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A autoavaliação e a avaliação dos alunos e do sistema

1. Percurso Pessoal, Académico e Profissional

2.3. A autoavaliação e a avaliação dos alunos e do sistema

Uma vez que me encontro a realizar um trabalho que diz respeito a um Mestrado em Ensino da Filosofia no Ensino Secundário, procurarei neste ponto fazer a minha autoavaliação, tendo como referência os anos em que lecionei Introdução à Filosofia (2008-2009) e os anos em que lecionei Cidadania e Profissionalidade e Comunicação, Língua e Cultura (2009-2011), disciplinas associadas, no nosso sistema de ensino, ao grupo 410 – Filosofia. O mesmo farei quanto à avaliação dos alunos e do sistema, onde terei em conta a minha experiência no sistema de ensino português, por estarem mais de acordo com os objetivos deste mestrado. AUTOAVALIAÇÃO

Não fui um professor de Filosofia excecional, digo-o com a consciência de que ninguém o é nos primeiros anos da carreira, e relembro que ensinei Introdução à Filosofia, no ano letivo de 2008/2009, com apenas dois anos de experiência profissional numa realidade completamente diferente. Hoje, depois de todas as experiências anteriores, ao nível da Filosofia e não só, seria certamente um professor bem mais completo, estando a aguardar uma oportunidade para o demonstrar, logo que a minha situação nas listas de ordenação de professores o permita.

Contudo, com todas as lacunas que um novato possa apresentar, faço uma avaliação bastante positiva da minha atividade docente, não só pelo feedback que fui tendo dos alunos nas aulas, mas principalmente pelos seus resultados nos momentos de avaliação.

Organizei sempre as minhas aulas tendo como ponto de partida uma planificação cuidada e tendo em conta os objetivos definidos pelo programa da disciplina dando particular importância ao desenvolvimento de competências nos alunos. Na minha opinião deve ser esse um dos principais objetivos da disciplina de Introdução à Filosofia no ensino secundário.

Profissionalmente, cumpri sempre as orientações que me eram dadas pelo Ministério da Educação, pela Direção da Escola e pelo Grupo Disciplinar. Sempre que solicitado participei nas atividades escolares e não deixei de, eu próprio, sugerir atividades. Infelizmente, dado o funcionamento burocrático das escolas, porque fui sempre colocado já depois do início do ano letivo, nem sempre foi possível levar a acabo a realização das mesmas, já que estas deveriam ter sido aprovadas anteriormente. Ainda assim, principalmente nos cursos EFA, fui um elemento

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bastante ativo, na preparação e organização das Atividades Integradoras, não só dentro da escola, como também no exterior, procurando mobilizar esforços, encontrar apoios e realizar alguns trabalhos fazendo uso de outras competências técnicas que possuo, tais como, construção de cartazes, produção de vídeos e realização de spots publicitários.

Resumindo, avalio-me com nota positiva, sabendo que poderei ainda dar muito mais às escolas e aos alunos com quem me cruzar no futuro, se estiverem reunidas as condições e se o sistema permitir.

AVALIAÇÃO DOS ALUNOS

Avaliar os alunos, assim de uma maneira geral, não é tarefa fácil. As realidades são diferentes de escola para escola, tal como dentro da própria escola podemos encontrar uma grande diversidade de perfis. Tendo em conta a minha experiência noutros países, os nossos alunos têm acesso a um sistema educativo acima da média, onde existem bons professores, boas infraestruturas e um ambiente escolar, na maior parte das escolas, propício ao seu desenvolvimento, o que se reflete no seu rendimento, sabendo que há casos muito maus, mas aqui refiro-me à média. Quanto ao interesse que demonstram pelas aulas, isso reflete uma série de fatores que vão desde a própria predisposição do aluno, à atuação dos professores, passando pelo ambiente familiar. O interesse pode ser trabalhado, nem sempre é fácil, mas não acredito em casos perdidos.

No caso particular dos alunos com quem tive a oportunidade de trabalhar, não tenho grandes queixas. Quando lecionei Introdução à Filosofia, lidei com alunos de meios pequenos, maioritariamente de Vila Viçosa e Borba, onde os encarregados de educação se mostravam interessados em acompanhar as suas atividades e prestação escolar. À parte algumas chamadas de atenção, nunca encontrei problemas disciplinares de maior. Quanto ao rendimento escolar, aí sim, encontrei diferentes casos que muitas vezes refletiam algumas lacunas anteriores. Dificuldades de expressão, de argumentação, de compreensão de texto, de abstração, são frequentes e precisam de ser mais trabalhadas. Como é óbvio, a disciplina de Introdução à Filosofia é preponderante no desenvolvimento dessas competências, no entanto, aquilo que defendo é que as bases desse desenvolvimento podem ser lançadas mais cedo com grande benefício, não só para a Filosofia, mas para todas as outras disciplinas e, mais tarde, para a vida profissional e social do aluno.

