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4 A BASE NORMATIVA PARA A CULTURA DO CONSENSO E DA

4.1 A Resolução nº 125 do Conselho Nacional de Justiça: diretrizes da Política

Conforme já abordado em capítulo anterior, hoje, não se concebe mais a interpretação do acesso à Justiça sob o aspecto exclusivamente formal. É que esse direito, constitucionalmente tutelado, deve ser compreendido em sentido amplo, como sinônimo de acesso à ordem jurídica justa, que tenha como resultado a efetividade, tempestividade e adequação da tutela jurisdicional.157

Ocorre que, nos tribunais pátrios, é ainda muito valorizada a solução adjudicada dos conflitos, isto é, aquela proveniente da sentença imposta pelo juiz. Mais uma vez, ressalta-se que a sua utilização de modo exclusivo não se mostrou mecanismo eficaz para tratamento adequado de alguns conflitos judicializados. Ainda mais quando se considera o elevado grau de conflituosidade que leva ao congestionamento do judiciário brasileiro.158

Desse modo, a fim de se garantir o acesso à justiça de modo amplo – ordem jurídica justa – constata-se ser de competência do Poder Judiciário a institucionalização dos meios consensuais de resolução de conflitos, considerando

157 WATANABE, Kazuo. Política Pública do Poder Judiciário Nacional para tratamento adequado

dos conflitos de interesses. Disponível em:

<https://www.tjsp.jus.br/Download/Conciliacao/Nucleo/ParecerDesKazuoWatanabe.pdf> Acesso em: 10 mai 2019, p. 3-5

158 WATANABE, Kazuo. Política Pública do Poder Judiciário Nacional para tratamento adequado

dos conflitos de interesses. Disponível em:

<https://www.tjsp.jus.br/Download/Conciliacao/Nucleo/ParecerDesKazuoWatanabe.pdf> Acesso em: 10 mai 2019, p. 1-2.

que estes não devem ser tratados apenas sob a ótica de um processo contencioso cuja solução somente se dá mediante a atividade adjudicatória do Estado-juiz.159

Inclusive, foi nesse sentido o discurso do Ministro Cezar Peluso, na ocasião de sua posse como presidente do Supremo Tribunal Federal, no ano de 2010. O presidente do STF à época não só destacou a celeridade como vantagem da utilização dos “remédios jurisdicionais facultativos”, mas também ressaltou o relevante papel de uma ativa participação das partes na busca por uma solução capaz de atender efetivamente os interesses envolvidos no conflito levado ao Poder Judiciário.160

Dentro desse contexto é que foi editada, pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), sob a presidência do então Ministro Cesar Peluso, em 29 de novembro de 2010, a Resolução nº 125161, a qual dispõe sobre a Política Judiciária Nacional de

tratamento adequado dos conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário. A priori, da análise da exposição de motivos da Resolução, depreende-se que o próprio judiciário, por meio do Conselho Nacional de Justiça, responsável pelo controle de sua atuação administrativa e financeira, reconheceu a necessidade de alargamento do conceito de acesso à justiça, de maneira que além do ingresso em juízo, a partir da utilização dos meios adequados, fossem asseguradas soluções efetivas aos jurisdicionados.162

Passa-se a uma breve análise de alguns de seus dispositivos.

De modo geral, a Resolução estabelece verdadeiras diretrizes para implantação da política pública de tratamento adequado dos conflitos de interesses no âmbito dos tribunais pátrios e, para tanto, institui uma Política Judiciária Nacional (art. 1o, da Resolução), que tem como pilares a centralização das estruturas

159 WATANABE, Kazuo. Política Pública do Poder Judiciário Nacional para tratamento adequado

dos conflitos de interesses. Disponível em:

<https://www.tjsp.jus.br/Download/Conciliacao/Nucleo/ParecerDesKazuoWatanabe.pdf> Acesso em: 10 mai 2019, p. 5.

