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A atuação de Antonieta de Barros pelas páginas do República

CAPÍTULO II Jornal República, um espaço de luta e construção de sentidos.

2.3. A atuação de Antonieta de Barros pelas páginas do República

Se até então a esfera política esteve sob o domínio majoritariamente masculino, a atividade jornalística ofereceu a algumas mulheres a possibilidade de adentrarem-se na esfera pública. Como já afirmado, em meados da década de 1920, Antonieta participou de um pequeno, mas polêmico círculo literário formado por jovens que, como ela, buscavam a inserção social por meio da literatura. Naquele momento, Antonieta já escrevia em pequenas folhas de circulação local e regional. Entretanto, sua maior atuação na imprensa ocorreu a partir da década de 30 no jornal República.

227 Idem. 228

Ibidem, p.22. (grifos do autor). 229 Ibidem, p.24.

138 Foi a partir de setembro de 1931, que sua coluna Farrapos de Idéias aparece pela primeira vez no República.230 Desde a Revolução de 30, passando pela chegada ao poder da família Ramos ao encerramento do jornal em 1937, Antonieta escreveu assiduamente no República. Por meio de sua coluna, Antonieta abordou temas variados, discutindo desde o sentido de civilização e progresso, aos rumos que a sociedade ocidental tomava naquele momento.

Entretanto, foram os temas educação e trabalho que expressivamente nortearam seus escritos. Em muitos momentos, também usou destes temas para atacar seus opositores. Seus escritos revelam, além de seu posicionamento político e ideológico, aspectos de sua subjetividade, como sua religiosidade, os valores humanistas que nortearam-lhe a trajetória, bem como suas concepções sobre educação. Foram estas concepções, forjadas pelo rigor de uma formação tradicional e por sua experiência como professora, que lhe ofereceram a base para seu engajamento na luta pela educação e pela ampliação dos direitos das mulheres.

Ao reinserir os escritos de Antonieta em sua conjuntura histórica, preocupamo-nos em identificar pontos-chave nestes, bem como as referências usadas, a linguagem empregada, as dimensões ressaltadas e os argumentos que usou para legitimar seus discursos. A forma como se projeta e se dirige ao público leitor também constituiu aspecto importante para nossa análise. Perceber as ambiguidades, as tensões e os contrassensos nos escritos de Antonieta de Barros, foi tão importante quanto perceber as rupturas e as diferentes temporalidades neles presentes.

Um de seus raros textos, publicado no República, que não integrou sua coluna

Farrapos de Idéias, e nem foi assinado, como de costume, com o pseudônimo de Maria

da Ilha, mas sim com seu próprio nome, revelava seu posicionamento político em relação à Revolução de 30. Ao assumir publicamente sua autoria, Antonieta tornava público o seu posicionamento político a favor dos insurretos e expunha claramente seu apoio a Vargas e ao novo regime como também aos novos rumos que a política estadual tomava naquele momento. A coluna estampava os seguintes dizeres:

Faz hoje um ano a República Nova

Com o alvorecer de 24 de outubro de 1930, devia surgir, no horizonte da pátria brasileira, o sol esplendente da vitória dos ideais populares.

Um povo não é: grande pela sua expressão numérica, nem pela extensão territorial que ocupa, mas pelo seu civismo, pelas suas conquistas

230

Vale lembrar que as coleções do jornal República que se encontram na Biblioteca Pública de Florianópolis não estão completas, faltando alguns poucos exemplares referentes ao ano de 1930.

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espirituais, pelos ideais que lhe norteiam os destinos, pelo poder da sua vontade, orientada, sempre, para horizontes mais largos.

O Brasileiro tem dado ao mundo provas incontestáveis do seu valor. Não é esta a nossa primeira arrancada cívica.

Vinte-e-quatro de outubro é a repetição de quinze de novembro, como êste o foi de sete de abril.

Foi a um ano que um frêmito de civismo, percorrendo, de norte a sul, o país, o despertou, para a grande reivindicação.

