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3 OS MÉTODOS DE RESOLUÇÃO DE LITÍGIOS À LUZ DO SISTEMA

3.1 A autocomposição: construindo soluções consensuadas

Imperioso destacar que a possibilidade de utilização de métodos que não o da jurisdição tradicional não tem como propósito desvalorizar ou colocar em segundo plano a atividade principal do Poder Judiciário. Na realidade, quando se concede legitimidade à tarefa dos conciliadores e mediadores, apenas são aspiradas novas formas de solução dos litígios.76 Desse modo, não há que se falar em afronta ao já

consolidado monopólio da jurisdição estatal. Até porque esses mecanismos só podem ser utilizados se os direitos envolvidos no conflito forem passíveis de autocomposição.77

De modo geral, pela autocomposição, o conflito é tratado de forma autônoma, já que as próprias partes decidem como resolvê-lo, de modo a atender seus interesses. São, portanto, as protagonistas do processo, uma vez que detêm o poder de decisão. Para tanto, elementos persuasivos e consensuais são utilizados, o que favorece, como resultado, soluções mais eficientes e duradouras.78

Nessa perspectiva, o princípio do acesso à justiça, estampado na Constituição da República Federativa do Brasil79, hoje, também compreende a justiça conciliativa,

introduzida ao atual quadro da política judiciária. Para tanto, considera-se que os métodos autocompositivos, atualmente, são vistos como meios mais favoráveis à resolução de algumas controvérsias.80 Assim, a resolução de conflitos judicializados,

hoje, vai além dos métodos tradicionais da jurisdição clássica que, sobretudo, privilegia a heterocomposição, a ser abordada em tópico próprio.

76 SPENGLER, Fabiana Marion. O Estado-Jurisdição em crise e a instituição do consenso: por

uma outra cultura no tratamento de conflitos. 2007. Tese (Doutorado em Direito) – Programa de Pós-Graduação em Direito, Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, p. 295.

77 CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel.

Teoria Geral do Processo. 30. ed São Paulo: Malheiros, 2014, p. 48

78 MORAIS, José Luis Bolzan; SPENGLER, Fabiana Marion. Mediação e Arbitragem: Alternativas à

Jurisdição. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2008, p. 114

79 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília/DF: 05 out. 1988. Art.

5o, XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.

80 CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel.

Nos tempos primitivos, apesar da preponderância da autotutela ou autodefesa, a autocomposição também já era utilizada pelos povos àquele período. Por meio da desistência, submissão ou transação, os litígios eram resolvidos de modo consensual, fazendo-se necessária, para tanto, a disposição e interesse de seus envolvidos. Na desistência, uma das partes renunciava a sua própria pretensão, enquanto que na submissão, a parte renunciava a resistência oferecida à pretensão. A transação, por sua vez, era caracterizada pela realização de concessões recíprocas entre os litigantes.81

Assim, entende-se que há autocomposição quando os próprios participantes da relação conflituosa decidem a melhor forma de solucioná-la sem necessidade da intervenção vinculativa de terceiro. Nesses moldes, mediante um ajuste voluntário, os interesses das partes, inicialmente antagônicos, são harmonizados, e, assim, é satisfeita a vontade de todos, por meio de uma negociação – autocomposição direta – ou, ainda, da mediação ou conciliação – autocomposição indireta.82 Em outras

palavras, no processo autocompositivo, pode haver ou não o auxílio de terceiros (mediadores e conciliadores) como facilitadores.83

Na negociação, todo o procedimento, assim como o seu resultado, são controlados pelas próprias partes que se encontram negociando. Assim, os seus envolvidos têm ampla liberdade de escolha, inclusive podendo estabelecer as regras procedimentais e determinar o local e momento de sua realização.84 Não há, portanto,

a participação de outro sujeito, alheio à controvérsia, nem mesmo como facilitador do processo autocompositivo.

Com base nos estudos feitos pela Faculdade de Direito da Universidade de Harvard, foram estabelecidas as formas de negociação.85 Em síntese, esta pode

basear-se em posições – também chamada de negociação posicional – ou, ainda, em

81 CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel.

Teoria Geral do Processo. 30. ed. São Paulo: Malheiros, 2014, p. 39.

82 AZEVEDO, André Gomma de. Perspectivas metodológicas do processo de mediação:

apontamentos sobre a autocomposição no direito processual. In: AZEVEDO, André Gomma de (Org.). Estudos em arbitragem, mediação e negociação, vol. 2. Brasília: Ed. Grupos de Pesquisa, 2003, p. 152-153.

