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CAPÍTULO I Os primeiros anos de formação de Antonieta de Barros: família e

1.5. Os silêncios de e sobre Antonieta

Na historiografia local das décadas de 1970 e 1980, bem como nas obras de memorialistas (jornalistas e demais profissionais liberais que se aventuravam pelos caminhos da escrita), aspectos da vida privada de Antonieta foram pouco mencionados.162 Sua trajetória quase sempre foi abordada a partir da sua atuação política, jornalística e literária, mas acreditamos que outros aspectos importantes da vida de Antonieta tenham sido negligenciados por se tratar de uma produção historiográfica masculina, conservadora e factual, e que objetivava narrar os acontecimentos políticos, considerando o espaço público como o reino do masculino. Nesta produção, Antonieta aparece como uma figura secundária, como coadjuvante dos acontecimentos. A reflexão sobre este tipo de escrita da história, as escolhas metodológicas estabelecidas pelos historiadores (ou daqueles que se arriscavam nesta empreitada), e suas implicações políticas, nos conduziram ao pensamento de Michel de Certeau que esclarece, “no passado, do qual se distingue, ele faz uma triagem entre o que pode ser ‘compreendido’ e o que deve ser esquecido para obter a representação de uma inteligibilidade presente”.163

Para nós, interessa-nos compreender o discurso, o lugar em que foi produzido e as tentativas de construção de uma realidade. Ainda segundo Michel de Certeau:

161 CARVALHO, Marta Maria Chagas de; PINTASSILGO, Joaquim. (Orgs). Modelos Culturais, saberes

pedagógicos, instituições educacionais. São Paulo: Edusp, 2011, p.195.

162

Refiro-me às seguintes obras: SACHET, Celestino; SOARES, Iaponan. Presença da literatura

catarinense. Florianópolis: Ed. Lunardelli, 1989. PIAZZA, Walter Fernando. Dicionário Político Catarinense. Florianópolis: Assembleia Legislativa do Estado de Santa Catarina, 1985; O poder legislativo catarinense: das suas raízes aos nossos dias (1834 - 1984). Florianópolis: Assembleia Legislativa do

Estado de Santa Catarina, 1984. Ver também: CABRAL, Oswaldo Rodrigues [et al.] História de Santa

Catarina. Vol 1 a Vol 4. Curitiba: Grafipar, 1970; SACHET, Celestino. A Literatura de Santa Catarina.

Florianópolis/SC: Ed. Lunardelli, 1979. CORREA, Carlos Humberto P. História de Florianópolis.

Ilustrada. Florianópolis: Insular, 2007.

163

CERTEAU, Michel de. A escrita da História. Tradução de Maria de Lourdes Menezes. 2ª edição. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008, p.16.

97

Porém, aquilo que esta nova compreensão do passado considera como não pertinente – dejeto criado pela seleção dos materiais, permanece negligenciado por uma explicação – apesar de tudo retorna nas franjas do discurso ou nas suas falhas: “resistência”, “sobrevivências” ou atrasos perturbam, discretamente, a perfeita ordenação de um “progresso” ou de um sistema de interpretação. São lapsos na sintaxe construída pela lei de um lugar. Representam aí o retorno de um recalcado, quer dizer, daquilo que num momento dado se tornou impensável para que uma identidade nova se tornasse pensável.

Uma produção mais atual sobre Antonieta de Barros, iniciada a partir dos anos 2000, foi buscar nas franjas desses discursos os acordes dissonantes, transformando-os em desafios para uma nova análise, atingindo com êxito os objetivos propostos naquele momento. Porém, a partir de uma perspectiva distinta buscamos, com este estudo, caminhar um pouco mais além, talvez, ouvir o recalcado, fazer a este perguntas incômodas sobre aquilo que em um dado momento se tornou impensável de ser questionado. Lembrando sempre que:

Por sua vez, cada tempo “novo” deu lugar a um discurso que considera “morto” aquilo que o precedeu, recebendo um “passado” já marcado pelas rupturas anteriores. Logo, o corte é o postulado da interpretação (que se constrói a partir de um presente) e seu objeto (as divisões organizam as representações a serem reinterpretadas). O trabalho determinado por este corte é voluntarista.164

Dentro dessa proposta, a vida afetiva e familiar de Antonieta, seu círculo de sociabilidade e o preconceito racial, foram temas problematizados. Na história tradicional, de perspectiva conservadora e positivista, sua condição de mulher solteira e sua vida afetiva foram resguardadas de quaisquer questionamentos. Como já salientado, sabemos que Antonieta mantinha uma rede de relações considerável e formada por homens e mulheres, negros e brancos de diferentes classes sociais e alguns com o mesmo ofício, o magistério.

