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2.3 COMUNICAÇÃO E TECNOLOGIA

2.3.4 A autocomunicação de massa

Uma profunda transformação organizacional e tecnológica foi experimentada pela comunicação em larga escala na última década. Castells (2009) chama de autocomunicação de massa a esse novo tipo de comunicação, baseada em redes interativas horizontais, em comunicação multidirecional, na internet e nas redes de comunicação sem fio.

Ele explica que a comunicação de massa – impressos, rádio, televisão – foi, predominantemente, unidirecional e que essa nova forma de comunicação é interativa, caracterizada pela capacidade de envio de mensagens de muitos para muitos, em tempo real:

I call this historically new form of communication mass self-communication. It is mass communication because it can potentially reach a global audience, as in the posting of a video on YouTube, a blog with RSS links to a number of web sources, or a message to a massive e-mail list. At the same time, it is self-communication because de production of the message is self-generated, the definition of the potential receiver(s) is self-directed, and the retrieval of specific messages or content from the World Wide Web and the electronic communication networks is self- selected. The three forms of communication (interpersonal, mass communication, and mass self-communication) coexist, interact, and complement each other rather than substituting for one another. What is historically novel, with considerable consequences for social organization and cultural change, is the articulation of all forms of communication into a composite, interactive, digital hypertext that includes, mixes, and recombines in their diversity the whole range of cultural expressions conveyed by human interaction. (CASTELLS, 2009, p. 55)

Ele explica que comunicação interpessoal deve ser diferenciada de comunicação social. Na comunicação interpessoal, os sujeitos são os remetentes e os receptores, eles interagem na mensagem enviada de um para o outro. Na comunicação social, o conteúdo tem o potencial de ser difundido para a sociedade, por isso é chamada comunicação de massa. Seu processo pode ser interativo ou unidirecional, mas a mídia tradicional é unidirecional, sua mensagem é enviada de um para muitos, como nos livros, jornais, filmes, rádios e televisões.

A difusão da internet possibilitou essa nova forma de comunicação interativa, caracterizada pela capacidade de envio de mensagens de muitos para muitos, em tempo real, e com a possibilidade de escolha do tamanho do público, dependendo do propósito e das características da prática comunicativa pretendida, afirma o autor.

Ela emergiu com o desenvolvimento da internet 2.0 e 3.0, ou seja, o agrupamento de tecnologias, dispositivos e aplicativos que dão suporte à proliferação de espaços sociais na

internet graças ao aumento da capacidade da banda larga, a softwares livres inovadores e à melhoria dos gráficos e da interface dos computadores, incluindo interação avatar em espaços virtuais tridimensionais. Assim, o universo da autocomunicação de massa é composto pela internet, pela comunicação sem fio, pelos jogos online e redes digitais de produção, remix e distribuição de peças culturais.

Formas revolucionárias de autocomunicação de massa originaram-se na ingenuidade de jovens, usuários que se tornaram criadores. O site de compartilhamento de conteúdo de vídeos YouTube é um exemplo: criado por três jovens americanos que trabalhavam na PayPal, em poucos anos, era o maior meio de comunicação de massa do mundo. MySpace e Facebook são outros exemplos, os dois mais bem sucedidos sites de interação social de usuários de diferentes idades e demografias sociais.

Todavia, o crescimento da autocomunicação de massa não está confinado apenas à alta tecnologia, considera Castells (2009). Como ela é multimodal, a digitalização de conteúdo e os programas sociais avançados geralmente baseados em softwares livres podem ser baixados de graça, permitindo a reformatação de quase todo o conteúdo em qualquer forma, cada vez mais distribuídos via redes sem cabo. Assim, organizações e indivíduos pioneiros aproveitam os baixos custos de produção e distribuição das novas formas de comunicação autônoma, como rádios de baixa frequência, estações piratas de televisão e produção independente de vídeos, para divulgar seu conteúdo digital.

Essa é uma nova realidade comunicativa que tem como espinha dorsal redes de computadores com remetentes globalmente distribuídos e globalmente interativos. É claro que mesmo um meio revolucionário como esse não determina o conteúdo e os efeitos de sua mensagem, mas ele tem o potencial de fazer possível uma produção diversa e autônoma ilimitada da maioria dos fluxos de comunicação. Além disso, a revolução da tecnologia da comunicação e as novas culturas de comunicação autônoma também são processadas e moldadas por organizações e instituições altamente influenciadas pelas estratégias de negócios e lucros e expansão de mercado.

