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A consensualidade e a comparticipação na perspectiva da resolução legítima de conflitos judicializados: uma mudança de paradigma trazida pelo CPC/15?

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS

CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO

RODOLFO SANT’ANNA COSTA BARBOSA

A CONSENSUALIDADE E A COMPARTICIPAÇÃO NA PERSPECTIVA DA RESOLUÇÃO LEGÍTIMA DE CONFLITOS JUDICIALIZADOS: UMA MUDANÇA DE

PARADIGMA TRAZIDA PELO CPC/15?

NATAL/RN 2019

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A CONSENSUALIDADE E A COMPARTICIPAÇÃO NA PERSPECTIVA DA RESOLUÇÃO LEGÍTIMA DE CONFLITOS JUDICIALIZADOS: UMA MUDANÇA DE

PARADIGMA TRAZIDA PELO CPC/15?

Monografia apresentada ao Curso de Direito sob a orientação do Professor Mestre Marcus Aurélio de Freitas Barros, como requisito parcial para obtenção do título de bacharel em Direito, do Centro de Ciências Sociais Aplicadas, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

Orientador: Prof. Me. Marcus Aurélio de Freitas Barros

NATAL/RN 2019

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Barbosa, Rodolfo Santanna Costa.

A consensualidade e a comparticipação na perspectiva da resolução legítima de conflitos judicializados: uma mudança de paradigma trazida pelo CPC/15 / Rodolfo Santanna Costa Barbosa. - 2019.

77f.: il.

Monografia (Graduação em Direito) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Ciências Sociais Aplicadas, Departamento de Direito Processual e Propedêutica. Natal, RN, 2019.

Orientador: Prof. Me. Marcus Aurélio de Freitas Barros.

1. Direito Monografia. 2. Mediação (Processo civil) Monografia. 3. Conflito Monografia. 4. Acesso à justiça -Monografia. 5. Consenso - -Monografia. I. Barros, Marcus Aurélio de Freitas. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título.

RN/UF/CCSA CDU 347.965.42

Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro Ciências Sociais Aplicadas - CCSA

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Primeiramente, agradeço a Deus, Senhor do tempo e de todas as coisas, pelo dom da vida e por ter guiado toda a minha trajetória acadêmica, de conquistas e também desafios.

Aos meus pais, Marco e Martha, pela constante torcida e apoio. Vocês são verdadeiros exemplos e me inspiram, a cada dia, a ser uma pessoa melhor.

À minha irmã, Sofia, que, neste ano, inicia a sua trajetória acadêmica nesta Universidade. Obrigado por sua sensibilidade que me permite enxergar detalhes da vida que a mim passariam despercebidos.

À minha amiga-irmã, Maria Luísa, com quem estudei nos tempos do jardim e, hoje, compartilho mais uma conquista. Obrigado pelo companheirismo de sempre.

Agradeço também aos demais amigos, que, da graduação levarei para a vida, em especial, Anne Karine, Mariana e Raimundo Neto, pelo afeto diário. Ao lado de vocês, a trajetória, até aqui, tornou-se mais leve e gratificante.

Não poderia deixar de agradecer, também, ao meu orientador e profissional exemplar, Marcus Aurélio de Freitas Barros que, ao lado de suas atividades habituais, ocupou-se em prol da orientação deste trabalho com seus ensinamentos e contribuições, que muito acrescentaram à construção desta pesquisa. Ao professor, meus sinceros agradecimentos.

Às professoras Ana Carolina Guilherme Coêlho e Fabiana Dantas Soares Alves da Mota, que também compõem a banca de avaliação da minha monografia, um caloroso agradecimento, de reconhecimento e admiração, pela disponibilidade e profissionalismo perpassado durante a graduação.

À Universidade Federal do Rio Grande do Norte, que, durante esses cinco anos de graduação, me proporcionou momentos de aprendizado e amadurecimento. Em razão das experiências vividas, hoje, sinto-me mais convicto do caminho escolhido e me reconheço mais sensível à realidade do outro, portanto, mais experiente e humano do que aquele que se sentou, ainda muito jovem, nos bancos da Universidade.

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Não devemos ter medo dos confrontos... Até os planetas se chocam e do caos nascem as estrelas.

Charles Chaplin

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O presente trabalho objetiva analisar a resolução legítima dos conflitos judicializados sob o enfoque da consensualidade e da comparticipação. Apresenta os aspectos conceituais do conflito, a partir de uma breve digressão histórica a seu respeito, abordando os elementos característicos de um conflito construtivo sob uma perspectiva multidisciplinar. Destaca o verdadeiro significado do direito fundamental de acesso à justiça, considerando a judicialização de grande parte das controvérsias que surgem na sociedade. Explica os métodos utilizados para a resolução dos conflitos judicializados, quais sejam os heterocompositivos e autocompositivos, a partir de um Sistema Multiportas, analisando também a relação existente entre autocomposição e consensualidade. Enfatiza a possibilidade de se obter soluções legítimas, também, quando utilizado o método da heterocomposição dentro de um viés cooperativo do processo. Analisa o arcabouço jurídico e legal brasileiro – Resolução nº 125 do Conselho Nacional de Justiça, Código de Processo Civil/15 e Lei de Mediação – e o papel de cada dispositivo para implantação de uma cultura do consenso e do diálogo. Identifica o Código de Processo Civil/15 (Lei nº 13.105/15) como principal instrumento legal responsável pelo estímulo à participação das partes na resolução de seus conflitos. O objetivo geral do trabalho é estudar a mudança de paradigma no tratamento dos conflitos judicializados, por meio de pesquisa bibliográfica em meios impressos e eletrônicos, assim como análise de algumas experiências forenses, concluindo que, hoje, a postura consensual e comparticipativa deve servir como base da busca de soluções legítimas às controvérsias levadas ao Poder Judiciário.

Palavras-chave: Conflito. Acesso à Justiça. Autocomposição. Heterocomposição. Consensualidade. Comparticipação.

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The present work aims at analyzing the legitimate resolution of conflicts judicialized under the concept of consensuality and co-participation. It presents the conceptual aspects of the conflict, from a brief historical digression, addressing the particular elements of the constructive conflict under a multidisciplinary perspective. Highlights the true importance of the fundamental right of access to justice, considering the ample judicialization of controversies arisen in society. It explains the methods used for the resolution of judicial conflicts, which are the hetero-compositive and auto-compositive, from a multi-door courthouse system, also analyzing the relationship between self-composition and consensuality. Emphasizes the possibility of obtaining legitimate solutions, also, when the method of hetero-composition is used within a cooperative outlook of the procedure. Analyzes the Brazilian judicial and legal framework - Resolution nº 125 of the National Council of Justice, Code of Civil Procedure / 15 and Mediation Law - and the role of each device for implementation of a culture of consensus and dialogue. Identifies the Code of Civil Procedure / 15 (Law 13.105 / 15) as the key legal instrument responsible for stimulating the participation of the parties in resolving their conflicts. The overall objective of this work is to study the paradigm shift in the treatment of conflicts through bibliographic research in printed and electronic media, as well as to analyze some juridical experiences, concluding that today, the consensual and participatory stance should serve as a basis for legitimate solutions to the controversies brought to the Judiciary.

Key-words: Conflict. Access to justice. Auto-composition. Hetero-composition. Consensuality. Co-participation.

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1 INTRODUÇÃO ... 9

2 UMA VISÃO GERAL ACERCA DO CONFLITO ... 12

2.1 Breve análise da concepção clássica e moderna do conflito ... 14

2.2 O processo construtivo a partir do conflito ... 17

2.3 Os conflitos judicializados e a efetivação do acesso à justiça ... 21

3 OS MÉTODOS DE RESOLUÇÃO DE LITÍGIOS À LUZ DO SISTEMA MULTIPORTAS E SOB O PARADIGMA DO CONSENSO E DA COMPARTICIPAÇÃO ... 26

3.1 A autocomposição: construindo soluções consensuadas ... 31

3.2 A heterocomposição para além das decisões impostas ... 42

4 A BASE NORMATIVA PARA A CULTURA DO CONSENSO E DA COMPARTICIPAÇÃO NO BRASIL ... 54

4.1 A Resolução nº 125 do Conselho Nacional de Justiça: diretrizes da Política Judiciária Nacional de tratamento adequado de conflitos ... 54

4.2 O Código de Processo Civil/2015 como marco legal... 57

4.3 A Lei de Mediação: detalhamento legal do procedimento ... 64

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 67

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1 INTRODUÇÃO

A multiplicação das controvérsias judiciais, hodiernamente percebida, traz à reflexão a maneira como estas vêm sendo tratadas no âmbito do Poder Judiciário, assim como se o processo judicial tem cumprido a sua finalidade pacificadora, possibilitando a resolução satisfatória dos litígios judicializados. Isso porque, no exercício da jurisdição, ao Estado-juiz é atribuída a tarefa de resolver os conflitos que surgem das interações humanas em sociedade.

