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3. Situação atual e projetos para o futuro

3.3. Reflexão Crítica

Frequentemente me dizem que é uma pena ver alguém, depois de tantos anos a estudar, ter de emigrar para encontrar emprego. É de facto uma pena, mas não para mim. Sempre procurei este caminho e, principalmente nos últimos anos da faculdade, sabia bem o que queria fazer quando terminasse a licenciatura. Só teria de aguardar uma oportunidade (que não tardou a aparecer). Compreendo e aceito a frustração de muitas pessoas que, durante tanto tempo, se prepararam para uma profissão e que agora se vêm impedidas de a exercer, pelos mais diversos motivos. Têm toda a legitimidade para isso. No entanto, é importante que as pessoas se abram a outras possibilidades. Como referi anteriormente, somos mais que uns meros profissionais; por isso não devemos procurar um sentido para a nossa vida centrados na atividade profissional.

Em retrospetiva, algumas das melhores coisas que fiz até hoje foram proporcionadas pelo facto de estar a trabalhar no estrangeiro e, no entanto, nem todas têm a ver com a minha profissão. Ao longo dos últimos dez anos, dormi em palhotas, acordei em ilhas praticamente desertas, ouvi uma infinidade de línguas diferentes, caminhei na muralha da China, mergulhei em barreiras de coral, experimentei comidas de todo o mundo, adormeci ao som de tambores, fui acordado pelo cantar de um imã, enfim, experimentei, vivi e, ao viver, cresci. Julgo ser hoje uma pessoa com outras competências sociais, outra abertura para ir ao encontro do outro, sem receios de abandonar a minha zona de conforto e tudo isso só me tornou mais forte. Por isso, quando me dizem que deveria ter escolhido uma outra área, eu respondo que ao escolher a Filosofia, escolhi todas as outras áreas ao mesmo tempo e que, por isso, independentemente de

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estar a ensinar Filosofia, Cidadania ou a fazer outra coisa qualquer, continuo a exercer a minha profissão na área que escolhi. Sinto-me hoje mais bem preparado para ensinar Filosofia, porque a Filosofia não é apenas algo que se aprende num curso universitário. Continuarei a aguardar uma nova oportunidade para voltar ao ensino da Filosofia no ensino secundário em Portugal. Até lá, continuarei por aí a aprender.

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Ao longo das páginas anteriores procurei expor aquilo que foi a minha atividade profissional desde o momento em que terminei a licenciatura, bem como os aspetos do meu percurso pessoal e académico que me pareceram mais pertinentes e determinantes na minha formação. Refletir sobre todos estes aspetos, no final de cada capítulo, obrigou-me a rever detalhadamente vários momentos da minha vida e a refletir sobre o sentido dos mesmos. No final, tenho a certeza que a elaboração deste trabalho me levou a aprender um pouco mais sobre mim, o que por si só, já terá valido a pena. Opto, nestas últimas linhas, por enunciar algumas das conclusões a que cheguei ao longo deste relatório.

Chego ao final com a convicção reforçada de que não somos o produto de apenas uma das várias dimensões que nos envolvem. Sou hoje o resultado de muitas experiências a vários níveis, pessoal, profissional e académico, e por esse motivo acredito que a educação deverá ser sempre pensada de forma transversal. Nem exclusivamente focada no desenvolvimento pessoal, nem no desenvolvimento profissional nem, como frequentemente assisti, simplesmente focada num exame final de acesso ao ensino superior. A escola deve ser um espaço de desenvolvimento, onde se adquirem competências académicas e profissionais, mas sempre, e acima de tudo, um espaço de desenvolvimento pessoal.

Concluo igualmente que, se é verdade que a sociedade é um resultado da educação, também a educação é, muitas vezes, um resultado da sociedade, veja-se, por exemplo o caso das sociedades mais tecnocráticas, onde se define a educação de cada um com base em projeções sobre a necessidade de aumentar ou reduzir este ou aquele grupo profissional, atentando contra a liberdade de escolha de cada um. Tão grave quanto isso é o facto de estas sociedades experimentarem, não raras vezes, a tendência de transformar o ensino numa mera preparação para uma determinada profissão, contrariando aquilo que foi aqui defendido no parágrafo anterior. No meio disto tudo, o educador, sempre que lhe for permitido, deverá exercer o papel de moderador entre as vontades do estado e as liberdades individuais. Deverá auxiliar o aluno a descobrir vocações e a aprender a tomar decisões, ao invés de o direcionar para um determinado curso, acriticamente, com a justificação de que aquela profissão lhe dará mais dinheiro e estatuto social. Não sei se será possível contrariar este ciclo de influência mútua, Educação – Sociedade – Sociedade – Educação. No entanto, em cada momento, devemos refletir em conjunto sobre a influência exercida por uma sobre a outra. Por vezes é a educação que leva a sociedade por um mau caminho. Outras vezes é a sociedade que empurra a

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educação para o precipício. Compete a todos, mas em particular aos educadores, refletir sobre estes assuntos, procedendo aos respetivos reajustamentos.

Não foi fácil a realização deste trabalho, uma vez que grande parte do mesmo foi redigida no interior de Timor-Leste, onde o acesso a bibliografia adequada raramente é possível. As bibliotecas, quando existem, continuam a ser espaços onde apenas se guardam manuais escolares antigos e algumas obras de ficção. Contudo, sendo este um relatório sobre a minha atividade profissional, senti que me podia basear essencialmente na minha experiência pessoal e nas reflexões que vou fazendo diariamente acerca daquilo que me rodeia, por isso, não serão encontradas, ao longo do relatório, muitas citações ou referências diretas a autores. Foi o trabalho possível, dadas as circunstâncias e, ainda assim, julgo que cumpriu o seu propósito de descrever criticamente a minha atividade profissional.

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AA. VV. (coord. Maria Manuela Bastos de Almeida) (2002). Programa de Filosofia 10.º e 11.º anos cursos Científico-Humanísticos. Lisboa: Ministério da Educação – Departamento do Ensino Secundário.

AA. VV. (coord. Maria Manuela Bastos de Almeida) (2001). Programa de Filosofia A (12.º ano) cursos Científico-Humanísticos e cursos Tecnológicos – Formação Geral. Lisboa: Ministério da Educação – Departamento do Ensino Secundário.

Manso, Artur (2014). A Disciplina de Filosofia no Atual Contexto Curricular do Ensino Secundário em Portugal. Centro de Investigação em Educação (CIEd) – Instituto de Educação – Universidade do Minho.

Manso, Artur (2012). Da Utilidade das Coisas Inúteis ou Porque se Deve Ensinar Filosofia no Ensino Secundário. Instituto de Educação – Universidade do Minho.

UNESCO (2007). La philosophie, une ecole de la liberté – Enseignement de la philosophie et aprentissage du philosopher: état de lieux et regards pour l’avenir.

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