natureza para sua existência, transformando-a. Mas o que diferencia o homem dos demais seres vivos é o trabalho concreto, porque essa atividade humana permite que ele transforme a si e a natureza, intencionalmente.

A humanidade, para Marx e Engels (2005, p. 44), tem como pressupostos “os indivíduos reais, sua ação e suas condições materiais de vida, tanto aquelas que eles já encontraram elaboradas quanto aquelas que são o resultado de sua própria ação”.

A forma determinada de atividade dos indivíduos que transforma a natureza e o homem, segundo Marx e Engels (2005), é identificada como trabalho concreto.

O trabalho concreto é uma atividade adequada a um fim, que essencialmente faz os indivíduos tornarem-se homem. Os autores afirmam que a forma física do homem permite que ele trabalhe para sobreviver e se desenvolver, e a execução intencional dessa atividade é o que o diferencia dos animais.

O processo de trabalho concreto tem como elementos constitutivos a atividade adequada a um fim (o trabalho), a matéria em que se aplica o trabalho (o objeto do trabalho) e os meios de trabalho (o instrumento de trabalho).

Nessa perspectiva, afirmam que:

Pode-se distinguir os homens dos animais pela consciência, pela religião ou por tudo o que se queira. No entanto, eles próprios começam a se distinguir dos animais logo que começam a produzir seus meios

de existência, e esse salto é condicionado por sua constituição corporal. Ao produzirem seus meios de existência, os homens produzem, indiretamente, sua própria vida material. (MARX; ENGELS, 2005, p. 44, grifo do autor)

O trabalho concreto, de acordo com Marx e Engels (2005), torna-se primordial na vida do homem, porque, além de criar possibilidades

de manter e desenvolver sua própria existência, ele precisa, antes de tudo, produzir materialmente os bens necessários à sua sobrevivência, pela transformação da natureza.

Segundo os autores, como o indivíduo se transforma quando transforma a natureza, quanto mais acesso e melhores suas condições materiais de trabalho, maiores as possibilidades de o sujeito transformar a natureza e de se transformar, desenvolvendo-se. Desse modo, o que os homens são coincide com a forma e o conteúdo de sua produção.

Assim, afirmam que o desenvolvimento da produção humana e de suas relações sociais transformam, a partir de sua realidade, o pensar e os produtos do pensar do homem, concluindo que a vida é que determina a consciência.

A existência dessa atividade humana, o trabalho concreto, é o que permite aos homens sobreviverem para fazer história.

A atividade humana, exclusiva do homem, não é o mesmo que atividade, um determinado processo de transformação da realidade realizado por homens e outros animais.

Vázquez (1977) esclarece a distinção essencial entre atividade e atividade humana. Segundo o autor, “por atividade em geral, entendemos o ato ou conjunto de atos em virtude do qual um sujeito ativo (agente) modifica uma determinada matéria-prima” (p. 186).

A generalidade desse conceito, para Vázquez (1977), não especifica o tipo de agente (humano, animal, físico); nem a natureza da matéria-prima (corpo físico, vivência); não determina a espécie de atos (físicos, psíquicos, sociais); e o resultado se dá em diversos níveis (novo conceito, novo instrumento, novo sistema social).

Vários atos desarticulados ou justapostos casualmente não permitem que se fale de atividade; é preciso que os atos singulares se articulem ou estruturem, como elementos de um todo, ou de um processo total, que culmina na modificação de uma matéria-prima. Por isso, aos atos do agente e à matéria sobre a qual se exerce essa atividade, é necessário acrescentar o resultado ou produto. O ato ou conjunto de atos sobre uma matéria se traduzem num resultado ou produto

que é essa matéria mesma já transformada pelo agente. (VÁSQUEZ, 1977, p. 186)

A atividade, nessa perspectiva, trata de um processo no qual os atos do agente se voltam para um objeto, uma matéria-prima, resultando em sua transformação.

Esse processo, como explica Vázquéz (1977), pode se manifestar por uma série de atos tão complexos, como a construção de um ninho por um pássaro ou as atividades biológicas e instintivas dos homens.