83 DIDIER JR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil: Introdução ao Direito Processual Civil,

Parte Geral e Processo de Conhecimento. 17. ed. Salvador: Jus Podivm, 2015, p. 166.

84 AZEVEDO, André Gomma de (Org.). Manual de Mediação Judicial, 6a ed. Brasília: Conselho

Nacional de Justiça, 2016, p. 20.

85 Cf. FISHER, Roger; URY, William; PATTON, Bruce. Como chegar ao sim: como negociar acordos

sem fazer concessões. Tradução de Ana Luíza Borges e Vera Ribeiro. 2. ed. Rio de Janeiro: Imago, 1994.

interesses. Na primeira forma, há o mínimo de concessões pelas partes já que elas se encontram firmes em suas posições antagônicas, o que reforça a existência de uma adversariedade. Nesse modelo negociativo, a parte cria um ambiente não- cooperativo de modo que não seja favorecida a vitória do oponente. Por sua vez, a negociação baseada em interesses presume uma comunicação clara e direta dos interesses de cada participante e, assim, pautados em um agir cooperativo, é possibilitado que todos os envolvidos tenham seus interesses satisfeitos.86

Nesse sentido, constata-se que as posições inicialmente adotadas pelas partes do conflito não correspondem aos seus verdadeiros interesses. Ao contrário do que geralmente se concebe, chegar a um acordo capaz de verdadeiramente solucionar as demandas em questão não é o mesmo que encontrar o ponto médio das posições de seus envolvidos.87

Ainda sobre a distinção que deve ser feita entre posições e interesses, merece destaque um exemplo clássico utilizado nos estudos da Escola de Negociação de Harvard: duas irmãs encontravam-se em uma mesma posição pois ambas disputavam quem ficaria com uma laranja. A mãe, a fim de resolver a controvérsia, decidiu cortar a fruta ao meio, dando cada metade a cada filha. Contudo, mesmo após a divisão, as meninas continuaram insatisfeitas questionando a mãe a sua atitude. Isso porque enquanto uma queria o sumo da laranja para fazer suco, a outra desejava apenas a casca da fruta para fazer letrinhas. Depreende-se que esses eram os verdadeiros interesses das crianças, de modo que para atendê-los a mãe precisaria apenas descascar a laranja, entregando a fruta para uma filha e a casca para a outra.88 Desse

modo, a efetivação de uma negociação colaborativa requer uma adequada compreensão dos interesses de seus participantes.

É válido registrar que a mediação e a conciliação são também formas de se negociar e, por essa razão, as ideias gerais apresentadas sobre a negociação por posições/interesses também são aplicadas a esses métodos, com a diferença de que,

86 ALMEIDA, Fábio Portela Lopes de. A teoria dos jogos: uma fundamentação teórica dos métodos de

resolução de disputa. In: AZEVEDO, André Gomma de (Org.). Estudos em arbitragem, mediação e negociação, vol. 2. Brasília: Ed. Grupos de Pesquisa, 2003, p. 195-197.

87 AZEVEDO, André Gomma de (Org.). Manual de Mediação Judicial, 6a ed. Brasília: Conselho

Nacional de Justiça, 2016, p. 75.

88 BARROS, Marcus Aurélio de Freitas. A negociação processual pelo Ministério Público. In:

neles, terceiro, neutro ao conflito, a partir de técnicas próprias, identificará os reais interesses das partes, ajudando-as a focar neles e não em suas posições.

Assim, na mediação e conciliação, os litigantes são auxiliados por terceiro, sem interesse na causa, devendo este agir com neutralidade em relação ao conflito. Apesar do ponto em comum, esses dois procedimentos apresentam algumas peculiaridades, em que pesem essas distinções não serem mais tão significativas89, ao ponto de

minimizar o propósito maior de ambos procedimentos, qual seja a pacificação e estabelecimento do consenso.