Deve-se ao verbo e a pena incandescentes dos idealistas duma pátria melhor, a mais completa e soberba das realizações a derrota do regime, que já não satisfazia à mentalidade do Brasil novo e altaneiro.

Creio no poder da força bruta, da força armada, mas creio, também, no poder indiscutível e maravilhoso da fôrça mental.

A vitória de vinte-e-quatro nada mais é que a concretização dos ritmos e anseios anímicos que, dispersos até então, se reuniram e potenciaram, enquanto a alma brasileira esteve aflita, genuflexa, palpitante, diante dos destinos da nacionalidade.

O triunfo de vinte-e-quatro, em que a Razão venceu à Força, e à Prepotência, é a consubstanciação, a transfiguração, em realidade palpável, do desejo de milhões e milhões de almas.

E, porque assim é:

Brasileiros! No primeiro marco da nova fase vital do Brasil, confraternizemo-nos, e, agora e sempre, sem ódios nem ressentimentos, elevemos, coesos, aos céos, o coração pelo ideal comum – tornar a mais linda das nações, na mais feliz das Pátrias!

Antonieta de Barros231

A transcrição da coluna na íntegra justifica-se por esta apontar os posicionamentos político e ideológico de Antonieta de Barros no início de sua trajetória no República. Se um pseudônimo assegura a quem escreve uma forma de manter sua identidade em segredo, sua atitude em “mostrar-se” pode ser interpretada como um ato de coragem. Antonieta assumiu naquele momento a filiação ideológica a um grupo e a disposição em participar dos rumos, nem sempre claros, que a política estadual tomava sob uma nova conjuntura nacional. Mas, ao refletirmos sobre os conteúdos ideológicos presentes em seus discursos, observamos mudanças em alguns destes posicionamentos, bem como o recrudescimento de outros.

A jornalista iniciou a coluna afirmando que a grandeza de um povo reside no civismo, nas conquistas espirituais, nos ideais que norteiam seus destinos e sua vontade. Datas simbólicas e marcos de nossa História Nacional foram também evocados como forma de legitimar e atribuir sentidos ao discurso. Comparou o 24 de outubro de 1930 ao 15 de novembro de 1889 e ao 7 de abril (aqui acreditamos ser um equívoco, possivelmente sua intenção era se referir ao 7 de setembro de 1822), e estabeleceu uma correlação entre povo e a noção de civismo. Em sintonia com o desejo de mudança,

140 principalmente o de ruptura com a forma de governo da Primeira República, a Revolução de 30 abriu uma nova possibilidade para um determinado grupo do qual Antonieta também fazia parte, de intervir nos rumos da política local.

Foi a partir da nova conjuntura, instaurada com a Revolução de 30, que Antonieta enfatiza e amplifica o fim de um regime que já não mais correspondia às expectativas. Mas quais expectativas? Possivelmente as expectativas do grupo no qual ela mesma estava inserida. Antonieta atribuiu a vitória da Revolução ao verbo e à pena dos idealistas, ou seja, aqueles que em nome dos ideais coletivos apoiaram as mudanças, mas sem esquecer-se de seus próprios interesses. Ao empregar o termo Ideal em seu discurso, anula o sentido autoritário e violento da Revolução. Para marcar a mudança política, era necessária a ruptura com o passado, mesmo que esta ruptura estivesse apenas materializada em seus discursos. Ao final de seu texto, segue afirmando crer no poder da força mental, da razão, como capaz de vencer a força, e convidou à confraternização, sem ódios e ressentimentos em nome de um ideal comum – a pátria. Contudo, Antonieta não foi a única mulher articulista nos jornais da capital.232 Outras, geralmente professoras, buscaram conciliar a profissão com a atividade jornalística. Neste sentido, buscamos destacar a presença destas mulheres, em especial, Delminda Silveira e Maura de Senna Pereira, percebendo por meio de seus escritos, como poemas em versos, bem como de notícias e entrevistas, nos quais a pauta girava em torno do movimento feminista, a tentativa de construção de uma nova imagem de mulher.