A atividade, segundo o autor, é determinada pelo passado, por uma realidade que se procura modificar; enquanto a atividade humana tem sua determinação também no futuro.

A atividade propriamente humana só se verifica quando os atos dirigidos a um objeto para transformá- lo se iniciam com um resultado ideal, ou finalidade, e terminam com um resultado ou produto efetivo, real. […] Essa atividade implica na intervenção da consciência, graças à qual o resultado existe duas vezes – e em tempos diferentes: como resultado ideal e como produto real. (VÁZQUEZ, 1977, p. 187)

O exemplo a seguir constata a diferença essencial entre atividade e atividade humana. Marx (2008) difere a atividade da abelha do trabalho de um arquiteto, colocando que por um lado há abelhas que superam mais de um arquiteto ao construir sua colmeia; mas por outro o que distingue o pior arquiteto da melhor abelha é que antes de executar a construção ele a projeta em sua mente.

No entanto, Vázquez (1977, p. 192) deixa claro que nem sempre o que o homem idealiza passa a existir:

a atividade cognoscitiva em si não nos leva a agir. Mas […] se o homem aceitasse sempre o mundo como ele é, e se, por outro lado, aceitasse sempre a si mesmo em seu estado atual, não sentiria a necessidade de transformar o mundo nem de transformar-se.

Desse modo, o autor coloca que “a relação entre o pensamento e a ação requer a mediação das finalidades que o homem se propõe” (1977, p. 192).

Há finalidades que ficam limitadas a desejos e fantasias, outras são acompanhadas da vontade de realização, sendo necessário o conhecimento do objeto, dos meios e instrumentos para transformá-lo e das condições e possibilidades dessa realização.

Nessa perspectiva, o autor explica que quando a atividade teórica (do pensamento) leva a uma atividade prática (ação), há uma transformação da atividade teórica em atividade prática, ou seja, práxis.

O objeto da atividade prática é a natureza, a sociedade ou os homens reais. A finalidade dessa atividade é a transformação real, objetiva, do mundo natural ou social para satisfazer determinada necessidade humana. E o resultado é uma nova realidade, que subsiste independentemente do sujeito ou dos sujeitos concretos que a engendraram com sua atividade subjetiva, mas que, sem dúvida, só existe pelo homem e para o homem, como ser social. (VÁZQUEZ, 1977, p. 194)

Há uma grande quantidade e variedade de objetos e conhecimentos existentes no mundo ao qual o homem se apropria de seu significado e desenvolve sentidos, mas muitas vezes sequer questiona sobre quem os idealizaram.

Segundo Leontiev (1964), ao nascer, o homem já encontra um mundo de objetos e fenômenos criados pelas gerações precedentes. Isso somente é possível porque os homens realizam uma atividade criadora e produtiva: o trabalho. Pela linguagem e pela atividade humana, são transmitidas às novas gerações a cultura, as quais se apropriam dessa riqueza participando no trabalho e nas diversas formas de atividades sociais, desenvolvendo as aptidões especificamente humanas.

O trabalho, para o autor, é a atividade humana fundamental que cria com a sociedade humana os fenômenos externos da cultura material e intelectual. A cultura é uma forma particular de fixação e de transmissão às gerações seguintes das aquisições da evolução.

Pela sua atividade, os homens não fazem senão adaptar-se à natureza. Eles modificam-na na função do desenvolvimento de suas necessidades. […] Os progressos realizados na produção de bens materiais são acompanhados pelo desenvolvimento da cultura

dos homens; o seu desenvolvimento do mundo circundante deles mesmos enriquece-se, devolvem-se a ciência e a arte. (LEONTIEV, 1964, p. 283)

O processo de trabalho concreto, apesar de ser executado pelo sujeito, é uma atividade que representa a produção da humanidade, pois o conhecimento que esse indivíduo possui antes de idealizar o produto foi elaborado e transmitido por homens que o antecederam. Desse modo, a autoprodução humana consiste na transformação de si e da natureza, transformação que possibilita o desenvolvimento de novas habilidades, novos conhecimentos e valores pelo homem, o que influencia o desenvolvimento humano.