Assim, o incremento do número de demandas, pela própria dinâmica social, e a necessidade de solução legítima para cada uma delas estimula o estudo de meios eficientes para finalização não só da demanda judicializada, mas do conflito que gerou o processo. É que mais do que resolver processos, o Poder Judiciário deve estar comprometido com a resolução dos conflitos de onde nasceram as lides para que, assim, seja cumprida a sua finalidade pacificadora.

Hoje, tornar as respostas jurisdicio3nais legítimas é o grande desafio da jurisdição, e, portanto, investigar os fatores para sua legitimação, seja mediante decisões consensuais, seja por meio das adjudicadas, revela-se atividade instigante e desafiadora.

Foi dentro dessa perspectiva que adveio o novo diploma processual civil (Lei nº 13.105/15), preocupando-se, sobretudo, com a estruturação do processo civil, de modo que este represente um verdadeiro instrumento democrático, no sentido de possibilitar às partes, detentoras dos conflitos, a interferência na construção da decisão de suas questões.

É de se reforçar, nesse particular, que muito mais que a substituição de um Código por outro, deve-se refletir a respeito de uma mudança de mentalidade para que o novo diploma desperte a postura de cooperação para solução do litígio, tanto por parte dos litigantes, quanto por parte de seus advogados, defensores púbicos, juízes e membros do Ministério Público, nas causas em que estes atuarem.

Nessa senda, o objetivo geral da presente monografia consiste em investigar, dentro do modelo processual vigente, se a consensualidade e a comparticipação constituem novos paradigmas para a resolução legítima dos conflitos judicializados.

Em outras palavras, este trabalho busca responder à seguinte indagação: em que medida o ordenamento processual brasileiro valoriza a consensualidade e a

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comparticipação como instrumentos importantes à garantia de uma resposta jurisdicional adequada e legítima?

Para o alcance deste objetivo, parte-se, já no primeiro capítulo do desenvolvimento, a partir de uma breve digressão histórica sobre a concepção clássica e moderna do conflito, da análise dos seus elementos conceituais e característicos, passando-se pelas principais visões socio-filosóficas a respeito da temática.

Nessa perspectiva, também será verificada a possibilidade de os litígios configurarem oportunidades de crescimento, superação e aprimoramento das relações intersubjetivas, a partir de seu tratamento sob uma ótica multidisciplinar.

Ainda, considerando que o enfoque desse trabalho são os conflitos judicializados, serão analisados os aspectos inerentes à jurisdição, bem como o direito fundamental do acesso à justiça, tutelado constitucionalmente e também previsto expressamente na legislação processual.

Já no segundo capítulo do desenvolvimento, dentro da perspectiva de um Sistema Multiportas, passa-se à investigação dos métodos utilizados para a resolução dos conflitos judicializados, quais sejam a autocomposição e a heterocomposição.

Serão abordadas as características da conciliação e mediação, principais métodos autocompositivos empregados, para que sejam identificados os componentes necessários destes para soluções legítimas e pacificadoras pelo consenso. Far-se-á, também, análise da heterocomposição e o impacto que tem o diálogo, construído dentro de um ambiente cooperativo, na resolução das lides judiciais.

Por último, no terceiro capítulo, será examinado o arcabouço jurídico-legal brasileiro – Resolução nº 125, do Conselho Nacional de Justiça, Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/15) e Lei de Mediação (Lei nº 13.140/15) –, verificando-se o papel de cada instrumento normativo para implantação de uma cultura do consenso e da comparticipação, fundada no agir cooperativo das partes dentro do processo decisório de seus conflitos.

De modo geral, a pretensão deste trabalho é reconhecer e prestigiar o momento do processo civil brasileiro trazido pela edição do Código de Processo Civil/2015, analisando a influência do diálogo cooperativo entre os atores do processo para finalização da lide por meio de solução justa e legítima.

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Para tanto, como procedimento metodológico, foi realizada pesquisa bibliográfica em meios impressos e eletrônicos, análise de algumas experiências forenses, bem como das normas jurídicas que envolvem o tema, principalmente no que refere às inovações trazidas pelo Código de Processo Civil de 2015.

Por fim, reforça-se que o enfoque deste trabalho são os conflitos judicializados, ou seja, aqueles em que a lide já está instaurada e submetida à jurisdição estatal e que, portanto, demandam uma resposta jurisdicional adequada e legítima à sua resolução.

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2 UMA VISÃO GERAL ACERCA DO CONFLITO

A fim de adentrar aos aspectos inerentes aos métodos de resolução dos conflitos judicializados, objeto principal deste trabalho, à guisa de introdução, cumpre analisar a Teoria do Conflito, cujo enfoque se dá ao seu conceito e elementos característicos, a partir de uma visão sócio filosófica. Isso porque a análise aprofundada das causas a partir das quais a litigância surge não é a função essencial do Direito, ficando este restrito à resolução das controvérsias. Assim, faz-se necessário recorrer às demais ciências para tanto.1

Não é fácil conceituar o conflito, considerando a sua composição multifacetada, podendo este ter mais de uma variante, ou seja, apresentar um caráter social, político, familiar ou, ainda, configurar um choque de valores.2

Ainda dentro desse contexto, questiona-se se não seria o momento de as Ciências Jurídicas, a quem é atribuído o papel de resolver as lides, debruçar-se sobre o conflito, de modo a compreendê-lo em sua verdadeira essência, sobretudo as suas causas, para então ir em busca da maneira mais adequada e efetiva de resolvê-lo. Inclusive, vale destacar que não é de hoje que se constata a necessidade de uma ampliação dos estudos da ciência jurídica com contribuições de outras áreas do conhecimento, a exemplo da sociologia e psicologia.3

Pois bem. A partir de uma visão filosófica, de acordo com o pensamento aristotélico4, o homem, em sua essência, é um animal político (politikón zôon),

racional, possuidor do dom da fala, e, portanto, naturalmente feito para o convívio em sociedade, o que o diferencia dos demais animais. Nesse sentido, é constatada a sua capacidade de interagir com os seus iguais dentro da comunidade política, a qual Aristóteles nomeia polis.

1 LUCENA FILHO, Humberto Lima de. As teorias do conflito: contribuições doutrinárias para uma

solução pacífica dos litígios e promoção da cultura da consensualidade. Disponível em: <hhtps://www.publicadireito.com.br/artigos?cod=0ff8033cf9437c21>. Acesso em 09 mar. 2019, p. 7.

2 SPENGLER, Fabiana Marion. O Estado-Jurisdição em crise e a instituição do consenso: por

uma outra cultura no tratamento de conflitos. 2007. Tese (Doutorado em Direito) – Programa de Pós-Graduação em Direito, Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, p. 254.

3 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet.

Porto Alegre: Fabris, 1988, p, 13.

