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3.2 ENGAJAMENTO CÍVICO E PARTICIPAÇÃO PÚBLICA

3.2.5 A internet 2.0 para os ativistas

O termo internet 2.0 foi criado em 2004 por Dale Dougherty, da O’Reilly Media, para descrever o novo negócio, baseado na capacidade compartilhada pelas companhias de oferecer ferramentas aos usuários, e esses, seguindo seus próprios interesses, de gerar conteúdo e gerar interesse de publicidade. Muitas das iniciativas já haviam sido lançadas naquele ano, como Blogger (1999), Friendster (2002), MySpace (2003), LinkedIn (2003), Orkut (2004), Flickr (2004) e Facebook (2004), e outras vieram logo depois, como YouTube (2005), Wordpressm (2005), Twitter (2006) e Tumblr (2007). Em 2013, esse continua a ser o modelo dominante de negócios na internet, possibilitando a realização do que Castells (2009) chama de autocomunicação de massa, como vimos no capítulo anterior.

As mídias sociais possibilitaram a comunicação das pessoas entre cada vez mais amplos círculos de contatos e convergência com e-mails, envio de mensagens, criações digitais, diários, álbuns de fotos, baixar e subir vídeos e música. Para o usuário, usar essas mídias significa criar e receber conteúdo, com muito mais controle do que apenas selecionar conteúdo pronto, produzido em massa. Assim, para Livingstone (2008), a linguagem das relações sociais cotidianas está sendo reformulada: as pessoas definem seu perfil, fazem-no público ou privado, comentam ou enviam mensagem para seus melhores amigos nos seus murais, bloqueiam ou adicionam pessoas em suas redes e muito mais.

A autora afirma que criar e gerar conteúdo em rede online está se tornando um recurso de gerenciamento de identidade, estilo de vida e relações sociais, e os jovens são a vanguarda dessas práticas, como mostram as estatísticas de sites como MySpace e Bebo. Avaliações otimistas enfatizam as novas oportunidades de autoexpressão, sociabilidade, engajamento cívico, criatividade e novas alfabetizações. A distinção entre off-line e online não captura mais as práticas complexas associadas com tecnologias digitais na medida em que elas se entrelaçam nas rotinas do cotidiano.

Livingstone (2008) admite que muito pouco ainda sabemos sobre as contribuições específicas dos sites de redes sociais na definição dessas práticas, se há contribuições, e que é necessário entendermos a relação entre as duas sob a noção de mediação – social e tecnológica. O termo mediação permite-nos evitar avaliações determinísticas quando analisamos o papel da tecnologia nas práticas sociais porque se refere à comunicação realizada por meio de uma ou mais mídias que influenciam, conforme suas possibilidades e obstáculos intrínsecos, a mensagem e a relação entre remetente e receptor.

Embora toda a comunicação seja necessariamente mediada, estudos empíricos sobre as formas e práticas específicas associadas com um meio em particular são necessários. Há uma mutualidade entre o modelamento tecnológico e as práticas sociais, as possibilidades

tecnológicas são aspectos funcionais e relacionais que definem, mas não determinam, as ações do agente em relação a um objeto. Assim, tecnologias devem ser vistas como artefatos que definem e são definidos pelas práticas humanas em interação com, em volta e por meio deles, diz Livingstone (2008).

Apesar de ter sido adotada massivamente pelos usuários para comunicarem sobre questões da vida cotidiana, a internet 2.0 tem sido ferramenta de ativistas capazes de ações bastante sofisticadas. “The rise of easy‐to‐use content creation tools and free hosting was a boon for many groups, but had particular significance for activists and political dissidents.” (ZUCKERMAN, 2012)

Enzensberger (1999) faz um resumo do que seriam usos repressivos e emancipatórios das mídias que deixa evidente o potencial das novas mídias como ferramentas de comunicação emancipatória:

Quadro 2 – Uso repressivo e uso emancipatório da mídia

Repressive use of media Emancipatory use of media

Centrally controlled program Decentralized program

One transmitter, many receivers Each receiver a potential transmitter Immobilization of isolated individuals Mobilization of the masses

Passive consumer behavior Interaction of those involved, feedback

Depoliticization A political learning process

Production by specialists Collective production

Control by property owner or bureaucracy Social control by self-organization Fonte: Enzensberger, 1999, p. 80

Zuckerman (2012) faz um levantamento de ações de ativistas pelo mundo, aplicando sua proposta teórica, a qual chama Cute Cat Theory (Teoria dos Gatinhos Fofinhos). Por ela, o autor sugere que os ativistas considerem como poder das ferramentas da internet 2.0 a característica de ela ser usada por indivíduos inexperientes que gostam de compartilhar imagens de seus gatinhos, por exemplo, já que esses conteúdos são mais dificilmente bloqueados por governos repressivos do que as ferramentas com propósito político específico. Em 2004, dissidentes tunisianos criaram o blog Nawaat (o núcleo, em Árabe) para documentar as falhas da censura da internet pelo presidente Zine El‐Abidine Ben Ali. Os fundadores do blog acreditavam que o governo mantinha o controle da mídia como principal ação de garantia de poder. Perseguidos e processados na Tunísia, os blogueiros emigraram do país e continuaram usando a internet para fazer contra propaganda do governo.

Em 2007, usando o site de observadores da aviação Dailymotion, que permite que fãs do setor postem imagens de aviões no pátio de aeroportos de todo o mundo, o blog passou a

documentar os movimentos da aeronave do presidente do país. Assim, descobriram que ela estava sendo usada pela primeira dama para fazer negócios da família no exterior e conquistaram atenção da imprensa internacional. A resposta do governo foi mais controle sobre a internet, expondo a teoria de Zuckerman (2012): pouca gente no país soube do uso inadequado do avião presidencial, mas todos sentiram o controle do acesso à internet, inclusive os mais preocupados com compartilhar fotos de bebês, de animais de estimação e imagens divertidas.

