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Reflexão crítica: A Pertinência do Estudo da Filosofia no Ensino Secundário

1. Percurso Pessoal, Académico e Profissional

2.4. Reflexão crítica: A Pertinência do Estudo da Filosofia no Ensino Secundário

Ao longo das próximas linhas procurarei refletir acerca deste tema, fazendo a apologia do ensino da Filosofia no ensino secundário, uma vez que me parece inegável o contributo da disciplina para a construção de um mundo melhor, a partir do desenvolvimento individual de cada um de nós. Antes de mais, devo clarificar que, por mundo melhor não entendo nenhum modelo de sociedade previamente concebido, aliás, o erro de muitos sistemas de ensino, quanto a mim, foi o de colocarem a Filosofia ao serviço da uma conceção de civismo modelada pelo próprio estado, orientados para a criação do “bom cidadão, patriota e obediente”, quando os frutos dessa obediência e patriotismo, bem sabemos, acabam mais cedo ou mais tarde nas mãos de alguma elite, raramente repartidos equitativamente pelo esforço de todos.

Desconheço a forma desse mundo melhor, mas reconheço que com pessoas filosoficamente mais competentes, independentemente da sua área ou grau de formação, esse modelo, ainda desconhecido, só poderá ser melhor. Desconheço-o, não porque me demita de o tentar idealizar, mas porque o mesmo será o melhor mundo possível dadas as circunstâncias futuras que hoje não posso antever, quando muito poderia especular um pouco sobre elas. O mundo melhor de uma determinada época não corresponde ao mundo melhor de uma outra época; no entanto, julgo que alguns traços comuns poderiam ser encontrados, não tanto no funcionamento da sociedade mas, acima de tudo, na atitude de cada um dos indivíduos. Nesse mundo melhor encontraríamos certamente mais cidadãos a questionarem o porquê das coisas,

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a tentarem oferecer soluções e não apenas a crítica pela crítica, a fundamentarem as suas crenças, a tomarem decisões baseadas em princípios éticos, a analisarem cuidadosamente os resultados das suas ações orientando-as para o bem-comum.

O meu pensamento não reflete uma confiança cega na Filosofia ou na humanidade, que obviamente está cheia de defeitos, mas quando falo em mundo melhor, também não falo em mundo perfeito, com toda a carga subjetiva que estes conceitos possam ter. Falo apenas num mundo melhor. Certamente melhor que aquele mundo onde as pessoas se baseiam em títulos de notícias, de sites duvidosos, para tirarem conclusões sobre qualquer assunto, exibindo orgulhosamente as suas opiniões à mesa de café. Certamente melhor que aquele mundo onde ser muçulmano é sinónimo de ser terrorista ou funcionário público é sinónimo de ser preguiçoso. Dadas as imperfeições humanas, esse mundo, o tal das pessoas filosoficamente mais competentes, não seria mil vezes melhor. Contudo, seria um pouco melhor e isso, quanto a mim, é quanto basta para repensar a atitude anti-filosófica, mais ou menos generalizada pela tecnocracia e pela ditadura dos mercados.

Porém, a filosofia não tem retorno financeiro, dizem eles. Discordo: em última análise, a boa preparação filosófica de uma população pode trazer melhorias à eficiência e qualidade dos bens produzidos, mas isso seria tema para outra reflexão, uma vez que não é isso que aqui está em causa. Importa, isso sim, refletir sobre a pertinência do estudo da Filosofia no ensino secundário e nos benefícios que isso pode trazer a cada um, individualmente, e à sociedade enquanto soma de todas as individualidades. “é por demais evidente que nem a ciência nem a técnica , só por si, trazem a felicidade ao indivíduo” (cf. Manso, 2014, p.731).

Os sucessos da ciência vieram exacerbar a mentalidade positivista. A ciência é útil. A Filosofia inútil, uma atividade especulativa para mentes desocupadas. Aliás, este tipo de pensamento já vem de trás “Desde o seu aparecimento, a filosofia opõe-se à ideia que acompanha a mentalidade ocidental de que o trabalho dignifica o homem”(cf. Manso, 2012, p.1). Os valores mudaram e a sociedade tornou-se demasiado competitiva, não só localmente mas a nível global. Os estados passam a ter um maior interesse em produzir técnicos altamente especializados nas suas áreas, máquinas de trabalho que não têm de pensar muito, têm de executar e criar riqueza. Ao mesmo tempo, cada um, individualmente, passou a acreditar que o sentido da vida é enriquecer. O sonho da maior parte dos jovens é tornar-se um empreendedor

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de sucesso, criando uma aplicação para telemóvel, que mais tarde vai vender a uma multinacional, enriquecendo, o que lhe vai permitir comprar toda a felicidade do mundo. Obviamente, apenas uma pequena percentagem da população vai encontrar esse sucesso, e entre aqueles que o encontram, duvido que alguma vez possam comprar a tal felicidade.

O problema das políticas de ensino recentes, que enfatizam a preparação do estudante para uma profissão, reside precisamente no facto de olharem o aluno apenas como um futuro profissional, um ativo valioso para o seu país. Não duvido da importância de preparar eficientemente alguém para uma profissão futura. No entanto, renunciar ou pelo menos negligenciar outras áreas do desenvolvimento pessoal é esquecer que o ser humano é muito mais que um número, que uma máquina de quem se espera o melhor funcionamento possível. O ser humano não tem uma existência unidimensional e esquecer todas as outras dimensões da sua vida é perder a derradeira batalha contra a escravatura que nós próprios, enquanto sociedade, criamos. Um dia fomos completamente livres mas entendemos que ao abdicar de alguma dessa liberdade seríamos mais felizes. Assim, organizamo-nos e passamos a ter diferentes funções na sociedade. Para que uns produzissem o pão, outros tinham de plantar e colher os cereais, necessitando para isso de ferramentas produzidas por outros que mais tarde iriam comprar, também eles, o pão. Criaram-se relações de interdependência que, apesar de subtraírem alguma liberdade, eram necessárias a uma vida melhor. Hoje, com o advento de novos valores, com a crença generalizada de que o trabalho é aquilo que nos dignifica, que nos leva ao sucesso, que nos dá sentido à vida, esquecemos que o trabalho é apenas uma pequena parte daquilo que somos, certamente importante para o melhor funcionamento da sociedade, importante para obtermos o nosso sustento e não menos importante para a nossa realização pessoal, porém, apenas um dos muitos aspetos que nos definem.

A Filosofia, enquanto disciplina do ensino secundário, tem a responsabilidade, o direito e o dever de:

1) dotar os alunos de competências que lhes permitam pensar e argumentar com clareza; investigar autonomamente; criticar construtivamente; questionar o mundo, os hábitos, a moral instituída; questionar o sentido daquilo que fazem; comunicar assertivamente; entre outras ferramentas úteis no seu dia a dia.

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2) contribuir para a concretização dos quatro imperativos do relatório Delors: aprender a conhecer; aprender a fazer; aprender a ser; aprender a viver juntos(cf. Delors, 1996, p.90).

3) elevar o pensamento dos alunos a um nível superior ao do senso comum, onde deverão refletir acerca do derradeiro sentido da vida, partindo de uma reflexão onde consigam filtrar o essencial, redefinindo valores e prioridades, tendo em conta que os aspetos religiosos No fundo, dotar os alunos de uma atitude filosófica perante a vida.

Só assim, reconhecendo uma maior importância ao ensino da Filosofia, como disciplina transversal a todas as áreas, poderá o ensino secundário contribuir para a construção de um mundo verdadeiramente melhor.

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