4 Cf. ARISTÓTELES. A política. Tradução de Roberto Leal Ferreira. São Paulo: Martins Fontes,

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É nesse sentido, sob a perspectiva de J. Habermas, que se tem o agir comunicativo, indicador de uma predisposição ao consenso, conforme Ricardo Tinoco de Goés constata:

Essas intenções mediadas pela linguagem e que expõem um potencial heurístico para a realização do consenso dão-se na esfera pragmática da vida em sociedade. Habermas não abstrai, antes assegura que o processo de convencimento mútuo entre os sujeitos comunicantes firma-se sob a égide de pretensões de validades erguidas de parte a parte e dialogicamente, bem como se desenvolve, pela argumentação, de maneira bastante diluída no interior do mundo da vida.5

Por outro lado, entende-se que as divergências nas relações intersubjetivas e intergrupais são inerentes às relações humanas, o que configura o ponto de origem do conflito, sendo este um fenômeno social comum. Como possuem características individuais peculiares, os homens, inevitavelmente, têm pretensões colidentes, o que por si só é capaz de polarizar as relações sociais até então tidas como estáveis e pacíficas. Assim, da convivência em sociedade e constante interação entre os homens, surgem as contraposições de interesses e, por conseguinte, os conflitos. O papel do Direito surge dentro dessa perspectiva: elaborar normas com o fito de regular as relações humanas, de modo a evitar a barbárie, inclusive com a aplicação de sanções para que o seu fim seja alcançado.6

Sob o ponto de vista do senso comum, a definição de conflito por si só carrega o aspecto negativo do embate, briga, tensão e agressão, aparentemente inerentes à contraposição de interesses causadora do litígio. Assim, é reforçado o seu caráter destrutivo e ignorada a possibilidade de entendimento mútuo, fruto de um processo construtivo a partir do conflito. Em outras palavras, o conflito, se manejado de forma adequada, torna-se uma oportunidade de verificação do que não está agradando, assim como de busca do reequilíbrio da relação então desgastada.

A partir da ideia de que o conflito tem unicamente um caráter destrutivo, acreditou-se, por muito tempo, que os enfrentamentos entre indivíduos dentro de seu

5 GÓES, Ricardo Tinoco de. Democracia Deliberativa e Jurisdição: a legitimidade da decisão

judicial a partir e para além da teoria de J. Habermas. Curitiba: Juruá, 2013, p. 68.

6 LUCENA FILHO, Humberto Lima de. As teorias do conflito: contribuições doutrinárias para uma

solução pacífica dos litígios e promoção da cultura da consensualidade. Disponível em: <hhtps://www.publicadireito.com.br/artigos?cod=0ff8033cf9437c21>. Acesso em 09 mar. 2019, p. 2.

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ambiente social caracterizavam traços de uma patologia, a qual deveria ser evitada, sob o risco de se ter uma sociedade imperfeita. A fim de romper com a ideia negativa até então associada ao conflito, surge a Teoria do Conflito, cuja principal finalidade é a de verificar e ressaltar a possibilidade de evolução a partir do litígio, sendo garantida, a partir dele, uma mudança social.7

2.1 Breve análise da concepção clássica e moderna do conflito

À luz do que escreveu o filósofo Thomas Hobbes8, a fim de se evitar a barbárie

e completa destruição do indivíduo – resultado do próprio estado de natureza do homem – é proposto um modelo de contrato social a partir do qual os cidadãos transfeririam todo poder ao Estado (Leviatã), passando este a ser o responsável por manter a paz e estabilidade social.

No estudo das concepções sociológicas clássicas do conflito, o pensamento hobbesiano é colocado como marco referencial de estudo. Seguindo o recorte histórico adotado, posteriormente, é proposta a corrente funcionalista ou estrutural-funcionalista, segundo a qual há uma interdependência entre as estruturas sociais, o que gera um ambiente social coeso. É trazida à tona a ideia patológica do conflito, sendo este considerado uma disfunção estranha à coesão social, o que indicaria uma anormalidade de funcionamento do sistema.9

Èmile Durhkeim traz o conceito de anomia como ausência de normas, necessárias aos indivíduos como indicadoras de objetivos claros, e, por consequência, fator preponderante para a existência dos conflitos. Desse modo, a anomia configuraria uma ameaça à solidariedade orgânica.10

7 OLIVEIRA, Lauro Ericksen Cavalcanti. A teoria geral dos conflitos e a sua compreensão como um

fenômeno sócio-jurídico: os planos objetivo, comportamental e anímico dos conflitos. In: Revista da Escola Superior da Magistratura Trabalhista da Paraíba. João Pessoa. Ano IV, n. 4 (out. 2011), p. 145-146.

8 HOBBES, Thomas. Leviatã. Tradução de João Paulo Monteiro, Maria Beatriz Nizza da Silva e

Claudia Berliner. São Paulo: Martins Fontes, 2014. p. 148.

9 LUCENA FILHO, Humberto Lima de. As teorias do conflito: contribuições doutrinárias para uma

solução pacífica dos litígios e promoção da cultura da consensualidade. Disponível em: <http://www.publicadireito.com.br/artigos?cod=0ff8033cf9437c21>. Acesso em 09 mar. 2019, p.12.

10 PARDO, David Wilson de Abreu; NASCIMENTO, Elimar Pinheiro do. A moralidade do conflito na

teoria social: elementos para uma abordagem normativa na investigação sociológica. In: Revista Direito GV. São Paulo. V.11, n. 1 (jan. 2015). Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rdgv/v11n1/1808-2432-rdgv-11-1-0117.pdf>. Acesso em: 15 abr. 2019, p. 124.

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Também, a fim de analisar os fenômenos sociais, Radcliffe-Brown, um dos nomes da corrente funcionalista, influenciado por Durkheim, utiliza de conceitos da fisiologia e compara a sociedade a um organismo, considerando, para tanto, o papel de cada uma de suas partes na manutenção do organismo como um todo – no caso da sociedade, trata-se do organismo social. Portanto, a sobrevivência do sistema estaria em risco na medida em que conflitos surgidos em seu interior não fossem resolvidos de maneira célere.11

Ainda sob o ponto de vista da corrente funcionalista, a existência contínua de uma sociedade depende do funcionamento harmônico de suas instituições, a exemplo da família e religião, em um agir cooperativo e consensual. Assim, a depender da perspectiva sociológica adotada, é dada ênfase à ordem interna e harmônica da sociedade, valorizando-se o consenso como atributo ou, ainda, colocado em patamar de destaque o conflito social, como fato onipresente em razão das divisões existentes na própria sociedade.12 Mais uma vez, é reforçada a existência de diferentes visões

sociológicas acerca do conflito como resultado da vivência social.

Em sentido contrário à ideia proposta pelos funcionalistas de que o consenso é o que mantém a estrutural social harmônica e coesa, aparecem as teorias do conflito social, as quais defendem a conflitividade como fator determinante para a evolução da sociedade, bem como manutenção de sua estabilidade, considerando, para tanto, que a normalidade não é a regra de um ambiente social. Como expoentes da teoria, pode-se destacar Karl Marx e Georg Simmel.13

Segundo o pensamento marxista14, na história, sempre preponderou uma

permanente luta de classes entre opressores e oprimidos. Isso desde a época de Roma Antiga, em que a sociedade dividia-se entre patrícios, plebeus e escravos, passando-se à Idade Média, quando senhores, vassalos e servos eram as divisões

11 ALVES, Adjair; OLIVEIRA, Emanoel Magno A. de; SANTANA, Iolanda Cardoso de. Radcliffe-Brown

e o Estrutural-funcionalismo: a questão da mudança na estrutura e no sistema social. In: Revista Diálogos. Número 11 (abr./mai. 2014), p. 240.

12 BALTAZAR, Maria da Saudade. (Re)Pensar a Sociologia dos Conflitos: a Disputa Paradigmática

entre a Paz Negativa e/ou a Paz Positiva. In: Revista Nação e Defesa. Número 116 – 3a Série.

Primavera, 2007, p. 164.

13 LUCENA FILHO, Humberto Lima de. As teorias do conflito: contribuições doutrinárias para uma

solução pacífica dos litígios e promoção da cultura da consensualidade. Disponível em: <http://www.publicadireito.com.br/artigos?cod=0ff8033cf9437c21>. Acesso em 09 mar. 2019, p. 13-15.

14 MARX, Karl; Engels, Friedrich. Manifesto Comunista. Ed. Ridendo Castigar Mores, 1999 (edição

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da sociedade feudal. Na modernidade, o antagonismo de classe ganhou nova roupagem: de um lado, a burguesia, classe dominante detentora dos meios de produção e; do outro, o proletariado, formado pela classe operária.