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Outra realidade prende-se com os alunos que frequentavam os cursos EFA, ou que se encontravam em processo de RVCC, todos eles adultos, já que esse era um dos critérios para a sua admissão. No primeiro caso, muitos dos alunos optavam por esta modalidade por estarem agarrados ao ensino secundário por uma ou duas disciplinas que pretendiam terminar. No segundo caso, a maior parte das pessoas entrava no processo porque se encontravam em situação de desemprego e eram ameaçadas com o corte do subsídio se não apostassem na formação. Os primeiros eram mais fáceis de motivar e o funcionamento em sala de aula, em grupo, com a realização de uma grande diversidade de atividades em que muitas vezes tinham de mobilizar uma série de conhecimentos práticos do dia a dia, dava frutos muito interessantes. Sei de professores que não gostaram de trabalhar neste sistema. Eu gostei muito. No segundo caso, o processo de RVCC funcionava num modelo de tutoria. A pessoa tinha de escrever a sua história de vida, narrando uma série de experiências onde conseguisse evidenciar alguma aprendizagem sobre algum dos temas previstos no referencial de Cidadania e Profissionalidade, ou de uma outra das áreas. Na maior parte dos casos, enquanto orientador dessas histórias de vida, passava horas a conversar com a pessoa, que me contava toda a sua vida, à procura de algo que eu pudesse validar como uma competência adquirida, tendo sempre em conta o referencial de competências. Conheci algumas pessoas muito interessantes e confesso que cheguei a aprender muita coisa. No entanto, não era fácil motivar alguém que ali estava por obrigação. No final, a maior parte dos formandos validou competências que lhes conferia equivalência ao 12.º ano. Eu fiquei com uma visão geral de parte da nossa sociedade, por vezes assustadora (violência doméstica, casamentos por obrigação, pobreza, fome, toxicodependência, etc.).

Resumindo, não é fácil fazer uma avaliação geral dos alunos, principalmente quando a nossa experiência passa por trabalhar com grupos tão heterogéneos. Porém, partindo dos termos de comparação que me foram dados a conhecer, e apesar de muita coisa poder ser melhorada, os alunos em Portugal podem ser considerados bons alunos. Além disso, basta ver a valorização que a mão de obra portuguesa qualificada tem tido por esse mundo fora. A qualidade não será apenas mérito do ensino secundário, mas parte do mérito deve ser-lhe reconhecido.

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AVALIAÇÃO DO SISTEMA

Reconheço muitas virtudes no nosso sistema de ensino mas não posso deixar de referir algumas situações que poderão contribuir, a médio prazo, para a sua degradação com consequências nefastas para a sociedade. O sistema de ensino serve os interesses da sociedade e quando os interesses e valores dessa sociedade se centram no sucesso profissional e financeiro do indivíduo, o sistema de ensino dá à sociedade aquilo que ela quer receber, o que nem sempre leva ao cenário mais favorável. Noto, desde há alguns anos, uma certa descredibilização das humanidades, quando os próprios professores assumem que os alunos só ali estão porque não tinham capacidade para seguir outra via. Enquanto isso, os alunos são encorajados, em casa e até mesmo na escola, a seguirem outras vias com outras garantias de sucesso e empregabilidade. Daqui decorrem vários problemas que enuncio de seguida:

- Crise de vocações – Muitos alunos escolhem um currículo tendo em conta, não a profissão onde se sentiriam mais realizados, mas antes, tendo em conta o estatuto que essa profissão lhes poderá trazer no futuro. A partir daí, encontraremos sempre péssimos profissionais em algumas áreas, que acabam por tirar o lugar a outros indivíduos, que forçosamente acabaram a fazer algo onde também estão contrariados.

- Crise de ideias – É sabido que as humanidades são hoje vistas por muita gente como algo inútil. Na verdade, foi em momentos em que essa inutilidade mais brilhou e se instalou, que a civilização humana conheceu os seus maiores desenvolvimentos. Não fosse essa classe de inúteis e radicais pensadores, bando de desocupados, e ainda hoje sobrevivíamos sob o estalar do chicote. Um país pode ter os melhores técnicos nas mais diversas áreas, os melhores engenheiros, os melhores médicos, os melhores físicos, enfim, se estes não forem mais que isso, são apenas máquinas. Não criam, reproduzem.

- Crise de Democracia – Uma das maiores lições que aprendi nas minhas experiências fora do país foi que a democracia, antes de ser implementada, requer uma série de pré- requisitos, e um desses pré-requisitos é a educação e formação cívica. Um indivíduo preparado apenas para produzir, e não para pensar, questionar, argumentar, criar, é um mero parafuso numa máquina dirigida por uma mão invisível. Faz porque tem de fazer, porque lhe disseram que tem de ser assim. O estado deixa de funcionar como um contrato social entre os indivíduos a partir do momento em que o indivíduo não se identifica como parte do estado, mas antes

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como um servo do estado, se é que alguma vez chega a ter essa noção. Outras vezes, a falta de formação humanística, leva a que os indivíduos procurem pensar e argumentar sem o recurso às ferramentas devidas, tecendo qualquer tipo de considerações acerca de refugiados, religiões, desempregados, políticos, médicos, professores, etc., e esse é um campo muito fértil para os demagogos, como avisou Platão há tantos anos atrás.

Assim, admitindo que o nosso sistema de ensino produz, e bem, bons profissionais, com capacidades técnicas reconhecidas por esse mundo fora, não posso deixar de criticar o facto desse ensino privilegiar muitas vezes o desenvolvimento técnico em detrimento do desenvolvimento pessoal e humano. Independentemente da opção do aluno por este ou aquele currículo, o ensino de disciplinas como a Filosofia, a Literatura, a História ou as Artes, nunca deveria ser descurado e até marginalizado, como acontece um pouco por toda a parte.

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