Por outro lado, o fato da autocomunicação de massa ser baseada em redes horizontais de comunicação interativa dificulta seu controle por corporações e governos. Como a comunicação digital permite referência constante a um hipertexto global, seus componentes podem ser remixados pelo ator comunicativo de acordo com seus projetos de comunicação:

Mass self-communication provides the technological platform for the construction of the autonomy of the social actor, be it individual or collective, vis-à-vis the institutions of society. This is why governments are afraid of internet, and this is

why corporations have a love-hate relationship with it and are trying to extract profits while limiting its potential for freedom (for instance, by controlling file sharing or open source networks). (CASTELLS, 2012, p. 6)

Ao se engajarem na produção de mensagens massivas e ao desenvolverem redes autônomas de comunicação horizontal, os indivíduos da sociedade em rede podem inventar novos programas para suas vidas. Podem construir seus projetos compartilhando experiência, subverter a prática da comunicação ocupando o meio e criando a mensagem. “Social movements, throughout history, are the producers of new values and goals around which the institutions of society are transformed to represent these values by creating new norms to organize social life.” (CASTELLS, 2012, p. 9)

Na sociedade em rede, a autonomia comunicativa é basicamente construída nas redes da internet e nas plataformas de comunicação sem fio. As redes sociais digitais oferecem a possibilidade de deliberação e coordenação da ação. Contudo, esse é apenas um componente do processo comunicativo por meio do qual os movimentos sociais relacionam-se com a sociedade. Para Castells (2012), eles também precisam construir espaço público ao criar comunidades livres no espaço urbano, e essas redes são ferramentas decisivas para a mobilização, organização, deliberação, coordenação e decisão.

Assim, a comunicação da era digital global é ativada por tecnologias da informação e da comunicação baseadas na microeletrônica que fazem a combinação de todas as formas de comunicação de massa possíveis em um hipertexto digital, global, multimodal e multicanal. A capacidade interativa desse sistema conduz à autocomunicação de massa, que multiplica e diversifica os pontos de entrada no processo de comunicação. Isso gera autonomia sem precedentes para os sujeitos no processo comunicativo.

Entretanto, mesmo que a autocomunicação de massa aumente a autonomia e liberdade dos atores comunicativos, essa autonomia cultural e tecnológica não necessariamente leva a autonomia da grande mídia. Na verdade, ela cria novos mercados e novas oportunidades de negócios para a mídia. Esse potencial de autonomia também é modelado, controlado e abreviado pela crescente concentração e entrelaçamento das corporações de mídia e operadores de rede pelo mundo.

2.3.5.1 Blogs

O termo blog, do Inglês, é uma redução de weblog, e o ato de publicar em blogs, blogar (blogging), é uma forma interativa de publicar conteúdo na internet desenvolvida em

1990 e que se tornou forma principal de autopublicação dez anos depois. Para Earl e Kimport (2011), blogar é uma prática social.

A blogosfera é um espaço comunicativo multilíngue e internacional, cita Castells (2009). Embora a língua Inglesa tenha a dominado nos primeiros estágios de seu desenvolvimento, apenas 36% dos blogs eram escritos em Inglês em 2007, enquanto 37% eram escritos em Japonês e 8%, em Mandarim.

Blogar é uma nova forma de expressão pessoal e subcultural comunitária que produz resumos e conexões com outros sites. Tornou-se uma forma de convergência comunitária porque possibilita a associação de informação, o estímulo à experiência comunitária, o debate sobre os fatos e o escrutínio da informação disponível, afirma Jenkins (2006).

Contudo, a maioria dos blogs pelo mundo é pessoal. De acordo com uma pesquisa do Pew Internet and American Life Project, 52% dos blogueiros afirmam que publicam principalmente para si, enquanto 32% para seu público. Pode-se dizer, assim, que “a significant share of this form of mass self-communication is closer to ‘electronic autism’ than to actual communication.” (CASTELLS, 2009, p. 66, grifo do autor) No entanto, qualquer comentário na internet, independente da intenção de seu autor, está disponível a todos e sua mensagem, suscetível a ser recebida e reprocessada de forma imprevisível.

Os blogueiros não reivindicam objetividade, diz Jenkins (2006), eles são geralmente posicionados, trabalham com rumores e insinuações e, consequentemente, são mais lidos por pessoas que concordam com eles. Muitas vezes, trabalham com informações sobre eventos passados, mas, em outros momentos, estão criando eventos e tentando usar informações que conseguiram para intervir no processo político.

Jenkins (2006) ressalta que blogar, por um lado, está aumentando o fluxo das ideias no cenário da mídia, mas, por outro, garante uma divisão ainda maior do debate político. O jornalismo principal é cada vez menos confiável, mais conduzido por agendas ideológicas do que por padrões profissionais. Nesse contexto, os blogueiros disputam fato por fato com os jornalistas, muitas vezes acertando, outras errando, mas sempre forçando um segmento do público para a questão das representações dominantes. E é a relação entre essas duas forças que gera a oportunidade de correção de erros.

A grande mídia usa blogs e redes interativas para distribuir seu conteúdo e interagir com sua audiência, mesclando modelos de comunicação vertical e horizontal, explica Castells (2009). A crescente interação entre as redes desses dois modelos não significa, todavia, que a grande mídia está tomando para si essas novas e autônomas formas de geração e distribuição

de conteúdo. Significa, sim, que há um processo convergente que gera uma nova realidade de mídia cujos contornos e efeitos serão definidos nas lutas políticas e de negócios.