A partir desta ótica, é colocado em evidência o caráter positivo e ímpar do conflito. A luta de classes, por funcionar como motor da história, desempenharia papel fundamental para o progresso da sociedade, cujo ápice se daria com a não mais existência de classes. Tamanha é a importância dada a este conflito central, que todas as outras disputas sociais seriam, na verdade, suas manifestações.15

O atributo positivo do conflito também é reiterado nos estudos de Georg Simmel, que o associa a todas ações de interação/relação da sociedade, considerando-o uma forma de sociação, ou, em outras palavras, uma forma social. Daí vem a sua importância, bem como os seus atributos: o conflito é capaz de formar um espaço de nivelamento – tablado social – onde ocorre o enfrentamento das partes e resolução de suas tensões. Sendo assim, além de resultar uma integração social, fruto de um processo construtivo, há uma superação dos limites socialmente determinados.16

Após breve análise das concepções sociológicas clássicas, passa-se à visão moderna dos conflitos, utilizando-se, para tanto, como marco temporal a segunda metade do século XX e a divisão das teorias em dois grupos, quais sejam: o Condutismo – também denominado Behaviorismo ou Culturalismo – e a Teoria Macro ou Clássica. Os que se filiam à primeira teoria focam a atenção de seus estudos na psicologia da conduta, privilegiando a observação do comportamento do indivíduo a partir da influência do ambiente; enquanto que os adeptos da Teoria Macro ressaltam a influência do relacionamento dos indivíduos – a partir de inúmeros fatores, não somente o comportamental – tanto para o surgimento do conflito, quanto para o seu desenlace.17

15 PARDO, David Wilson de Abreu; NASCIMENTO, Elimar Pinheiro do. A moralidade do conflito na

teoria social: elementos para uma abordagem normativa na investigação sociológica. In: Revista Direito GV. São Paulo. V.11, n. 1 (jan. 2015). Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rdgv/v11n1/1808-2432-rdgv-11-1-0117.pdf>. Acesso em: 15 abr. 2019, p. 121-122.

16 ALCÂNTARA JÚNIOR, José Oliveira. Georg Simmel e o conflito social. In: Caderno Pós Ciências

Sociais. São Luís. V.2. n. 3 (jan./jul.. 2005), p. 8-9.

17 LUCENA FILHO, Humberto Lima de. As teorias do conflito: contribuições doutrinárias para uma

solução pacífica dos litígios e promoção da cultura da consensualidade. Disponível em: <http://www.publicadireito.com.br/artigos?cod=0ff8033cf9437c21>. Acesso em 09 mar. 2019, p. 17-19.

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Pode-se dizer que os conducistas – como alguns autores denominam os filiados à teoria do Condutismo – pautam-se em um nível micro, na medida em que o elemento central de sua análise é o indivíduo e os fatores inconscientes que levam ao conflito. Nesse sentido, a natureza do comportamento humano configura a sua matriz. Noutro passo, à luz da Teoria Macro, deve ser analisado um conjunto de variáveis externas ao indivíduo a fim de que se compreenda o desenvolvimento do conflito como consequência destas e não só da vontade/comportamento do indivíduo.18

Assim, feita essa digressão histórica a respeito do conflito, a partir de então, cumpre analisá-lo sob a ótica de um processo construtivo.

2.2 O processo construtivo a partir do conflito

Ainda há quem considere a acusação como elemento central da conflituosidade. Trata-se de um movimento deontológico de estabelecimento de papéis, por meio do qual um indivíduo culpa o outro, apontando-o como causa de algo negativo por ele gerado. A abordagem da acusação difere de outro dispositivo cognitivo, qual seja a responsabilidade, por meio da qual se espera que o outro dê significado a uma ação que até então não apresenta sentido, por não ter sido utilizada a linguagem esperada para aquela situação. Diferente do que ocorre com a acusação e/ou atribuição de culpa, na responsabilização é aberto um canal de diálogo que oportuniza a negociação.19

Considerando a diversidade de vocabulários – nesse sentido, é constatada a existência de múltiplas formas de se comunicar – bem como a possibilidade de utilização de mais de uma, inclusive, em uma mesma circunstância20, pode-se dizer,

de modo sumário, que a atribuição de culpa é a forma violenta através da qual o conflito se instaura. De outro lado, o atributo da responsabilidade corresponde à comunicação despolarizadora ou conciliatória, uma das técnicas indicadas no

18 OLIVEIRA, Lauro Ericksen Cavalcanti. A teoria geral dos conflitos e a sua compreensão como um

fenômeno sócio-jurídico: os planos objetivo, comportamental e anímico dos conflitos. In: Revista da Escola Superior da Magistratura Trabalhista da Paraíba. João Pessoa. Ano IV, n. 4 (out. 2011), p. 146.

19 MISSE, Michel; WERNECK, Alexandre (Org.). Conflitos de (grande) interesse: estudos sobre

crimes, violências e outras disputas conflituosas. Rio de Janeiro: Garamond, 2012, p. 11.

20 MISSE, Michel; WERNECK, Alexandre (Org.). Conflitos de (grande) interesse: estudos sobre

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tratamento do conflito a partir de um paradigma consensual, como será abordado mais à frente.

A título exemplificativo, cita-se as respostas dadas por participantes de treinamentos de mediação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), quando questionados acerca do que associam a palavra “conflito”: guerra, briga, disputa, agressão, tristeza, violência, raiva, perda e processo foram as palavras lembradas. No que se refere às reações fisiológicas recordadas, tem-se: transpiração, taquicardia, ruborização, elevação do tom de voz, irritação, raiva, hostilidade e descuido verbal. Nos relatos, a atribuição de culpa foi uma prática também associada aos conflitos. Ainda na dinâmica realizada, os participantes foram questionados a respeito das formas positivas de se perceber o conflito e, como resposta, citaram os seguintes pontos: entendimento, solução, compreensão, crescimento e ganho. Assim, em que pesem as primeiras lembranças associadas ao conflito terem sido atributos negativos, os participantes, quando provocados, conseguiram fazer correspondência a alguns aspectos positivos, o que denota a capacidade de o conflito, quando encarado de outra forma, trazer resultados positivos aos seus envolvidos.21

Sob um olhar fisiológico, quando o indivíduo encara o conflito como algo negativo, há a liberação de adrenalina e, assim, é desencadeado um mecanismo de “luta ou fuga”. Ocorre uma descarga ao sistema nervoso simpático, o que faz com que o agente reaja à ameaça dessas duas maneiras: lutando ou fugindo.22

Ainda, nas relações conflituosas, há um ciclo vicioso de ação/reação, conhecido por “espirais de conflito”, a partir do qual a reação toma proporção mais grave do que a ação que a desencadeou. Assim, novas divergências surgem – diferentes daquela que gerou o conflito matriz – fazendo com que o embate não tenha fim.23

A fim de se superar as barreiras psicológicas inerentes ao desenlace do conflito, surge a interdisciplinaridade do Direito com a Psicologia – especialmente a

21 AZEVEDO, André Gomma de (Org.). Manual de Mediação Judicial, 6a ed. Brasília: Conselho

Nacional de Justiça, 2016, p. 49-51.

22 CANNON, Walter. Bodily changes in pain, hunger, fear and race. New York: Appleton, 1915 apud

AZEVEDO, André Gomma de (Org.). Manual de Mediação Judicial, 6a ed. Brasília: Conselho

Nacional de Justiça, 2016, p. 52.

23 AZEVEDO, André Gomma de (Org.). Manual de Mediação Judicial, 6a ed. Brasília: Conselho

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cognitiva – como instrumento de um processo construtivo a partir do conflito.24 Como

será abordado mais adiante, as técnicas utilizadas nos métodos autocompositivos encontram fundamento na Psicologia, além de serem as responsáveis por facilitar a solução dos conflitos sob o paradigma do consenso.

Nesse sentido, a psicologia jurídica, fruto do diálogo entre Psicologia e Direito, aparece como norte no manejo dos desentendimentos, na medida em que se constata o caráter multifatorial do conflito e, portanto, a necessidade de uma abordagem multidisciplinar para seu trato.25 Vale destacar que é o tratamento adequado dos

conflitos, que será fator determinante para que o conflito seja percebido como oportunidade de crescimento por meio de um processo construtivo.