O fato de não ter se casado e nem ter tido filhos nos levou a cogitar se esta teria sido uma escolha consciente. Seria uma forma de não se deixar capturar pelo machismo? A dedicação ao magistério como profissão poderá ter influenciado nesta escolha? A vida afetiva de Antonieta é uma opacidade silenciosa, nunca foi abordada, nem mesmo cogitada pelas produções mais recentes. Antonieta é representada na historiografia local como uma mulher assexuada. Como vimos anteriormente, o recato, a discrição, a doação e a virtude eram qualidades que habilitavam as mulheres para a carreira do magistério. Antonieta viveu em uma época em que estes valores margeavam a condição social das

98 mulheres de uma forma geral, como a vida daquelas que buscavam dedicar-se à carreira do magistério ou a uma atividade pública (como escrever para um jornal).

Se este era o objetivo almejado, imposto pela junção de forças, de instituições como a igreja e a moral burguesa, era necessário que essas mulheres omitissem e sufocassem os desejos. Antonieta, mesmo tendo contado com o apoio, em diferentes momentos, da família Ramos, construiu sozinha a imagem de uma mulher pública respeitável. Entretanto, este modelo desejado nunca foi o hegemônico, na historiografia mais recente há variadas referências às trajetórias femininas e suas estratégias elaboradas para fugir, burlar ou simplesmente sobreviver à imposição de modelos normativos.

Pensando no poder hegemônico e seus limites, e na produção historiográfica mais recente sobre a História das Mulheres e os estudos das relações de gênero, encontramos subsídios para uma melhor compreensão sobre o processo de construção dos papéis normativos e das desigualdades nas relações entre homens e mulheres (primeiramente justificada pela diferença biológica e, posteriormente, pelo temperamento/comportamento, sendo estas culturalmente construídas e socialmente naturalizadas). O pensamento de Raymond Williams, corrobora através da discussão sobre os usos dos termos hegemônico e hegemonia, sua análise ofereceu uma compreensão mais clara e menos generalizante sobre estes termos, principalmente quando problematiza as diferenças entre a hegemonia, o poder hegemônico e o dominante:

Uma maneira de expressar a distinção necessária entre os sentidos práticos e abstratos dentro do conceito é falar do “hegemônico”, e não de “hegemonia”, e de “dominante”, em lugar de simples “dominação”. A realidade de qualquer hegemonia, no sentido político e cultural ampliado, é de que, embora por definição seja, sempre dominante, jamais será total ou exclusiva. A qualquer momento, formas de política e cultura alternativas, ou diretamente opostas, existem como elementos significativos na sociedade.165

A partir da reflexão de Williams, buscamos atentar para as formas improvisadas, para os rearranjos e os modos peculiares de inserção no social de diferentes sujeitos históricos, ou seja, atentarmos para o fato de que o hegemônico também “sofre uma resistência continuada, limitada, alterada, desafiada por pressões que não são as suas próprias pressões”.166

165

WILLIAMS, Raymond. Marxismo e literatura. Rio de Janeiro, Zahar editores, 1979, p.116. 166 Ibidem, p.115.

99 A trajetória de vida de Antonieta de Barros vem nos revelando fissuras em uma história e uma memória que se quer hegemônica e dominante, sobretudo no que diz respeito a algumas de suas experiências, essa perspectiva dominante silenciou algumas questões incômodas. Há, por exemplo, ausência de referência sobre a relação de Antonieta com sua família, que se resume muitas vezes à ligação que manteve com sua irmã Leonor de Barros, na fundação do Curso Antonieta de Barros. Nas produções mais atuais, a relação de Antonieta com Catharina Waltrich, sua mãe, foram lembradas, entretanto, a experiência do cativeiro, vivenciada por Catharina e por Maria (avó de Antonieta), em Lages, não foram mencionadas. Como salientado anteriormente, e evidenciado por meio de pesquisas nos registros de batismo de Lages, Antonieta ainda teria tido mais uma irmã chamada Maria, ou carinhosamente “Maninha”, que teria continuado a viver em Lages depois da partida da mãe Catharina Waltrich, para Florianópolis. Maninha teria tido uma filha, para quem os bens de Antonieta foram doados.167

A origem paterna de Antonieta é outro ponto obscuro, principalmente quando analisamos seu registro de batismo, onde aparece apenas como filha natural de Catharina Waltrich. As figuras masculinas parecem ter tido pouca influência em sua trajetória, além do silêncio sobre sua origem paterna, seu irmão Cristalino também foi uma figura pouco recordada. A própria Antonieta, quando se referia à família, enfatizava a importância de sua mãe e de sua irmã em sua trajetória de vida.