Leontiev (1988) explica a estrutura da atividade, afirmando que, dependendo do sentido que os atos humanos adquirem para o sujeito, o processo é apenas uma ação.

Por atividade, Leontiev (1988, p. 68) a designa como “os processos psicologicamente caracterizados por aquilo a que o processo, como um todo, se dirige (seu objeto), coincidindo sempre com o objetivo que estimula o sujeito a executar esta atividade, isto é, o motivo.” Em outras palavras: o motivo inicial do sujeito que procura satisfazer uma necessidade, designada pelo autor como necessidade especial, corresponde à finalidade da atividade, voltada para o seu objeto.

Distingue-se atividade de ação colocando que a segunda trata de um “processo cujo motivo não coincide com seu objetivo, (isto é, com aquilo para o qual ele se dirige), mas reside na atividade da qual ele faz parte” (LEONTIEV, 1988, p. 69).

A ação refere-se aos atos do sujeito. Estes atos quando realizados pelo homem de forma casual e desarticulado do objetivo da atividade ao qual faz parte, tratam-se de ações. Mas quando as ações são realizadas de modo estruturado pelo homem, visando atingir a um objetivo que motivou o sujeito a agir, tornam-se uma atividade.

A atividade se realiza por meio de uma ou mais ações, e estas últimas são executadas de diferentes modos, diferentes operações. Estas últimas referem-se ao “modo de execução de um ato. Uma operação é o conteúdo necessário de qualquer ação, mas não é idêntica a ela” (LEONTIEV, 1988, p. 74).

A ida a um parque num momento de lazer com a intenção de descansar e divertir, por exemplo, o indivíduo pode passear no local a pé ou de bicicleta, executando de diferentes modos a ação de se locomover ao realizar essa atividade de lazer.

Analisemos a estrutura da atividade, formada pelos elementos: motivo (necessidade), objeto, ações, operações e finalidade.

O trabalho, como atividade humana, tem como objetivo (motivo) satisfazer necessidades humanas e produz (ação) para essa satisfação. Pelo trabalho concreto, o homem transforma a natureza e se humaniza (objeto), pois toma consciência de suas necessidades e dos meios para satisfazê-las (operação), buscando criar um produto (finalidade) que traga satisfação às suas necessidades.

Importa ressaltar que as ações podem se tornar atividades, desde que o sentido da ação para o sujeito se altere e coincida com o significado de determinada atividade. Desse modo, considera-se essencial a intencionalidade das propostas de ação que devem possibilitar ao homem seu desenvolvimento, permitindo que o motivo que o leve a realizar uma ação se volte para o objeto dessa ação, e que, essencialmente, essa ação se transforme numa atividade que tenha como finalidade ideal e real um produto satisfatório à necessidade do homem.

Leontiev (1988) explica que para distinguir uma atividade de uma ação é preciso saber o que o processo representa para o próprio sujeito. Desse modo, coloca como elementos importantes o significado e o sentido da atividade para o sujeito e para a sociedade.

De acordo com o autor, o significado é um produto histórico originário de condições objetivas que reflete a realidade existente por meio de uma generalização. Sob a forma de conceitos e modos de ação elaborados historicamente pelos homens, os significados sociais medeiam as relações entre o homem e o mundo que, desde o nascer, apropria-se dos significados históricos no processo de humanização.

O sentido, para o autor, surge da relação objetiva entre o que incita a ação do sujeito, o motivo da atividade, e o resultado para o qual sua ação se dirige, a finalidade da ação.

O autor explica que o sentido nunca é puro, sempre é sentido de algo, de uma significação, sendo os significados mais estáveis enquanto

os sentidos se modificam de acordo com a relação do sujeito com os fenômenos objetivos conscientizados por ele. Desse modo o sentido se exprime na significação, e não o contrário.

O trabalho12 executado de acordo com o processo exigido pela

atividade (motivo/necessidade, objeto, ação, operação, finalidade), em

que o sentido coincide com o significado da atividade, e há um produto

para satisfação de uma necessidade humana, trata-se de uma atividade humana. No entanto, há condições em que o trabalho se realiza de forma

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