No tocante às suas funções, é através dos conflitos que os problemas se manifestam, podendo-se chegar às soluções e, como consequência, mudanças, sob o ponto de vista pessoal e social, podem ser verificadas. Nessa perspectiva, ao contrário do que geralmente se associa, os conflitos não devem ser reduzidos a aspectos negativos – inclusive como causa de desordens das mais variadas espécies – nem muito menos eliminado.26

Nesse sentido, Fabiana Marion Spengler destaca:

Em resumo, o conflito é inevitável e salutar (especialmente se queremos chamar a sociedade na qual se insere de democrática), o importante é encontrar meios autônomos de manejá-lo fugindo da ideia de que seja um fenômeno patológico e encarando-o como um fato, um evento fisiológico importante, positivo ou negativo conforme os valores inseridos no contexto social analisado. Uma sociedade sem conflitos é estática.27

24 PERRONI, Otávio Augusto Buzar. Perspectivas de Psicologia Cognitiva no Processo de Mediação.

In: Estudos em arbitragem, mediação e negociação, vol.2. Brasília: Grupo de Pesquisa, 2003, p. 279.

25 ALMEIDA, Tania. Resolução Pacífica de Conflitos: a importância da abordagem multidisciplinar e

do protagonismo dos envolvidos. In: Programa Mediação de Conflitos: uma experiência de mediação comunitária no contexto das políticas públicas. Belo Horizonte: Arraes Editores, 2011, p. 75-77.

26 DEUTSCH, Morton. The Resolution of Conflict: Constructive and Destructive Processes. New

Heaven and London: Yale University Press, 1973. Tradução de Arthur Coimbra de Oliveira e revisão de Francisco Schertel Mendes. In: AZEVEDO, André Gomma de (Org.). Estudos em arbitragem, mediação e negociação, vol 3. Brasília: Ed. Grupos de Pesquisa, 2004, p. 34-35.

27 SPENGLER, Fabiana Marion. O Estado-Jurisdição em crise e a instituição do consenso: por

uma outra cultura no tratamento de conflitos. 2007. Tese (Doutorado em Direito) – Programa de Pós-Graduação em Direito, Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, p. 258.

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Conceitualmente, os conflitos podem sofrer algumas divisões, levando-se em contas suas características. Assim, os conflitos podem ter um caráter destrutivo ou construtivo. Em apertada síntese, quando, ao seu final, os envolvidos no conflito sentem-se insatisfeitos e derrotados, as consequências destrutivas tornam-se evidentes. Noutro passo, se, ao seu fim, a satisfação com o resultado é o sentimento comum dos participantes, tem-se um conflito construtivo, cujas consequências são positivas. Desse modo, a evitação do conflito não é o que se deve buscar, mas sim a sua transformação em algo frutífero.28

A respeito das consequências construtivas ou destrutivas que o conflito pode ter, devem ser analisadas algumas condições. Para tanto, considera-se que as desavenças podem surgir em um contexto de cooperação ou competição. No primeiro caso, os envolvidos desejam que os objetivos de todos sejam alcançados e, para isso, agem, em prol do coletivo, ou seja, de maneira colaborativa. Já na competição, sob o ponto de vista individual, o participante porta-se apenas pensando no seu próprio sucesso – o seu objetivo é vencer a disputa –, de modo que os outros não tenham oportunidade de lograr êxito.29

Os conceitos de competição e cooperação estão também presentes na Teoria dos Jogos, a partir da qual, por meio de uma análise matemática do conflito – o jogo, nesse caso –, é possibilitado ao participante adotar a melhor conduta que o leva ao seu objetivo. Como expoentes da teoria, destacam-se John von Neumann e Johh Forbes Nash. Para aquele, a competição prepondera, na medida em que a vitória de um pressupõe a derrota do outro. Por sua vez, Johh Forbes Nash foi o responsável por introduzir o conceito da cooperação à teoria, sem que para isso o ganho individual fosse colocado em segundo plano. Na verdade, para este último, a estratégia do participante deve levar em conta não só o aspecto individual, mas também o coletivo, de modo que haja ganho para todos.30

28 DEUTSCH, Morton. The Resolution of Conflict: Constructive and Destructive Processes. New

Heaven and London: Yale University Press, 1973. Tradução de Arthur Coimbra de Oliveira e revisão de Francisco Schertel Mendes. In: AZEVEDO, André Gomma de (Org.). Estudos em arbitragem, mediação e negociação, vol 3. Brasília: Ed. Grupos de Pesquisa, 2004, p. 41.

29 DEUTSCH, Morton. The Resolution of Conflict: Constrctive and Destructive Processes. New

Heaven and London: Yale University Press, 1973. Tradução de Arthur Coimbra de Oliveira e revisão de Francisco Schertel Mendes. In: AZEVEDO, André Gomma de (Org.). Estudos em arbitragem, mediação e negociação, vol 3. Brasília: Ed. Grupos de Pesquisa, 2004, p. 42-44.

30 ALMEIDA, Fábio Portela Lopes de. A teoria dos jogos: uma fundamentação teórica dos métodos de

resolução de disputa. In: AZEVEDO, André Gomma de (Org.). Estudos em arbitragem, mediação e negociação, vol. 2. Brasília: Ed. Grupos de Pesquisa, 2003, p. 175-199.

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De modo geral, verifica-se que a possibilidade de os conflitos contribuírem positivamente para o desenvolvimento das relações – e assim, serem instrumentos de um processo construtivo – depende de uma efetiva compreensão e manejo das demandas humanas inerentes às relações conflituosas. Passa-se à análise dos conflitos judicializados à luz da Teoria Geral do Processo.

2.3 Os conflitos judicializados e a efetivação do acesso à justiça

Historicamente, nem sempre se recorreu ao Direito a fim de se harmonizar as relações sociais, coordenar os múltiplos interesses existentes na sociedade e, assim, resolver os conflitos que viessem a ocorrer. Isto porque, em fases primitivas, o Estado era desprovido da força coercitiva necessária para impor regras aos interesses individuais. Desse modo, por muito tempo, vigorou o regime da autotutela – também chamada de autodefesa – por meio da qual, no caso de pretensões colidentes, o fator determinante para resolução do impasse seria a força.31

Quando os sujeitos envolvidos no conflito optam por resolvê-lo através de uma ação direta, sem que para isso haja a intervenção – ação dirigida – por parte do Estado, resta caracterizada a autodefesa. Ocorre a imposição da decisão da parte vencedora ao derrotado em razão de inexistir um terceiro com esta função.32

Pois bem. A justiça privada deu lugar à justiça pública e, assim, a autotutela foi substituída pela jurisdição, através da qual ao Estado-juiz ficou incumbida a função de compor os conflitos oriundos da colisão de pretensões, tendo como base de suas decisões o ordenamento jurídico vigente.33

Hoje, o que se constata é a absoluta transferência da resolução dos litígios ao Judiciário, o que se assemelha, em outra época, ao poder transferido ao Estado, responsável por estabelecer a paz e evitar a guerra de todos contra todos à luz da teoria hobbesiana. No entanto, é ignorada a complexidade do conflito, assim como o

31 CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel.

Teoria Geral do Processo. 30. ed São Paulo: Malheiros, 2014, p. 37-40.

32 ZAMORA Y CASTILLO, Proceso, autocomposición y autodefensa. Cidade do México: Ed.

Universidad Autónoma Nacional de México, 2000, p. 50-53.

