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Algumas considerações

No documento Trabalho, Educação e Lazer (páginas 78-85)

A apropriação de novos conhecimentos, valores e o desenvolvimento de novas habilidades possibilitadas pelas atividades humanas em geral faz com que o homem produza melhor e de forma mais rápida os bens necessários à sua sobrevivência e à satisfação das demais

17 Marcellino (1987) uti liza a expressão educação pelo e para o lazer considerando Marcellino (1987) utiliza a expressão educação pelo e para o lazer considerando este último em seu duplo aspecto educativo: como veículo e como objeto da educação, numa perspectiva que possibilita o desenvolvimento pessoal e social dos indivíduos. Mas o autor também expõe que a educação pelo e para o lazer pode adquirir características funcionalistas, contrárias ao que o mesmo propõe. Segundo Marcellino (1987) a visão funcionalista do lazer possui várias abordagens: a romântica, marcada pela ênfase nos valores da sociedade tradicional e pela nostalgia do passado; a moralista, constituindo a

função do lazer em manter a ordem e segurança social; a compensatória, no qual o lazer

compensa a insatisfação e alienação do trabalho; e a utilitarista, que vê o lazer como a função

necessidades. O movimento contínuo de ampliação das relações implícitas às condições de trabalho criam novas possibilidades de entendimento e utilização do tempo pelo homem, tendo-se em vista as possibilidades reais para seu desenvolvimento.

Porém, diante das condições socioeconômicas descritas neste artigo, os meios de produção visam contemplar, primeiramente, as necessidades do capital, e não necessariamente as necessidades pessoais e sociais. Por vezes, o indivíduo estuda para trabalhar, trabalha para ter lazer, tem lazer para consumir e ajudar a sociedade capitalista contemporânea para que todos tenham trabalho alienado e possam ter lazer, além de ter lazer para descansar e adquirir conhecimentos e habilidades que serão utilizadas no trabalho alienado.

Nesse processo, o movimento de transformação da condição humana ocorre de forma fragmentada e muitas vezes não consciente. Isso faz com que o homem naturalize e considere como sendo suas próprias necessidades aquelas que de fato sintetizam as necessidades de perpetuação e manutenção das relações alienadas centradas no capital.

No entanto, concebe-se ser a partir das atividades humanas, como o trabalho concreto, a educação e o lazer que se pode transformar de fato as condições de existência do homem e da vida em sociedade.

Trazer à reflexão as condições e circunstâncias em que as atividades humanas possam criar possibilidades para a satisfação das necessidades do homem como produtor e consumidor de bens culturais abre uma perspectiva de estudo do lazer para além do vínculo com a mercadoria. Considera-se que a busca pela unidade entre o ter e o ser seja uma condição primordial para a criação de situações de lazer que potencializem o desenvolvimento humano pela via da apropriação da produção humana.

Nessa linha de análise, o ter refere-se aos recursos necessários para a aquisição da cultura, que se apresenta na sociedade capitalista contemporânea na forma de mercadoria. Quanto mais recursos, maiores as chances de acesso aos bens culturais e maiores as possibilidades de os indivíduos adquirirem novos conhecimentos, habilidades e valores. Tal processo, por sua vez, potencializa a força de trabalho do trabalhador que tem maiores possibilidades de optar pela realização de um trabalho

produtivo que lhe possibilite certo desenvolvimento, além de energia e recursos para que usufrua de um tempo necessário à vivência do lazer.

Em se tratando do ser, esse elemento traz a necessidade de as ações de lazer possuírem qualidade tanto na forma quanto no conteúdo. Decorre desta análise que o lazer deve possibilitar a participação, crítica e criatividade dos indivíduos, incentivando-os a se apropriarem dos bens materiais e ideais elaborados historicamente.

De modo dialético, para que ocorra o consumo da cultura, os indivíduos precisam compreender o significado sociocultural e histórico da produção desses bens, assim como precisam se entender como possíveis produtores da cultura. A valorização das diferentes produções culturais e o reconhecimento das suas finalidades e dos seus processos de elaboração fazem com que os indivíduos atribuam sentido às ações de lazer que promovam a apropriação da cultura. No entanto, o processo educativo é primordial para que os indivíduos compreendam e se assumam como consumidores e produtores da cultura, não somente pelo lazer, mas também pela educação promovida pela família, pela escola e pelos movimentos sociais em geral. Nesse sentido, os processos educativos e produtivos são considerados relevantes para a objetivação do processo de transformação da realidade retratada neste artigo.

