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Antonieta de Barros: atuação profissional e concepções sobre

CAPÍTULO I Os primeiros anos de formação de Antonieta de Barros: família e

1.4. Antonieta de Barros: atuação profissional e concepções sobre

144 Ibidem, p.84. 145

Antonieta de Barros não foi incluída neste rol pelo fato da questão racial ser uma interdição em seus escritos, mas, nem por isso seu papel foi menos importante no que tange à luta contra o machismo e o paternalismo e a favor da educação feminina.

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Foram encontrados no setor de obras raras da Biblioteca Pública do Estado de Santa Catarina apenas 3 exemplares deste.

91 Segundo Luciene Fontão, a formação educacional de Antonieta iniciou-se por volta de 1906 quando aos cinco anos ela foi alfabetizada em escola particular pertencente à professora Maria Meira Lima. Em 1910, “passou a frequentar uma escola pública para crianças, sob o comando e direção da Professora Maria das Dores Rosa Conceição e Souza. No ano seguinte, 1911, frequenta a escola pública, no prédio anexo ao que será o Grupo Escolar Lauro Muller.”147

Imagem 20. Grupo Escolar Lauro Müller, em 1912.148

Em 1910, Vidal Ramos, então governador do Estado, foi autorizado pelo Congresso Representativo, segundo a lei nº 846, de 11 de outubro de 1910, a providenciar a reforma no ensino público de Santa Catarina149, dando início à reforma da educação catarinense, sob a orientação do professor paulista Orestes Guimarães.150 Neste período, Antonieta cursava o ginasial no Grupo Escolar Lauro Müller e, logo após concluir seus estudos, ingressou, por meio de exame preparatório, na Escola Normal Catarinense, onde dedicou-se à formação para o Magistério, graduando-se em 1921.

147FONTÃO, Luciene. Nos passos de Antonieta. Tese de Doutorado. Programa de Pós-graduação em Literatura. Centro de Comunicação e Expressão. UFSC - Universidade Federal de Santa Catarina, 2010, pp.278-279.

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www.ibamendes.com.br. Acervo particular.

149 FIORI, Neide Almeida. Aspectos da evolução do ensino público: ensino público e política de

assimilação cultural no Estado de Santa Catarina nos períodos Imperial e Republicano. 2ª edição Rev.

Florianópolis: Editora da UFSC; Secretaria da Educação do Estado de Santa Catarina, 1991, p.94. 150 Ibidem, p.91-94.

92 A trajetória educacional de Antonieta de Barros ocorreu num período de profundas mudanças, tanto no que diz respeito ao processo de construção e institucionalização da profissão docente, quanto à criação e a entrada em vigor de um modelo educacional durante a Primeira República.

Buscando compreender as concepções sobre educação formuladas por Antonieta de Barros, a partir de sua formação educacional e o significado desta em sua trajetória de vida, foi necessário, em primeiro lugar, conhecer um pouco mais sobre o processo de institucionalização da formação docente no período que compreende o final do século XIX e início do século XX. O estudo de Cecília Nascimento, ao dialogar com Heloísa Villela sobre o processo da construção da profissão docente e a institucionalização da formação de professores e professoras, afirmam ser este um momento que coincide com a progressiva presença feminina no magistério,

Villela traça uma série de fatores sociopolíticos que teriam desencadeado em várias províncias brasileiras no século XIX, um gradativo processo de substituição de um modelo artesanal de formação de seus professores primários – formação improvisada, pragmática – pelo modelo profissional, corporificado por procedimentos específicos que comporiam um novo professor, movimento levado a cabo pela institucionalização das escolas normais.151

O eixo central do estudo de Villela é a mudança no processo de formação do professor, em que a profissionalização, por meio da construção de um novo modelo, denota mais que uma mudança na tradição, significa a constituição de um novo sujeito educador para novos saberes:

A ‘nova’ formação ‘profissional’, realizada na escola normal, se opunha à ‘antiga’ formação ‘artesanal’, tendo em vista que, na visão dos organizadores da escola normal dessa época, os novos ‘professores’ que se formassem deveriam se distinguir dos antigos ‘mestres’ improvisados pelo domínio de conteúdos e métodos específicos e, pela aquisição de uma postura – um ethos – profissional. Definia-se, assim, um campo de normas e saberes próprios da profissão em contraposição à improvisação, à aprendizagem por imitação, característica dos mestres sem formação.152

De forma objetiva, Cecília Vieira do Nascimento sintetiza o pensamento de Villela, afirmando ser este processo:

151 VILLELA, Heloisa de O. S. Apud: NASCIMENTO. Cecília Vieira do. Caminhos da docência:

Trajetórias de mulheres professoras em Sabará, Minas Gerais 1830-1904. (Tese de Doutorado). Programa

de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação. Belo Horizonte, UFMG, 2011, p.59. 152 Idem.