33 CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel.

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fato de que nem sempre a sua solução advém de uma normatividade ou ato decisório.34

Os juízes passaram a atuar de modo a substituir o antigo papel das partes, agora proibidas de fazerem justiça com as próprias mãos – como faziam sob o regime da autotutela.35

No mais, há ainda quem defenda a possibilidade de sua utilização como meio adequado de solução de conflitos, mas não em seu sentido originário como se fazia à época primitiva. Acredita-se que, em alguns casos, como na defesa de direitos potestativos, o indivíduo pode fazer uso de meios – desde que não violentos – para ver satisfeita a sua pretensão, sem que para isso seja necessária a intervenção do Estado-juiz.36

Sobre a jurisdição, vale também destacar a sua função criativa, na medida em que, através dela, a norma jurídica do caso concreto é recriada, o que evidencia o papel dos órgãos jurisdicionais de produtores de normas. Entretanto, hoje, mais do que exigir do juiz a aplicação de uma norma geral e abstrata à situação concreta, requer-se a sua compreensão a respeito da singularidade do caso, para que, assim, seja encontrada uma solução compatível com a Constituição.37 Também, a fim de que

haja um cumprimento legítimo da função jurisdicional, deve haver, por parte do julgador, um olhar atento e sensível aos valores sociais e às mutações axiológicas da sociedade.38

Outro elemento essencial à atividade jurisdicional é a lide, uma vez que quando se tem um conflito de interesses, uma das partes recorre ao Judiciário em busca de solução. Considera-se, portanto, que a partir de uma insatisfação, o interessado leva

34 RESTA, Eligio. II diritto fraterno. Roma-Bari: Laterza, 2005, p. 74-75 apud SPENGLER, Fabiana

Marion. O Estado-Jurisdição em crise e a instituição do consenso: por uma outra cultura no tratamento de conflitos. 2007. Tese (Doutorado em Direito) – Programa de Pós-Graduação em Direito, Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, p. 289.

35 CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel.

Teoria Geral do Processo. 30. ed São Paulo: Malheiros, 2014, p. 41.

36 MOUZALAS, Rinaldo. Autotutela: meio adequado de solução de conflitos. In: CONGRESSO

BRASILEIRO DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL, 3., 2019, Natal.

37 DIDIER JR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil: Introdução ao Direito Processual Civil,

Parte Geral e Processo de Conhecimento. 17. ed. Salvador: Jus Podivm, 2015, p. 157-158.

38 DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 12. ed. São Paulo: Malheiros,

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a juízo uma pretensão, desejando que esta seja satisfeita mediante um provimento judicial, através de um processo.39

Nesse aspecto, algumas diferenciações conceituais merecem ser reforçadas. Entende-se que a insatisfação precede a pretensão, em razão de seu ânimo espiritual, o qual indica a sua origem interna, como algo intrínseco ao estado emocional do indivíduo. Como consequência, pode vir à tona ou não a pretensão, como manifestação da primeira e desejo de que o interesse, até então não externado, seja satisfeito. Já para a caracterização da lide, faz-se necessária mais do que uma insatisfação ou simples pretensão, requer-se que esteja figurada uma pretensão resistida de interesses: há uma pretensão oposta à outra, com a possibilidade de uma delas ser suprimida.40

Por conseguinte, a resposta jurisdicional a uma pretensão resistida de interesses – resolução da lide –, é alcançada mediante a garantia do acesso à justiça. No ordenamento jurídico pátrio, trata-se de direito fundamental previsto no artigo 5o,

XXXV, da Constituição da República Federativa do Brasil41, que dispõe, ipisis litteris:

“a lei não excluirá de apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Em âmbito infraconstitucional, a disposição constitucional é reforçada pelo art. 3o, do

Código de Processo Civil de 2015.42

Contudo, este direito não deve ser compreendido de modo reducionista como simples garantia do ingresso em juízo ou, ainda, recebimento do processo pelos órgãos jurisdicionais.43 Mais do que isso, em seu conceito deve estar contemplada a

ideia de acesso a uma ordem jurídica justa aos que buscam o Poder Judiciário, garantindo-se aos jurisdicionados uma tutela jurisdicional efetiva, tempestiva e adequada.44

39 CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel.

Teoria Geral do Processo. 30. ed São Paulo: Malheiros, 2014, p. 152-153.

40 LUCENA FILHO, Humberto Lima de. As teorias do conflito: contribuições doutrinárias para uma

solução pacífica dos litígios e promoção da cultura da consensualidade. Disponível em: <http://www.publicadireito.com.br/artigos?cod=0ff8033cf9437c21>. Acesso em 09 mar. 2019, p. 10.

41 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília/DF: 05 out. 1988. 42 BRASIL. Lei nº 13.105. Brasília/DF: 16 março 2015. Art. 3o. Não se excluirá da apreciação

jurisdicional ameaça ou lesão a direito.

43 CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel.

Teoria Geral do Processo. 30. ed. São Paulo: Malheiros, 2014, p. 52.

44 WATANABE, Kazuo. Acesso à justiça e meios consensuais de solução de conflitos. In: ALMEIDA,

Rafael Alves de; ALMEIDA, Tania; CRESPO, Mariana Hernandez (Org.). Tribunal Multiportas: investindo no capital social para maximizar o sistema de solução de conflitos no Brasil. Rio de Janeiro: FGV, 2012, p. 87.

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Tamanha a importância do acesso à justiça, que, para alguns, este pode ser considerado a compilação de todos os princípios e garantias processuais. A partir de uma visão positiva da instrumentalidade do processo, a sua efetividade pressupõe a pacificação – e eliminação – dos conflitos a partir de critérios de justiça.45

No entanto, o que se verifica é um verdadeiro distanciamento entre os cidadãos e o Judiciário provocado, dentre outros fatores, pela burocratização e complexidade dos procedimentos utilizados, bem como pela demora na prestação jurisdicional. Trata-se de uma crise do processo civil, carente de efetividade e que, portanto, não garante um autêntico acesso à justiça.46

No processo, é preciso que se verifique uma participação ativa das partes, de modo que o convencimento do juiz seja por elas influenciado, considerando que, ao final, busca-se uma solução justa e apta a atender às pretensões levadas a Juízo, eliminando-se as insatisfações dos que procuraram o Judiciário.47 Inclusive, a

obtenção de uma solução integral, incluindo-se a atividade satisfativa, é direito das partes, conforme previsão no art. 4o, CPC/15.48

Nessa direção, destaca-se a necessidade de a decisão legitimar-se perante as partes, não podendo, por isso, o magistrado limitar-se a “dizer o direito”, devendo ir além, para assegurar ao vencedor da demanda o direito em si, o bem da vida reconhecido no julgamento, de modo a torná-lo efetivo no caso concreto. Assim, não basta enquadrar os fatos da demanda à norma positivada já existente, mas empregar os meios necessários e previstos legalmente (art. 139, IV, CPC/1549) para assegurar

ao litigante vencedor o direito reconhecido.50

45 DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 12. ed. São Paulo: Malheiros,

2005, p. 372-376.

46 BARBOSA, Ivan Machado. Fórum de Múltiplas Portas: uma proposta de aprimoramento processual.

In: In: AZEVEDO, André Gomma de (Org.). Estudos em arbitragem, mediação e negociação, vol. 2. Brasília: Ed. Grupos de Pesquisa, 2003, p. 244-245

47 CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel.

Teoria Geral do Processo. 30. ed São Paulo: Malheiros, 2014, p. 52-53.

48 BRASIL. Lei nº 13.105. Brasília/DF: 16 março 2015. Art. 4o. As partes têm o direito de obter em

prazo razoável a solução integral do mérito, incluindo a atividade satisfativa.

49 BRASIL. Lei nº 13.105. Brasília/DF: 16 março 2015. Art.139. O juiz dirigirá o processo conforme as

disposições deste Código, incumbindo-lhe:

IV – determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária.

50 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Acesso à justiça: condicionantes legítimas e ilegítimas. São

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Desse modo, o princípio da efetividade está diretamente relacionado à garantia de acesso a uma ordem jurídica justa – a partir de uma compreensão do acesso à justiça em seu sentido amplo. Nesse sentido, o processo cumpre a sua finalidade quando, ao final, chega-se a uma prestação jurisdicional tempestiva, adequada, eficiente e efetiva.51

É bem verdade que de nada adianta o reconhecimento de um direito pelo Estado-juiz sem que haja a sua realização. Destarte, o direito a uma prestação jurisdicional efetiva é considerado fundamental – assim como, o mais importante dos direitos, visto que, em razão da vedação, em regra, ao exercício da autotutela, a realização dos demais direitos dele depende.52

A efetividade do acesso à justiça ganha patamar de relevância entre os direitos individuais e sociais, inclusive colocado como o mais essencial dos direitos humanos, bem como elemento fulcral da processualística moderna. Isto porque a existência de um sistema jurídico moderno e igualitário pressupõe a sua garantia. Inclusive, não é de hoje que é dada ênfase à necessidade de reconhecimento, por parte dos juristas, de que a solução de conflitos não deve ficar restrita aos tribunais, devendo ser estimulados outros mecanismos que não exclusivamente o do sistema judiciário formal.53

A partir de tal constatação, serão analisados os métodos de resolução de litígios sob a ótica de um Sistema Multi-portas, com destaque para a consensualidade e a comparticipação.