Outro aspecto relevante que requer empenho político refere- se à diminuição da jornada de trabalho sem a diminuição de salário, elevando o tempo livre para que os indivíduos realizem outras ações de lazer, além daquelas que na sua maioria apenas entretêm o indivíduo. No entanto, apenas garantir a manutenção dos recursos do trabalhador diante da redução da jornada de trabalho não garante que o trabalhador faça uso do tempo livre do trabalho alienado para a vivência do lazer. Considera-se ser necessário transformações de ordens mais profundas na organização da sociedade que permitam aos indivíduos não somente a sua sobrevivência, mas que lhe possibilitem usufruir da condição de ser homem pleno em todas as suas potencialidades.

Entretanto, considera-se que as transformações do homem no e pelo lazer só são possíveis quando se transforma o trabalho. Numa análise relacional, a educação condiciona o trabalho do homem, e o trabalho (alienado) obrigatório imposto pela sociedade capitalista contemporânea condiciona as atividades de lazer.

Por se compreender o lazer como um fenômeno social e histórico, produto das relações do homem com a sociedade capitalista diante da necessidade de gerir o tempo do trabalho alienado e o tempo livre, o lazer modifica as suas características, adquirindo novas formas a cada tempo, e se transforma de acordo com as necessidades do contexto histórico político e socioeconômico.

Desse modo, o lazer se relaciona diretamente com as demais atividades realizadas pelo homem, já que as alterações ocorridas em quaisquer delas trará consequências para as demais. Apesar de separadas pelo tempo, as atividades humanas ainda se relacionam entre si, tendo- se em vista que são realizadas por homens, nas relações interpessoais na organização da sociedade.

Tem-se como entendimento que o problema central no que se refere à potencialização do desenvolvimento humano não se limita ao desenvolvimento de novas tecnologias, vislumbrando assim transformações no trabalho alienado e o começo de uma era do lazer na qual o homem poderá se apropriar dos bens culturais, desenvolvendo seus conhecimentos, valores e habilidades. Considera-se que esse movimento de mudanças na sociedade capitalista contemporânea está em processo, no entanto, sem transformações na lógica do capital, e as relações sociopolíticas e econômicas serão perpetuadas, garantindo o processo de alienação instituído historicamente na sociedade capitalista.

Para que se possa considerar o lazer como uma atividade humana, torna-se necessário compreender a existência desse fenômeno como promotor do homem, como meio de organização de ações que visem suprir as necessidades humanas, como instrumento de compreensão da transformação do homem como sujeitos ativos diante de uma sociedade em transformação. Nesse sentido, somente se pode entender o lazer como atividade humana que promove o processo de humanização se também compreendermos o trabalho na mesma relação e na mesma condição de promotor do desenvolvimento humano, como atividade humana.

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Isabel Akemi Hamada Portanto, o papel da educação é soberano, tanto para a elaboração de estratégias apropriadas e adequadas para mudar as condições objetivas de reprodução, como para a automudança consciente dos indivíduos chamados a concretizar a criação de uma ordem social metabólica radicalmente diferente. (MÉSZÁROS, 2010, p. 65)

Constituída pelo princípio que explicita a vinculação existente entre trabalho, educação e demais âmbitos da vida social, a práxis é determinante para o modo específico de ser do homem e se identifica como exclusiva aos indivíduos pertencentes ao gênero humano. A partir da integração do natural e social, estabelece as relações gerais da sociedade, criando o ser social. Pela práxis é possível alcançar a unidade da subjetividade e da objetividade no homem, na medida em que se encontram envolvidos ambos os planos para efetivação de uma finalidade pretendida. Nesse feito indissociável, ocorre a objetivação no sujeito que executa a ação, ou seja, o indivíduo singular é compreendido nesses termos, como portador de subjetividade e objetividade.

O esclarecimento do vínculo do trabalho com a educação e as demais expressões humanas da realidade é possibilitado pela compreensão da práxis, a qual nos é dada pela análise da perspectiva teórico-filosófica do materialismo histórico e dialético.

Para que seja possível abarcar de forma mais ampla os conceitos implicados nessa temática e encontrar os nexos que os vinculam, como também a própria compreensão da práxis como ação transformadora no âmbito da educação, iniciamos esta discussão abordando as ideias e proposições a partir da sua natureza e da origem histórica do termo.

Práxis: da sua origem à categoria central no materialismo histórico

No documento Trabalho, Educação e Lazer (páginas 78-85)