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2.3 COMUNICAÇÃO E TECNOLOGIA

2.3.2 A revolução da comunicação

As tecnologias da informação e da comunicação difundiram-se globalmente em menos de 20 anos. Castells (1999) afirma que, entre a década de 1970 e 1990, elas mudaram o status científico e tecnológico do conhecimento e da atividade humanos, mudaram a economia, as empresas, o trabalho, a cultura, o espaço e o tempo, como estamos vendo ao longo deste capítulo.

A constituição desse paradigma começou nos EUA, mais especificamente no Vale do Silício, na Califórnia, nos anos 1970. A internet apareceu como resultado de estratégia militar, cooperação científica, iniciativa tecnológica e inovação contracultural. A primeira rede de computadores, a Arpanet, foi patrocinada pela Agência de Projetos e Pesquisa Avançada (Arpa) do Departamento de Defesa dos Estados Unidos, e entrou em funcionamento em 1969, interligando seus quatro primeiros nós: a Universidade da Califórnia em Los Angeles e em Santa Bárbara, o Stanford Research Institute e a Universidade de Utah. Foi antecedida pela criação do primeiro computador programável e do transistor, cernes da revolução da tecnologia da informação, que ocorreu em três estágios desde a década de 1940: microeletrônica, computadores e telecomunicações.

A revolução da tecnologia da informação se caracteriza pela aplicação do conhecimento e da informação na geração de mais conhecimento e de dispositivos de processamento e comunicação da informação, em “um ciclo de realimentação cumulativo entre a inovação e seu uso.” (CASTELLS, 1999, v. 1, p. 69)

O desenvolvimento dessa tecnologia levou a uma revolução global em todo o sistema de mídia. Castells (2009) salienta que várias tendências e suas interações resultaram na

formação de um novo sistema de mídia global nas últimas décadas e que para se compreender a “communication in the twenty-first century, it is necessary to identify the structure and dynamics of this multimedia system.” (CASTELLS, 2009, p. 73)

Em primeiro lugar, é importante esclarecer que, embora capital e produção sejam globalizados, o conteúdo da mídia é customizado para culturas locais e segmentadas audiências. O capital é global, mas as identidades são locais e nacionais. As organizações da mídia global não são realmente globais, suas redes é que são.

Outra questão central destacada pelo autor é a digitalização da comunicação, que acelerou a difusão de um sistema de mídia integrado tecnologicamente no qual produtos e processos são desenvolvidos em diversas plataformas que suportam uma variedade de conteúdo e expressões de mídia na mesma rede de comunicação global-local. O sucesso das redes de corporações de notícias e de outras propriedades similares está na capacidade de conectarem-se à rede global de comunicação mediada. Assim, processos de localização e globalização trabalham juntos para expandir essas redes.

A configuração do núcleo da mídia global é marcada então por várias tendências: a propriedade das corporações é cada vez mais concentrada; esses conglomerados conseguem entregar uma diversidade de produtos em uma plataforma da mesma forma que um produto em diversas plataformas; a customização e segmentação das audiências são estimuladas para maximizar a publicidade; e há habilidade das redes internas à mídia para encontrar economias ótimas de sinergia.

O processo de formação desse sistema foi guiado e possibilitado também pela evolução de políticas regulatórias em todo o mundo. A comunicação social é uma prática realmente regulada por instituições políticas em todos os países por causa do papel fundamental que a comunicação tem na infraestrutura e na cultura da sociedade, afirma Castells (2009). Há quatro domínios dessa regulação: radiodifusão, mídia impressa, internet e redes de telecomunicação. Há reciprocidade entre os quatro e eles convergiram para formar um sistema digital de comunicação.

Essa convergência é resultado de quatro estágios de transformação, conforme Castells (2009). Primeiro, há uma transformação tecnológica baseada na digitalização, na interligação de computadores, em programas avançados, na melhoria da capacidade das bandas de transmissão e na comunicação via redes sem fio globais e locais ao mesmo tempo que ampliaram o acesso à internet. Segundo, a definição de remetentes e receptores se refere a uma estrutura institucional e organizacional, particularmente da comunicação social, onde ambos são mídia e audiência.

Em terceiro lugar, a dimensão cultural do processo de transformação multidimensional da comunicação pode ser apreendida na intersecção entre duas tendências: o desenvolvimento paralelo de uma cultura global e identidades culturais múltiplas e o aparecimento simultâneo do individualismo e do comunalismo como padrões culturais oponentes, mas igualmente poderosos – tipologia que estudamos anteriormente. A habilidade ou inabilidade de gerar protocolos de comunicação entre esses padrões contraditórios definem a possibilidade de comunicação ou de falta de comunicação entre os sujeitos de diferentes processos de comunicação. A mídia, da televisão à internet, podem ser os protocolos de comunicação que ligam divisões culturais ou fragmentam ainda mais as sociedades.

Por último, cada elemento da grande transformação da comunicação representa a expressão de relações sociais e de poder que marcam a evolução do sistema multimodal de comunicação. Isso é mais aparente na persistência das diferenças digitais entre os países e dentro deles, dependendo de seu poder de consumo e nível de infraestrutura de comunicação. Mesmo com o crescente uso internet e das redes sem fio, a desigualdade de acesso é enorme e as falhas de educação para o uso da cultura digital tende a reproduzir e ampliar estruturas de dominação de classe, étnica, de raça, idade e gênero entre os países e dentro deles.

O crescimento da influência das corporações da mídia, informação e comunicação sobre as instituições regulatórias também contribuem para deixar a revolução da comunicação a serviço de seus interesses, diz Castells (2009). A influência da indústria da publicidade sobre os negócios de mídia por meio da transformação das pessoas em audiência mensurável subordinam a inovação cultural e o prazer do entretenimento ao consumismo comercial. A liberdade de expressão e comunicação na internet e no sistema global e local de multimídia é geralmente reduzida e observada pelas burocracias governamentais, pelas elites políticas, e aparatos ideológico-religiosos, e a privacidade foi abandonada nas estratégias de retenção de dados pessoais.

Assim, mesmo reconhecendo a autonomia humana e de seus sistemas culturais individuais na finalização do significado das mensagens recebidas, Castells (1999) salienta que os meios de comunicação não são instituições neutras e que seus efeitos não são desprezíveis. Ele destaca que a mídia não é uma variável independente na indução de comportamentos:

Suas mensagens, explícitas ou subliminares, são trabalhadas, processadas por indivíduos localizados em contextos sociais específicos, dessa forma modificando o efeito pretendido pela mensagem. Mas os meios de comunicação, em especial a mídia audiovisual de nossa cultura, representa de fato o material básico dos processos de comunicação. Vivemos em um ambiente de mídia, e a maior parte de

nossos estímulos simbólicos vem dos meios de comunicação. (CASTELLS, 1999, v. 1, p. 421)