51 DIDIER JR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil: Introdução ao Direito Processual Civil, Parte

Geral e Processo de Conhecimento. 17. ed. Salvador: Jus Podivm, 2015, p. 113.

52 MARINONI, Luiz Guilherme. O direito à efetividade da tutela jurisdicional na perspectiva da

teoria dos direitos fundamentais. Disponível em:

<http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/15441-15442-1-PB.pdf>. Acesso em: 29 abr. 2019, p. 9.

53 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet.

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3 OS MÉTODOS DE RESOLUÇÃO DE LITÍGIOS À LUZ DO SISTEMA MULTIPORTAS E SOB O PARADIGMA DO CONSENSO E DA COMPARTICIPAÇÃO

Como consequência da incessante busca por uma tutela jurisdicional, em resposta às variadas pretensões, constata-se uma crescente judicialização dos conflitos, ainda mais quando se considera o elevado grau de conflituosidade da sociedade contemporânea. Noutro passo, a carência de uma aparelhagem estatal capaz de garantir uma efetiva tutela jurisdicional causa o assoberbamento dos Tribunais pátrios, que não conseguem cumprir a tarefa de resolver, de maneira satisfatória, os litígios judicializados e atingir o escopo magno do processo, qual seja a pacificação social.54

Por outro lado, considerando que os conflitos não são idênticos em sua natureza, há de se destacar que a obtenção de uma tutela efetiva e adequada – apta a proporcionar resultados legítimos e respostas em harmonia com o caso concreto – depende da flexibilização do sistema jurisdicional de resolução dos conflitos.55 É que

a utilização exclusiva do método adjudicatório, com a solução dada, de modo impositivo, pela sentença, configura uma das causas da crise hodierna do Judiciário.

Em suma, como já abordado em tópico anterior, pode-se dizer que os principais pontos dessa crise envolvem a adequação, efetividade e morosidade das soluções impostas pelo Estado-juiz.56 Sobre isso, há quem diga que se configure uma

crise paradigmática, onde a compatibilidade do atual modelo jurisdicional aos anseios da sociedade é questionada.57

O fato é que foi desenvolvida uma “cultura da sentença”, caracterizada pelo significativo privilégio dado à sentença em detrimento de outros meios resolutivos. A equivocada ideia de que outros métodos – a exemplo da conciliação e mediação – são atividades menos nobres, assim como o temor de alguns magistrados de que sua

54 CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel.

Teoria Geral do Processo. 30. ed São Paulo: Malheiros, 2014, p. 30-31.

55 CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel.

Teoria Geral do Processo. 30. ed São Paulo: Malheiros, 2014, p. 30-31.

56 WATANABE, Kazuo. Acesso à justiça e meios consensuais de solução de conflitos. In: ALMEIDA,

Rafael Alves de; ALMEIDA, Tania; CRESPO, Mariana Hernandez (Org.). Tribunal Multiportas: investindo no capital social para maximizar o sistema de solução de conflitos no Brasil. Rio de Janeiro: FGV, 2012, p. 87-88.

57 MORAIS, José Luis Bolzan; SPENGLER, Fabiana Marion. Mediação e Arbitragem: Alternativas à

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função precípua de decidir restasse ameaçada corroboram para a consolidação da cultura em que sentenciar torna-se mais conveniente.58

Mais uma vez, cabe reforçar a natureza singular inerente a cada conflito, cujas especificidades demandam respostas diferenciadas. A depender das peculiaridades da controvérsia, a simples aplicação objetiva do direito ao caso concreto – a partir do método adjudicatório – muitas vezes, não se mostra a solução adequada àquele conflito.59 Portanto, reforça-se a necessidade de adaptação do processo civil ao litígio,

a partir de suas características e complexidade, que lhe são próprias. As particularidades de cada caso impõem soluções diferenciadas.60

Nesse sentido, o afeiçoamento de determinado procedimento às singularidades da controvérsia a qual pretende resolver é fruto da aplicação do princípio da adaptabilidade, visto que é impossível conceber um sistema que tamanha inflexibilidade denote a existência de regras procedimentais gerais aplicáveis em todos os casos. Defende-se uma maleabilidade máxima do sistema, capaz de ensejar um procedimento eficiente e célere, sem, entretanto, comprometer a segurança jurídica, inerente ao devido processo legal e à jurisdição estatal como um todo.61

As garantias fundamentais processuais civis jamais podem deixar de ser consideradas em detrimento do uso de procedimentos mais modernos e eficientes dentro de um sistema flexível, considerando que a prevenção de arbitrariedades sempre foi o propósito do desenvolvimento de procedimentos específicos e técnicos.62

Entre os que defendem a necessidade de uma reforma dos procedimentos judiciais em geral, a ideia de utilização de métodos alternativos ao sistema judiciário regular tem ganhado destaque. No entanto, não se pode deixar de considerar que os tribunais regulares não deixarão de ser procurados para solucionarem grande parte dos conflitos de interesses existentes na sociedade. Na verdade, devem ser discutidas

58 WATANABE, Kazuo. Cultura da sentença e cultura da pacificação. In: MORAES, Maurício Zanoide;

YARSHELL, Flávio Luiz (Org.). Estudos em Homenagem à Professora Ada Pellegrini Grinover. São Paulo: Dpj, 2005, p. 26-27.

59 WATANABE, Kazuo. Acesso à justiça e meios consensuais de solução de conflitos. In: ALMEIDA,

Rafael Alves de; ALMEIDA, Tania; CRESPO, Mariana Hernandez (Org.). Tribunal Multiportas: investindo no capital social para maximizar o sistema de solução de conflitos no Brasil. Rio de Janeiro: FGV, 2012, p. 87.

60 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet.

Porto Alegre: Fabris, 1988, p. 71.

61 DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 12. ed. São Paulo: Malheiros,

2005, p. 356.

62 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet.

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mudanças que visem a melhoria e modernização interna dos próprios tribunais.63 O

que não pode acontecer é a valorização exacerbada da tutela jurisdicional estatal de modo a ignorar a existência de outros métodos de pacificação dos litígios, haja vista a eliminação de conflitos e satisfação de pretensões poderem ser obtidas por outros caminhos que não somente o da jurisdição tradicional.64

Considerando a necessidade de diversificação dos procedimentos utilizados para resolução dos conflitos judicializados, surge o Sistema Multiportas – ou ainda, Fórum de Múltiplas Portas – como recurso de enfrentamento à crise do Judiciário, que, em razão dos fatores já comentados, não atende, de modo idôneo, aos anseios dos jurisdicionados. Assim, é proposta uma mudança na aparelhagem utilizada no processamento dos litígios, com a utilização de um método mais maleável e adaptável às necessidades da controvérsia em questão. Dessa forma, através do uso do meio de resolução mais adequado, é viabilizado o aproveitamento máximo de suas qualidades.65

A partir de uma análise inicial da controvérsia, baseada em critérios que indicam as particularidades do caso, há o seu encaminhamento para o procedimento mais apropriado à sua resolução. Em razão da variedade procedimental disponível, as soluções dos litígios – cada uma com características que lhe são próprias – são racionalizadas. Há de se ressaltar que, a depender do ordenamento jurídico pátrio e até mesmo de elementos culturais da localidade, os sistemas processuais e procedimentos aplicados dentro do Fórum de Múltiplas Portas podem sofrer variações.66

Como exemplo, vale trazer algumas contribuições do modelo norte-americano do Tribunal Multi-portas, considerando que este foi incipiente na aplicação do método. Em síntese, o Fórum de Múltiplas Portas – originalmente, denominado Multidoor Courthouse – foi uma ideia desenvolvida pelo professor, da Faculdade de Direito de

63 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet.

Porto Alegre: Fabris, 1988, p. 76.

64 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil, vol 1. 6. ed. São Paulo:

Malheiros, 2009, p. 121-122.