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Em síntese, a autora define a formação oferecida pelas instituições oficiais como sendo baseada em princípios racionais, centrados na incorporação de conteúdo, método e perfil profissional específicos, ao passo que no modelo ‘artesanal’ de formação, o aprendiz de professor – que poderia ser monitor, adjunto ou substituto – aproximava-se do ofício vendo e praticando na própria sala de aula. Tradição, imitação e conjecturas políticas seriam seus pilares de sustentação. Villela define tal formação como pragmática, improvisada ou, até,

sem formação.153

No entanto, vale lembrar que este processo não ocorreu de forma simultânea e contínua, ressalvas são importantes quanto às especificidades da política e da economia de cada Província. O estudo de Villela abarca de forma mais ampla este processo, concentrando sua análise principalmente na experiência da Província do Rio de Janeiro (Capital do Império). Cecília alerta para que se evitem as generalizações de um modelo único para a educação.

Em Santa Catarina, a criação da primeira Escola Normal data de 1880, criada na capital, Desterro, onde funcionou, com certa precariedade, nas dependências do Ateneu Provincial. Segundo Paulo da Nóbrega, “em 1880, em Santa Catarina, era criado o primeiro Curso Normal, anexo ao Liceu, sem ter dado, porém grande impulso à formação de professores já que anunciada a matrícula nem um só aluno se apresentou”.154 A Escola Normal Catarinense passou por mais duas reformas em seus conteúdos, uma em 1892 e outra em 1897.

A precariedade das escolas públicas no final do século XIX foi também salientada por Eliana de Oliveira em seu estudo sobre o processo de formação docente dos professores públicos primários em Minas Gerais, ao final do século XIX e início do XX. Oliveira afirma, com base nos relatórios apresentados aos governantes, o reconhecimento e as preocupações por parte destes da

elaboração de ordenamentos legais era a principal solução para os problemas relacionados às precariedades materiais das escolas primárias. Assim como este, outros discursos produzidos em fins do período imperial demonstram a preocupação por parte dos gestores do ensino em regulamentar e criar ordenamentos legais para a construção e manutenção dos prédios destinados às

153

Ibidem, pp.59-60. (grifos do autor).

154 TANURI, p.25. Apud: NÓBREGA, Paulo de. Escola Normal, Ciência e Nacionalidade na Primeira República. In: SCHEIBER, Leda; DAROS, Maria das Dores. (Orgs). Formação de professores em Santa

Catarina. Núcleo de publicações – NUP. Centro de Ciências da Educação. Florianópolis, UFSC, 2002,

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escolas públicas, assim como o envio de mobília, materiais didáticos e pedagógicos para estas escolas.155

Os ordenamentos legais visaram estabelecer disposições hierárquicas, regras e princípios como uma tentativa de dar solução aos problemas relacionados à precariedade do sistema escolar. Dentre as alternativas pensadas, estava a construção de prédios públicos onde não houvesse casas particulares para ser alugadas. A criação da Caixa Beneficente Escolar, um fundo criado a partir de multas ou donativos para a compra de livros destinados às crianças pobres, além de mobílias escolares, também figuravam como escolhas possíveis. Ainda segundo Oliveira, em 1883 foram criados fundos, Municipais e Provinciais, para a arrecadação de impostos e taxas cobradas sobre a emissão de diplomas, certidões, licenças, títulos e certificados de exames e de concursos. Mantiveram-se, ainda, as arrecadações de multas e donativos, destinados à aquisição de mobília, material didático, livros, roupas, calçados e objetos de escrita para os alunos pobres.156

O contexto educacional catarinense passou a ser novamente alterado no início do século XX. Na reforma empreendida por Vidal Ramos, a Escola Normal passou cada vez mais a direcionar sua finalidade para a formação de educadores com um perfil profissional e “moderno”. Segundo seu próprio regulamento: “O Regulamento da Escola Normal Catharinense de 30 de Maio de 1911, em seu Art.1, determinava: A Escola Normal tem por fim ministrar a instrucção theórica e prática necessária àquelles que se destinam à carreira do magistério público.”157 Embora não se faça presente entre nossos objetivos uma discussão aprofundada sobre esta reforma, visto que outros trabalhos, referenciados ao final deste estudo, já o fizeram com maior propriedade, elencamos e destacamos apenas alguns aspectos gerais e importantes na reforma que entrou em vigor em 1911, como a ausência do ensino religioso, a presença do caráter laico dado pelo seu direcionamento à cientificidade e à racionalidade, além da inclusão da língua alemã. A distribuição das disciplinas, segundo Paulo Nóbrega, era:

1º anno – Portuguez, francesz, allemão, arithmética, geographia, desenho, gymnastica, trabalhos e música. 2º anno – Portuguez, allemão, arithimatica,

155 OLIVEIRA, Eliana de. O processo de produção da profissão docente: profissionalização, prática

pedagógica e associativismo dos professores públicos primários de Minas Gerais 1871-1911. (Dissertação

de Mestrado em Educação) Programa de Pós-Graduação em Educação. Belo Horizonte: UFMG, 2011 p.68. 156 Ibidem, pp.68-69.

157 NÓBREGA, Paulo de. Escola Normal, Ciência e Nacionalidade na Primeira República. In: SCHEIBER, Leda; DAROS, Maria das Dores. (Orgs). Formação de professores em Santa Catarina. Núcleo de publicações – NUP. Centro de Ciências da Educação. Florianópolis, UFSC, 2002, p.121.

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álgebra, geographia, noções de história natural, noções de psychologia, desenho, gymnastica, trabalhos e músicas. 3º anno – Portuguez, princípios da litteratura da língua, allemão, arithmetica, geometria, physica e chimica, princípios de história geral e especial do Brazil, pedagogia, desenho, trabalhos e música.158

Como salientou Paulo Nóbrega, excetuando-se algumas variações de títulos, a média das disciplinas era a mesma que compunha os currículos das Escolas Normais de perfil moderno.159 Seu caráter laico, ao mesmo tempo em que lhe imprimia um sentido de cientificidade e racionalidade, garantia também uma formação voltada para uma orientação positivista e nacionalista, esta última justificava-se pela preocupação com a presença de imigrantes alemães e seus descendentes.

Foi sob esta orientação que Antonieta tornou-se professora. Para ela, a escola representava uma ponte entre o Lar e a Sociedade, e elegia como sua “função única, preparar as creaturas para a vida, - luta intensa e complexa”.160 A função do magistério

exigia que os professores preenchessem alguns requisitos inerentes ao cargo:

Assim, um bom professor, além de possuir os conhecimentos legitimados e difundidos nas escolas normais, deveria revelar amor e vocação para o magistério, ser portador de um comportamento moral impecável e condizente com os valores da época e da profissão que exercia. Desta forma, a profissão docente, constituiu-se com certa especificidade, visto que cabia ao professor, além de instruir as crianças, moralizá-las e civilizá-las. Por este motivo, esperava-se que o docente demonstrasse gosto e cuidados no trato com as crianças.

Somam-se a estes requisitos comportamentais os embates entre dois modelos educacionais distintos, apontados por Cecília Nascimento – o artesanal e o profissional. Ambos eram voltados para a construção da figura do docente desejada para o exercício da função. A conduta moral, além da formação profissional, domínio dos conteúdos e métodos, passou a fazer parte de um projeto de educação preocupado com a base moral e civilizatória da sociedade.

Antonieta vivenciou a reforma educacional de 1911 como aluna, formou-se docente por um modelo escolar que visava à implantação e à propagação de bons moldes e de homogeneização da prática pedagógica. Como professora, viu o esgotamento dessas

158 Trecho do regulamento da Escola Normal Catharinense de 30 de Maio de 1911. Art. 1. Apud: NÓBREGA, Paulo de. Escola Normal, Ciência e Nacionalidade na Primeira República. In: SCHEIBER, Leda; DAROS, Maria das Dores. (Orgs). Formação de professores em Santa Catarina. Núcleo de publicações – NUP. Centro de Ciências da Educação. Florianópolis, UFSC, 2002, p.121.

159 Idem.

96 práticas e acompanhou os debates em torno do modelo chamado pedagogia da escola nova.161 Entretanto, veremos mais adiante que a primazia de um forte discurso de cunho moral e religioso pode ser identificada em seus discursos, durante a década de 1930, no jornal República. Relacionamos a este discurso a sua formação educacional, de base tradicional e de forte apelo moral. Porém, silenciamentos foram evidenciados, tanto nos discursos de Antonieta, quanto naqueles que, sob a perspectiva da memória e da história oficial, buscaram narrar suas experiências de vida.