A história tradicional, juntamente com a memória oficial local, construída em torno dos acontecimentos políticos e de seus personagens, apagou parte das experiências de vida de Antonieta de Barros. Do seu passado foi ressignificado apenas o que lhe interessava. Para esta história e memória, elitista e hegemônica, não era interessante trazer à tona o passado escravista, as formações familiares através de relações consensuais, ou ainda, a possibilidade da existência de filhas ilegítimas.

Outro silêncio notado, desta vez em seus escritos, diz respeito ao fato de Antonieta não fazer referência à cor negra de sua pele, tampouco à presença de uma população negra na cidade. Sobre isso há uma única exceção, na crônica veiculada no jornal O Estado, no início da década de 1950 quando, já adoentada,168 defendeu-se das acusações de Osvaldo Rodrigues Cabral. Em 1951, quando Irineu Bornhausen ocupou o

167 Jornal AN Capital, 11 de julho de 2000, p.01. 168

Acompanhando sua trajetória no jornal, percebemos algumas notas comunicando afastamento das atividades por motivo de problemas de saúde.

100 cargo de governador do Estado de Santa Catarina, o médico, jornalista, historiador e na época deputado estadual, Osvaldo Rodrigues Cabral, acusou Antonieta, no plenário da Assembleia Legislativa de, por meio dos jornais, “fazer intriga barata de senzala”.169 Nesta época, Antonieta já não ocupava mais o cargo de deputada, mas continuava escrevendo assiduamente, manifestando todo o seu desagrado à política de Irineu Bornhausen.170 De imediato, Antonieta respondeu às críticas:

Intriga barata de senzala

(palavras do Deputado Oswaldo R. Cabral, ao comentar o nosso editorial de domingo passado, na Assembléia Legislativa)

Tencionávamos, hoje, continuar as nossas considerações despretensiosas, à cerca da fala governamental ao Legislativo, no Capítulo referende a Educação. Todavia, porque o nobre Deputado nos apanhou as idéias esfarrapadas (segundo expressão sua) e as levou para a Assembléia, tivemos de alterar os nossos propósitos. E, pelo respeito que nos merecem os leitores amigos, aqui estamos, repisando o mesmo terreno, para nos esclarecer a atitude, em face da afirmativa do Deputado.

Não conhecemos, na intriga, o discurso com que o irritado e nobre deputado da posição nos castigou a incrível ousadia de achar injusto os conceitos com que o Governo aponta o Magistério ao Estado e ao país.

Da peça – monumental e admirável, por certo, como são todos os trabalhos do ilustrado tribuno e historiador – apenas nos contaram a frase final e conceitos depreciativos sobre os nossos pobres Farrapos.

A frase é a que epigrafa estas linhas.

Rimos. É tudo tão pueril, que achamos graça. E, pensamento distante, perguntamos aos amigos: Mas onde foi isto? Na Alemanha de Hitler, ou nos Estados Unidos?

Discordar das nossas considerações é direito de toda gente e, principalmente, dos que militam, na situação, embora haja certos fatos, cuja cristalinidade e transparência impõem silêncio, para evitar que sejam mais focados. Este é o caso da situação desoladora do ensino público, de que trata a Mensagem. Por que desce o Deputado a apanhar as nossas idéias esfarrapadas? Qual foi o nosso crime? O de ter dito pela Imprensa o que se comenta à boca pequena? Fomos nós, por acaso, que criamos aquela afirmativa chocante de que a situação do ensino público é desoladora? Não

(...) Onde a intriga? Não existiu. Não é do nosso feitio essa modalidade de comportamento. Somos leais. Leal e agradecida. Sempre fomos. E é uma das características dos negros.

Fizemos do Magistério o nosso caminho, e agimos sempre respeitando a professora que não morreu em nós, ainda, graças a Deus. Como, pois, descer à intriga?