Então, a controvérsia passa a ser tratada sob uma nova perspectiva. Isto é, a partir de um intercâmbio de interesses e pretensões, mediado por terceiro, cuja função não é ditar uma resposta já determinada por uma norma jurídica, mas sim ajudar a construí-la tendo por base o consenso. Desse modo, tendo as próprias partes construído a resposta para a relação conflituosa que as envolvem, resta evidente o compromisso delas com o que foi decidido.90

Mais uma vez, reforça-se a sutileza das diferenças entre esses dois meios de autocomposição, que somente faz sentido sob um olhar analítico mais categórico. Basicamente, o que difere um procedimento do outro é o modo como atua o terceiro facilitador.91

É que as fases dos procedimentos autocompositivos assemelham-se, tendo início pelo discurso direto de cada um dos envolvidos a respeito de suas questões e interesses, os quais devem ser identificados e compreendidos pelo conciliador/mediador. Este, mediante o emprego de técnicas interdisciplinares, auxilia os litigantes no manejo de suas demandas.92

No tocante às diferenças, pode-se dizer que enquanto o conciliador deve adotar uma postura mais participativa, cabendo-lhe, inclusive, a sugestão de possibilidades de resolução da controvérsia; o mediador deve atuar de maneira mais comedida no

89 AZEVEDO, André Gomma de (Org.). Manual de Mediação Judicial, 6a ed. Brasília: Conselho

Nacional de Justiça, 2016, p. 20-23.

90 MORAIS, José Luis Bolzan; SPENGLER, Fabiana Marion. Mediação e Arbitragem: Alternativas à

Jurisdição. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2008, p. 126.

91 DIDIER JR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil: Introdução ao Direito Processual Civil,

Parte Geral e Processo de Conhecimento. 17. ed. Salvador: Jus Podivm, 2015, p. 275-276

92 AZEVEDO, André Gomma de. Autocomposição e processos construtivos: uma breve análise de

projetos-piloto de mediação forense e alguns de seus resultados. In: AZEVEDO, André Gomma de (Org.). Estudos em arbitragem, mediação e negociação, vol. 3. Brasília: Ed. Grupos de Pesquisa, 2004, p. 145.

processo de negociação. Isso porque, na mediação, cabe às partes a compreensão de suas questões, para que, a partir desse entendimento, sejam identificadas soluções capazes de atender aos interesses de ambos os lados. Em outras palavras, não é tarefa do mediador propor alternativas para resolução da lide. Portanto, é mais adequado o uso da mediação nos casos de existência de um relacionamento prévio e/ou constante entre as partes. A conciliação, por seu turno, é apropriada aos casos onde inexiste relação anterior entre os seus participantes.93

Inclusive, essa diferenciação passou a encontrar amparo legal no Código de Processo Civil/1594, como se abordará mais adiante.

Contudo, bem antes do advento do novo diploma processual civil, a doutrina já abordava a necessidade de se observar o tipo de relação existente entre as partes para escolha do método autocompositivo adequado ao caso, destacando-se a mediação como forma de se apaziguar e preservar relacionamentos mais prolongados e não eventuais.95

Nesse aspecto, percebe-se a conciliação como método mais adequado à solução de conflitos que envolvam questões patrimoniais e de caráter mais objetivo e, por isso, a atividade do conciliador se torna mais limitada. Preferencialmente, relações familiares não devem estar envolvidas. Na mediação, há a necessidade de que vínculos já existentes sejam reestabelecidos e mantidos.96

Apesar da distinção mencionada, parece ser uníssona a ideia de que não se mostra acertada a atuação do conciliador/mediador que se limita a questionar às partes sobre a possibilidade de acordo, porque este, como terceiro facilitador, deve empregar a variedade de técnicas disponíveis, a fim de que se estabeleça o consenso e, por conseguinte, os desentendimentos sejam solucionados.97

Ainda, ao se abordar a negociação por interesse, constatou-se a necessidade de se estabelecer uma comunicação clara e direta entre os seus envolvidos. Vale

93 DIDIER JR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil: Introdução ao Direito Processual Civil,

Parte Geral e Processo de Conhecimento. 17. ed. Salvador: Jus Podivm, 2015, p. 276.

94 BRASIL. Lei nº 13.105. Brasília/DF: 16 mar. 2015. Art. 165. §2o e §3o.

95 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet.

Porto Alegre: Fabris, 1988, p. 72.

96 CHAVES, Emmanuela Carvalho Cipriano; SALES, Lilia Maia de Morais Sales. Mediação e

Conciliação Judicial: a importância da capacitação e de seus desafios. In: Revista Sequência. Florianópolis. N. 69 (dez 2014), p. 262.

97 SAMPAIO JÚNIOR, José Herval. O papel do juiz na tentativa de pacificação social após o advento

do novo CPC e a Lei de Mediação. In: Revista FONAMEC. Rio de Janeiro. V. 1, n. 1 (mai. 2017), p.177.

destacar que a conciliação e mediação, como práticas negociativas, também exigem esse fluxo comunicativo de modo que se crie um ambiente de cooperação, onde os interesses de seus participantes sejam harmonizados.