65 BARBOSA, Ivan Machado. Fórum de Múltiplas Portas: uma proposta de aprimoramento processual.

In: In: AZEVEDO, André Gomma de (Org.). Estudos em arbitragem, mediação e negociação, vol. 2. Brasília: Ed. Grupos de Pesquisa, 2003, p. 243-244.

66 BARBOSA, Ivan Machado. Fórum de Múltiplas Portas: uma proposta de aprimoramento processual.

In: In: AZEVEDO, André Gomma de (Org.). Estudos em arbitragem, mediação e negociação, vol. 2. Brasília: Ed. Grupos de Pesquisa, 2003, p. 248-256.

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Harvard, Frank Sander67, que propunha um modelo de organização judiciária a partir

da qual o poder judiciário configura como centro de resoluções de litígios ou, ainda, centro de justiça. Destaque-se, mais uma vez, que a natureza do conflito a ser solucionado, verificada mediante uma triagem inicial, determina o procedimento a ser utilizado, considerando que, a depender do caso concreto, há pontos positivos e negativos em cada opção. Trata-se, portanto, de um sistema amplo e flexível, em que não é apresentada ao jurisdicionado somente a alternativa do processo judicial tradicional – modelo de única porta –, mas sim uma variedade de portas, sendo as partes direcionadas àquela adequada e recomendável para resolução do conflito que as envolve.68

Como vantagem desse sistema, tem-se uma atuação mais ativa, por parte do cidadão, na escolha do processo de resolução de suas disputas dentre a variedade de procedimentos disponibilizados. Portanto, não há mais exclusividade na utilização dos procedimentos tradicionais, imperativos e coercitivos por natureza. Isso porque a construção do consenso e do diálogo dentro do processo passou a ser valorizada, assim como um maior envolvimento de todos os participantes nos processos de resolução de seus desentendimentos.69

A respeito do consenso, pode-se dizer que a sua tarefa precípua é alcançar o compromisso entre as partes. Em outras palavras, a busca pelo consenso pressupõe a busca de um compromisso. As concessões mútuas, realizadas pelas partes, levam à harmonização de suas diferenças. Assim, viabiliza-se a aproximação de suas posições, que se distanciam do antagonismo até então existente.70

Portanto, o consenso revela-se como protagonista, essencial à readequação do sistema jurídico, que passa a fazer uso de novos métodos de processamento de litígios, ainda não muito valorizados pelos operadores do direito. Nesse sentido, a fim

67 O conceito foi lançado por ocasião de sua palestra na Conferência de Pound, em 1976. Cf.

ALMEIDA, Rafael Alves de; ALMEIDA, Tania; CRESPO, Mariana Hernandez (Org.). Tribunal Multiportas: investindo no capital social para maximizar o sistema de solução de conflitos no Brasil. Rio de Janeiro: FGV, 2012, p. 25 – 37.

68 AZEVEDO, André Gomma de. Perspectivas metodológicas do processo de mediação:

apontamentos sobre a autocomposição no direito processual. In: AZEVEDO, André Gomma de (Org.). Estudos em arbitragem, mediação e negociação, vol. 2. Brasília: Ed. Grupos de Pesquisa, 2003, p. 166.

69 ALMEIDA, Rafael Alves de; ALMEIDA, Tania; CRESPO, Mariana Hernandez (Org.). Tribunal

Multiportas: investindo no capital social para maximizar o sistema de solução de conflitos no Brasil. Rio de Janeiro: FGV, 2012, p. 25-30.

70 MOSCOVICI, Serge; DOISE, Willen. Dissensões e consenso: uma teoria geral das decisões

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de garantir a efetividade do processo e, consequentemente, uma adequada resposta jurisdicional, torna-se indispensável o reexame de posturas adotadas, até então, com exclusividade na práxis processual.71

Há quem diga que esteja ocorrendo uma transição de paradigmas já que os instrumentos consensuais têm ganhado considerável relevância diante da crise dos modelos tradicionais de jurisdição, pautados na lógica processual binária de que existe, ao final, um ganhador e um perdedor. A partir de um tratamento do conflito sob o paradigma do consenso, é propiciada aos seus envolvidos uma experiência de compromisso e participação.72

Nessa linha, Rodolfo de Camargo Mancuso conclui:

No limiar do século XXI impõe-se a primeira alteração de paradigma legitimador da função judicial do Estado, à qual não basta a clássica “subsunção da norma aos fatos”, mas deve, superiormente, transitar em direção a um parâmetro mais fecundo e realizador, qual seja a composição justa dos conflitos, em modo tempestivo e sob razoável relação custo-benefício.73

Também, importante reforçar a necessidade de coexistência harmônica entre os métodos, já que a finalidade de todos eles é a mesma, qual seja a justa composição das controvérsias. Na verdade, o que se defende é a existência de um sistema pluri-processual, cuja variedade de formas de resolução dos litígios permita que a opção por uma delas seja feita com base na análise das singularidades de cada conflito e características de cada processo.74

Considerando que, no Estado Constitucional, a resolução dos conflitos pode se dá através da autocomposição ou da heterocomposição75, a partir de então,

71 MORAIS, José Luis Bolzan; SPENGLER, Fabiana Marion. Mediação e Arbitragem: Alternativas à

Jurisdição. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2008, p. 127-128.

72 MORAIS, José Luis Bolzan; SPENGLER, Fabiana Marion. Mediação e Arbitragem: Alternativas à

Jurisdição. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2008, p. 111-112.

73 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Acesso à justiça: condicionantes legítimas e ilegítimas. São

Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 374.

74 AZEVEDO, André Gomma de. Perspectivas metodológicas do processo de mediação:

apontamentos sobre a autocomposição no direito processual. In: AZEVEDO, André Gomma de (Org.). Estudos em arbitragem, mediação e negociação, vol. 2. Brasília: Ed. Grupos de Pesquisa, 2003, p. 168.

75 ARENHART, Sérgio Cruz; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Novo curso de

processo civil: teoria do processo civil [livro eletrônico]. 3. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017, p. 136.

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se-ão esses dois métodos, levando-se em conta suas principais características, bem como o papel dos mecanismos na busca de soluções legítimas.

3.1 A autocomposição: construindo soluções consensuadas

Imperioso destacar que a possibilidade de utilização de métodos que não o da jurisdição tradicional não tem como propósito desvalorizar ou colocar em segundo plano a atividade principal do Poder Judiciário. Na realidade, quando se concede legitimidade à tarefa dos conciliadores e mediadores, apenas são aspiradas novas formas de solução dos litígios.76 Desse modo, não há que se falar em afronta ao já

consolidado monopólio da jurisdição estatal. Até porque esses mecanismos só podem ser utilizados se os direitos envolvidos no conflito forem passíveis de autocomposição.77

De modo geral, pela autocomposição, o conflito é tratado de forma autônoma, já que as próprias partes decidem como resolvê-lo, de modo a atender seus interesses. São, portanto, as protagonistas do processo, uma vez que detêm o poder de decisão. Para tanto, elementos persuasivos e consensuais são utilizados, o que favorece, como resultado, soluções mais eficientes e duradouras.78

Nessa perspectiva, o princípio do acesso à justiça, estampado na Constituição da República Federativa do Brasil79, hoje, também compreende a justiça conciliativa,

introduzida ao atual quadro da política judiciária. Para tanto, considera-se que os métodos autocompositivos, atualmente, são vistos como meios mais favoráveis à resolução de algumas controvérsias.80 Assim, a resolução de conflitos judicializados,

hoje, vai além dos métodos tradicionais da jurisdição clássica que, sobretudo, privilegia a heterocomposição, a ser abordada em tópico próprio.

76 SPENGLER, Fabiana Marion. O Estado-Jurisdição em crise e a instituição do consenso: por

uma outra cultura no tratamento de conflitos. 2007. Tese (Doutorado em Direito) – Programa de Pós-Graduação em Direito, Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, p. 295.

77 CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel.

Teoria Geral do Processo. 30. ed São Paulo: Malheiros, 2014, p. 48

78 MORAIS, José Luis Bolzan; SPENGLER, Fabiana Marion. Mediação e Arbitragem: Alternativas à

Jurisdição. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2008, p. 114

79 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília/DF: 05 out. 1988. Art.

5o, XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.

80 CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel.

Referências

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