(...) Compreendemos que a delicada sensibilidade do nobre Deputado nada tenha sofrido diante daquela frase. Sua Excelência, para a felicidade de todos quantos são arianos – apesar de portador de um Diploma de jornalista – não milita no ensino público. Dizemos felicidade porque, à sua Excelência, falta uma das qualidades de professor: não distinguir raças, nem castas, nem classes (...).171

169 Jornal O Estado, 05 de junho de 1951, p.01. 170

Irineu Bornhausen era natural de Itajaí e iniciou sua carreira na política municipal na mesma cidade. Em 1945, foi um dos líderes da União Democrática Nacional – UDN, no Estado de Santa Catarina. Como um dos principais representantes da política estadual, defendeu na capital os interesses da elite política do Vale do Itajaí.

101 Os enunciados intriga e senzala no discurso do deputado correlacionam-se em uma clara alusão à condição racial de Antonieta, na tentativa de desqualificar sua fala. O mesmo ocorreu quando Cabral mencionou os termos ideias esfarrapadas, uma clara alusão ao título da coluna de Antonieta. De forma direta, Cabral relembrou a ligação de Antonieta com o cativeiro, experiência vivenciada por sua mãe e sua avó, ao mesmo tempo remeteu os leitores à memória de um passado escravista vivenciado por todo o país, em que a submissão do negro era imposta por seus senhores por diferentes estratégias. Possivelmente, a alusão ao cativeiro tenha sido uma estratégia articulada por Cabral para calar Antonieta, lembrando-a de que aquele lugar de onde fala não poderia ser ocupado por ela. O que não está dito é que, desde edições anteriores, Antonieta vinha travando uma luta contra o grupo liderado pelo governador Irineu Bornhausen do qual Cabral fazia parte. Ao contrário do que afirmou, suas críticas não eram despretensiosas, elas tinham um alvo e uma intenção.

Em resposta, Antonieta assumiu a posição e condição racial de mulher negra e, ao mesmo tempo, universalizou seu discurso, respondendo em nome de todos os negros, evocando uma qualidade importante: a gratidão e a lealdade. Enfatizou que esta era uma característica dos negros, ser leal e agradecido, neste momento Antonieta preocupa-se em não. Uma memória recente, sobre a experiência do cativeiro vivenciada por parte de sua família, pode ter sido evocada indiretamente por Antonieta como resposta.

Na história sobre a escravidão no Brasil, e principalmente em algumas produções mais recentes, as atitudes e os destinos de ex-escravos, quando libertados foram analisadas. Alguns destes, mesmo depois de libertos, permaneceram nas antigas propriedades como trabalhadores assalariados, alguns passaram a cultivar suas pequenas roças, e outros buscaram na migração para outras fazendas e para a cidade refazer suas vidas. Certas atitudes foram interpretadas pelos antigos senhores como ingratidão ou deslealdade.172

Na longa nota que redigiu, Antonieta aproveitou também para desqualificar Cabral e seus argumentos. Os enunciados “nobre” e “ilustre”173 se correlacionam, sendo

172 Sobre este tema ver: FRAGA FILHO, Walter. Encruzilhadas da liberdade: história de escravos e

libertos na Bahia (1870-1910). Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2006. Cap. 7 e 8; MATTOS, Hebe

Maria. Das cores do silêncio: os significados da liberdade no Sudeste escravista. Brasil século XIX. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998. Cap. 10 e 14.

173

Suas principais obras são: CABRAL, Oswaldo Rodrigues. Santa Catarina: história – evolução. São Paulo: Companhia Editorial Nacional, 1937; A vitória da colonização açoriana. Cultura Política. Revista

102 ditos de forma a soar pejorativos, em seguida, Antonieta completou seu intento utilizando-se da ironia, afirmando que as colocações do deputado eram pueris a ponto de causarem-lhe graça. Ao dizer para “evitar que sejam mais sufocados”, Antonieta deixou nas entrelinhas acusações de irregularidades e de perseguição. A professora aproveita, ainda, para denunciar a atitude racista de Cabral quando, ao mencionar a Alemanha de Hitler, poderia estar aludindo ao grupo de políticos da região do Vale do Itajaí, liderados por Bornhausen.

Encontramos outra referência ao racismo sofrido por Antonieta em nota biográfica escrita por sua irmã, Leonor de Barros, na época do lançamento da segunda edição da obra Farrapos de Idéias:

Notas Biográficas

Por Leonor de Barros.