160 PELUSO, Antonio Cezar. [Discurso na sua posse como Presidente do Supremo Tribunal

Federal e do Conselho Nacional de Justiça, em 23 de abril de 2010]. In: SESSÃO SOLENE DO PLENÁRIO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 3., Brasília, 2010. Ata da […], realizada em 23 de abril de 2010: posse dos excelentíssimos senhores ministros Antonio Cezar Peluso, na presidência do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça, e Carlos Augusto Ayres Britto, na vice-presidência. Diário da Justiça Eletrônico, 23 de maio 2010, p. 24 a 27.

161 CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Resolução nº 125, de 29 de novembro de 2010.

Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/busca-atos-adm?documento=2579>. Acesso em 10 mai. 2019.

162 CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel.

judiciárias; a adequada formação e treinamento de servidores, conciliadores e mediadores; bem como o acompanhamento estatístico específico (art. 2o).

Como forma de assegurar a efetividade e organização da Política instituída, a Resolução previu como atribuição do próprio Conselho Nacional de Justiça a tarefa de estabelecer diretrizes para sua implantação, devendo estas serem seguidas pelos Tribunais (art. 2o, I). Também como sua competência, pode-se destacar a definição de

parâmetros de capacitação de conciliadores/mediadores, assim como a criação do Cadastro Nacional desses profissionais (art. 2o, II e IX).

Para desenvolvimento e cumprimento da referida Política Judiciária no âmbito dos Tribunais, estes ficaram encarregados de criar os Núcleos Permanentes de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos, através dos quais foram criados os Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (CEJUSCs), onde devem ser realizadas as audiências de conciliação e mediação, sejam elas pré-processuais ou processuais. É o que prevê o art. 7o e 8o, da Resolução.

A Resolução também trata, em seu art. 12, dos conciliadores e mediadores, exigindo, para atuação desses, prévio curso de capacitação, permanente aperfeiçoamento, bem como uma constante avaliação dos usuários dos serviços prestados. As diretrizes curriculares dos cursos encontram-se previstas no Anexo I da Resolução, como forma de garantir uma efetiva qualificação dos profissionais responsáveis por conduzir a conciliação e mediação.

O Código de Ética de Conciliadores e Mediadores Judiciais é trazido pelo Anexo III da Resolução. Nele, estão previstos princípios que devem reger a atuação dos conciliadores e mediadores. Considerando a necessidade de substituição da “cultura da sentença” por uma “cultura de pacificação”163, merece destaque o princípio do

empoderamento, previsto no art. 1o, VII, do Código. A partir desse princípio, os

conciliadores/mediadores devem contribuir para que as partes empoderem-se e, como fruto da experiência vivenciada na conciliação/mediação, consigam resolver conflitos futuros.

Sobre a Resolução, o ministro Marco Aurélio Gastaldi Buzzi escreveu:

163 WATANABE, Kazuo. Política Pública do Poder Judiciário Nacional para tratamento adequado

dos conflitos de interesses. Disponível em:

<https://www.tjsp.jus.br/Download/Conciliacao/Nucleo/ParecerDesKazuoWatanabe.pdf> Acesso em: 10 mai 2019, p. 13.

Trata-se do primeiro marco oficial, institucional, e não apenas político- programático, ou de mera gestão, versando sobre o reconhecimento da existência de uma nova realidade, em que pese ressurgente, de se solucionar contendas, e nisso inaugura o novo formato da verdadeira Justiça Nacional.164

Assim, em que pese a redação de muitos dispositivos comentados ter sido dada por Emendas, algumas somente depois do advento do Código de Processo Civil de 2015, é preciso destacar a relevância da Revolução nº 125, do Conselho Nacional de Justiça. Isso porque por meio dessa iniciativa, houve reconhecimento, por parte do próprio Poder Judiciário, da verdadeira essência do acesso à justiça, compreendido não mais de forma limitada. Inclusive, esse instrumento normativo pode ser considerado importante passo para consolidação de uma cultura do consenso no Brasil, reforçando a importância de uma resolução legítima dos conflitos judicializados por intermédio de sua solução consensual. Isto é, pela comparticipação.