Ao debruçar-se sobre a teoria do agir comunicativo de Habermas, Fabiana Marion Spengler destaca:

Para que a ação comunicativa ocorra, deve satisfazer a condições bastante rigorosas: os agentes participantes tentam adequar os seus respectivos planos cooperativamente, dentro do horizonte de um mundo da vida partilhado e com base em interpretações comuns da situação. Além disso, estão preparadas para os seus objetivos nas funções de falantes e ouvintes através do processo de obter entendimento – isto é, pelo cumprimento sem reservas de objetivos ilocutórios. Conseguir entendimento de modo linguístico é algo que funciona de uma forma que permite aos participantes, na interação, chegar ao acordo mútuo.98

É a partir dessa prática comunicativa que se obtém a dialética necessária ao consenso. Assim, a consensualidade encontra-se intrinsecamente relacionada à essência dos métodos autocompositivos e favorece uma participação ativa das partes na resolução de questões que lhe são próprias e que, por esse motivo, são mais facilmente solucionas por elas do que por um terceiro alheio à controvérsia.

A partir dessa ideia, já é possível fazer a distinção entre dois modelos de justiça: a consensual e a adjudicada, conforme conclui Karime Silva Siviero e Brunela de Vincenzi:

A justiça consensual consagra uma postura dicotômica das partes na construção de uma resposta para o conflito, enquanto os processos judiciais apresentem estrutura triádica, ou seja, cabe a um terceiro estranho à lide solucioná-la por intermédio de uma decisão imperativa. Nesse contexto, as práticas comunicativas fundadas no consenso ajudam a reparar as insuficiências próprias da justiça adjudicada e permitem que os cidadãos participem diretamente da formação de consensos, como também que assumam os riscos e consequências do processo decisório.99

98 SPENGLER, Fabiana Marion. O Estado-Jurisdição em crise e a instituição do consenso: por

uma outra cultura no tratamento de conflitos. 2007. Tese (Doutorado em Direito) – Programa de Pós-Graduação em Direito, Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, p. 348.

99 SIVIERO, Karime Silva; VINCENZI, Brunela Vieira de. A importância da autocomposição a partir

das teorias de Jürgen Habermas e Axel Honneth. In: Revista Brasileira de Direito. V. 13, n. 13

(jan. - abr./2017). Disponível em:

No que se refere às técnicas empregadas nos processos autocompositivos, em razão da atuação mais ativa do mediador, a maioria dos autores dá ênfase a sua utilização na mediação. Porém, na prática, as ferramentas disponíveis podem ser usadas também na conciliação, considerando que ambas são formas de negociação facilitadas por terceiro.

Como já abordado, é mediante o tratamento adequado dos conflitos que estes podem configurar oportunidades de amadurecimento das relações humanas sob a perspectiva de um processo construtivo.

Dentro desse contexto, não se pode deixar de ressaltar que, inevitavelmente, emoções encontram-se envolvidas em um litígio, devendo estas serem reconhecidas, compreendidas e devidamente trabalhadas.100 Passa-se, então, à análise de algumas

das técnicas indicadas para um apropriado manejo, dentro da autocomposição, das demandas inerentes às relações conflituosas.

Considerando que o resultado do processo autocompositivo depende diretamente de como as partes se comunicam, ressalta-se a importância do uso de uma comunicação despolarizadora ou conciliatória para uma abordagem apropriada das controvérsias. Em síntese, por meio dela, os discursos são propagados e recebidos de modo a favorecer uma mútua compreensão dos interesses por seus interlocutores. Verifica-se a relevância dessa ferramenta na medida em que, mediante o emprego de uma comunicação efetiva, possibilita-se que o conflito seja percebido como um fenômeno positivo.101

A escuta ativa também pode ser colocada como uma das ferramentas a ser utilizada pelo conciliador/mediador. A fim de que seja estabelecido o fluxo comunicativo inerente à autocomposição, é preciso que as partes se escutem atentamente, com respeito ao momento de fala de cada participante. A tendência das pessoas é tirar conclusões precipitadas antes de que os argumentos do outro sejam concluídos. Isso é ainda mais comum quando se trata de partes litigantes. No entanto, o trabalho do terceiro facilitador é assegurar que a comunicação seja estabelecida dentro de um ambiente de cooperação. Até porque é a partir de uma escuta atenciosa,

100 VEZZULLA, Jean Carlos. Teoria e prática da mediação. Curitiba: Instituto de Mediação e

Arbitragem no Brasil, 2001, p. 42.