Maria da Ilha é o nome literário de Antonieta de Barros, a autora deste livro. De origem humilde, descendente de família pobre, a Negrinha, como a chamavam na intimidade, nasceu em Florianópolis, a 11 de julho de 1901. Educada exclusivamente por sua Mãe que lhe “fortificou o espírito”, (é a mesma Antonieta de Barros quem diz) aprendeu como o amor e dedicação ao trabalho, a perseverança na concretização de um Ideal são fatôres válidos e decisivos na realização das criaturas. Queria ser professora e o foi plenamente, sendo considerada uma das melhores educadoras do seu tempo. Deus lhe deu fôrça de vontade e sabedoria bastantes para nulificar os complexos de casta ou de cor que pudessem perturbá-la, prejudicando-lhe a ascensão. E venceu em sua própria terra. E a maldade dos medíocres não prevaleceu contra o seu extraordinário destino.

Na verdade, abriu o próprio caminho e soube cristalizar suas qualidades de educadora, dando à Santa Catarina o melhor de sua inteligência para a educação da juventude. Dela, poder-se-ia dizer que foi “operária de si mesma”. Projetou-se no seio da comunidade catarinense como professora, escritora, jornalista e política. Fundou e dirigiu até a época de sua morte o curso primário que lhe tomou o nome e que cerrou as portas, em 1964, após 42 anos de funcionamento, quando já se haviam passado doze anos do falecimento da fundadora. (....)174

Foi sua irmã Leonor que rompeu o silêncio, dando visibilidade as experiências de Antonieta em relação à cor de sua pele. A partir de suas memórias, Leonor relembrou a origem humilde da família e a influência que a mãe, Catharina Waltrich, exerceu sobre a jovem Antonieta, por meio de uma “educação que lhe fortaleceu o espírito”. Percebe-se,

mensal de estudos brasileiros. Rio de Janeiro, n.7, separata, set. 1941; Medicina, médicos e charlatões do

passado. Santa Catarina: Departamento Estadual de Estatística, 1942; Nossa Senhora do Desterro. Notícia.

Volume 1: Memória Volume 2. Florianópolis: Lunardelli, 1979.

174BARROS, Leonor. Apud: ILHA, Maria da. Farrapos de Ideias. Notas biográficas. Imprensa Oficial do Estado de Santa Catarina. Etegraf Ltda, 1971.

103 em seu discurso, a tentativa de afirmação de uma imagem de mulher que se fez a si mesma, moldada pelas vicissitudes que a vida lhe impôs. O esteio para esta formação foram, muitas vezes, sua mãe, a religião e os valores morais. Segundo Leonor, com o espírito fortalecido Antonieta soube enfrentar os limites, dentre eles o preconceito racial. O termo “negrinha como a chamavam na intimidade”, foi destacado por Leonor, que, no entanto, não revelou quem a chamava dessa forma, mas deu indícios de que este tratamento dava-se na intimidade. Embora se possa interpretar como uma forma carinhosa, para nós soa como pejorativo.

Entre muitas interrogações, uma delas irrompe este capítulo. Por que Antonieta não fez de sua condição de mulher negra, uma bandeira de luta contra o preconceito de cor? Na verdade, esta foi uma das interrogações que norteou desde o princípio este estudo. Sabemos que Antonieta vivenciou algumas situações de preconceito, assim como os demais escritores negros citados neste estudo. Limites foram-lhes colocados, e quando desejaram expressar o que pensavam, tiveram que construir seu próprio espaço. Mas, poderia Antonieta falar sobre tudo? O racismo seria um assunto tolerado? O grupo político no qual ela estava inserida era comandado por filhos e netos de fazendeiros, antigos proprietários de escravos, e como estes veriam o seu posicionamento sobre este assunto? Em que medida falar sobre preconceito racial traria implicações políticas para Antonieta? Era interessante ao interventor e ao Estado Novo discutir o racismo na sociedade brasileira?

George Reid Andrews, em seu estudo sobre as relações entre negros e brancos em São Paulo, entre os anos de 1888 e 1988, apontou para as tentativas de mobilidade social articulada pelos primeiros, entre o período de 1900 a 1940. Em seu estudo, Andrews afirma ter ocorrido um crescimento econômico, perceptível principalmente no censo de 1940, ocorrido pelo aumento no número de pequenos e médios proprietários rurais (que possuíam mais de 40 por cento dos cafezais). Nas cidades, segundo Andrews,

o crescimento urbano gerou uma demanda por bens e serviços proporcionada