101 AZEVEDO, André Gomma de (Org.). Manual de Mediação Judicial, 6a ed. Brasília: Conselho

que o próprio conciliador/mediador identificará os verdadeiros interesses das partes.102

Também, a fim de que os envolvidos na controvérsia não tragam à tona situações do passado que em nada contribuirão para a resolução da controvérsia, é utilizado o enfoque prospectivo. Isto é, estimula-se que as partes foquem no futuro, pensando em soluções que atendam as suas necessidades dali para frente. Desse modo, busca-se um agir cooperativo que visa a resolução da demanda.103

Esses são apenas alguns exemplos das múltiplas ferramentas empregadas no tratamento dos conflitos a partir da autocomposição. Nesse sentido, é possível constatar que as técnicas apresentadas configuram eficazes mecanismos na construção de um diálogo em prol do consenso, uma vez que despolarizam as relações, afastando o caráter adversarial associado ao conflito.

Nessa mesma linha, Carolina Ellwanger conclui:

O consenso consciente é aquele formado a partir de amplo debate, no qual não há imposição, mas sim respeito e escuta ativa. A participação dos envolvidos no conflito deve ser total, se assim não o for, há a possibilidade de se ter um consenso crivado pela persuasão, que na realidade não é um consenso e, sim, uma decisão impositiva.104

Desse modo, destaca-se a necessidade de um diálogo construtivo e cooperativo para que soluções consensuadas sejam obtidas ao final de uma autocomposição. Essas soluções, embasadas no querer e agir direto das partes, são mais legítimas, na medida em que conseguem resolver, de modo efetivo, os desentendimentos que deram origem ao conflito. Assim sendo, a autocomposição, indicada pelo consenso das partes representa um importante instrumento de solução legítima de controvérsias.

Também, resta evidenciado o forte caráter democrático das soluções advindas da autocomposição. Isso porque elas são resultados de um processo decisório, em

102 VEZZULLA, Jean Carlos. Teoria e prática da mediação. Curitiba: Instituto de Mediação e

Arbitragem no Brasil, 2001, p. 25-27.

103 SOARES JÚNIOR, Jarbas (Org.). Manual de negociação e mediação para membros do

Ministério Público. Brasília: Ministério da Justiça, 2014, p. 273-274.

104 ELLWANGER, Carolina. Da crise jurisdicional à “jurisconstrução”: uma mudança de paradigma

focado nos atores do conflito e no papel do mediador. 2011. Dissertação (Mestrado em Direito) – Programa de Pós-Graduação em Direito. Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, p. 117.

que as partes se configuraram como verdadeiros protagonistas, regulando as próprias relações. Mais do que um mecanismo eficaz e econômico de processamento dos litígios, a solução consensuada é fruto de um exercício de poder de seus envolvidos.105

Sob esse prisma, importa, ainda, reforçar que a solução do litígio, quando advinda das partes e não imposta, torna esta mais propensa ao cumprimento voluntário do que ficou por elas acertado. Configura-se, assim, a solução consensuada como instrumento que deverá ser sempre prestigiado, de modo a favorecer a criação de saída eficaz e efetiva para a litigiosidade temporariamente existente entre elas.

Para além dessa visão, registra-se que, na perspectiva dos conflitos judicializados, destaque do presente trabalho, o processo é encerrado por sentença (art. 203, § 1º, CPC/2015106), que resolva, ou não, o mérito da lide. Por isso, o ajuste

entre as partes, ainda que deva ser prestigiado, para que possa implicar decisão legitima, não dever ir em sentido contrário ao que dispõe a Constituição Federal e a legislação vigente. A homologação, portanto, desse acordo, por sentença (art. 487, III, “b”, CPC/2015107), somente pode ser implementada pelo julgador, se perfeitamente

adequada aos ditames legais, não podendo as partes, a pretexto de solucionar a lide, inovar com providências ou medidas que vulnerem o direito.

Tomando por base os ensinamentos da Teoria da Argumentação Jurídica, de Robert Alexy, Alexandre Amaral Gavronski identifica duas condições necessárias à legitimação da decisão:

1) o consenso formado legitimamente e de forma participativa, e 2) a capacidade da solução jurídica alcançada (a concretização e criação do direito) de satisfazer minimamente uma pretensão de correção,

105 DIDIER JR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil: Introdução ao Direito Processual Civil,