Zuckerman (2012) descreve outro exemplo, ocorrido no Bahrein, em 2006. Ativistas anônimos usaram o Google Earth para registrar a anexação de terras públicas pela monarquia. Eles criaram um documento em PDF com mapas das terras anexadas para serem dedicadas a corridas de Fórmula 1 e os mapas das favelas. Com o desconforto político, o governo bloqueou o uso do Google Earth, mas o PDF continuou circulando por e-mail. Outros ativistas também passaram a apoiar a ação, divulgando para internautas como contornar o bloqueio da ferramenta do Google por meio de proxies. O acontecimento gerou a oportunidade de aprendizado de invasão de bloqueios por muitos usuários da internet que antes eram leigos.

No entanto, gerar a resposta de um governo não é a única vantagem que a internet 2.0 oferece aos ativistas. Como essas ferramentas são desenvolvidas para o uso de leigos, não apenas ativistas sofisticados, como os citados, são capazes de tirar proveito delas. Elas são adaptadas conforme o uso e suas interfaces estão sendo traduzidas em múltiplas línguas, fazendo-as mais fáceis de serem usadas por pessoas que conheçam pouco o Inglês.

While an experienced activist might be aware of the power of Tor hidden services […] for publishing content while maintaining a high degree of anonymity, an inexperienced user is far more likely to publish a site as a Blogger blog or a Facebook group. Because so many non-activist users use blogs, Facebook and video sharing to express themselves, it’s possible to think of this large population of users in terms of “latent capacity” for activism – should an issue arise that inspires a user of Web2.0 tools to activism, she will be well-positioned to create and share content. (ZUCKERMAN, 2012)

Zuckerman (2012) cita as eleições no Quênia, em 2007, quando blogueiros que escreviam sobre assuntos cotidianos começaram a documentar a violência do governo e promover ações de paz interétnica.

O autor cita ainda a aplicação de sua teoria dos cute cats na China, país que tem a mais sofisticada estrutura de censura da comunicação. Os internautas criaram espaços para o discurso político unindo três estratégias criativas: trocadilhos, imagens e velocidade. Os trocadilhos despistam os browsers de busca e censura do governo por palavras, mesmo que

apenas por algum tempo. Imagens são mais difíceis de bloquear, principalmente, pelo conteúdo subliminar que carregam e o uso de memes. A velocidade está no uso imediato e massivo por retuitadas, reblogadas, compartilhadas e curtidas. Como na China a única possibilidade de discurso político e controvérsia é por meio de imagens e humor, divulgar cute cats é a própria mensagem do ativismo.

Zuckerman (2012) identifica algumas ameaças ao uso da estratégia cute cats: a paralização da internet, obviamente; o registro de usuários com dados de identificação reais; os discursos codificados criados pelos próprios usuários; a censura intermediada pelas companhias de internet; e até a falta de atenção das pessoas ao conteúdo.

Contudo, a internet 2.0 oferece outra vantagem para os ativistas: proteção contra ataques de Distributed Denial of Service (DDoS), os quais funcionam sobrecarregando sites. Ao hospedar um blog no Blogger, por exemplo, o usuário tem a sua disposição toda a segurança oferecida pela Google.

Assim, o custo crescente da censura para os governos e a usabilidade, a facilidade de aprendizado e a resistência aos DDoS fazem da internet 2.0 poderosa ferramenta de ativistas e de mudança social, mesmo que ela tenha sido desenvolvida para as pessoas compartilharem pequenas coisas de suas vidas diárias, resume o autor.

Earl e Kimport (2011) avaliam as possibilidades do ativismo pela rede. Para as autoras, a rede aumenta a audiência, o alcance e a velocidade das mensagens e reduz custos, ampliando a escala, no entanto, é necessário saber ainda se elas mudam os processos dos movimentos, como elas encorajam a participação e a importância deles. A rede também pode ser usada para eliminar a mídia como intermediária e permitir que os organizadores se comuniquem diretamente com o seu público. Facilita ainda a circulação de mensagens em ambientes hostis, como em países com liberdade de expressão controlada.

Ela ainda permite novas formas de ação, como o hacktivism (ações realizadas por hackers) e o flash activism, mobilizações instantâneas e voláteis das quais participam integrantes momentâneos, que não participam de uma organização. “[…] in the age of internet, anyone can become an activist – and they have.” (EARL; KIMPORT, 2011, p. 27)

As possibilidades da rede são as ações e usos que uma tecnologia faz qualitativamente mais fáceis ou possíveis quando comparada às anteriores. Assim, devemos esperar que os efeitos sociais e tecnológicos do uso da rede variem porque os modos como as pessoas as usam para a mudança social variam, alertam Earl e Kimport (2011).

Com tantas possibilidades de engajamento cívico, política participativa e ativismo, Soep (2012) chama atenção para a questão da alfabetização digital, a apropriação do conjunto

de competências e habilidades sociais que os jovens precisam no cenário das novas mídias. Ela afirma que eles devem aprender pelo menos a descobrir como encontrar, filtrar, arranjar e mostrar o conteúdo que encontram e que usarão para contar suas estórias e analisar a trajetória de sua estória, acessando e compreendendo o significado dos dados coletados que revelam como o conteúdo esta sendo consumido.

Para ela, como os jovens empreendem trabalhos meticulosos na produção e criação de conteúdo e programando plataformas, eles tentam prever não apenas como o material vai ficar quando acabado, mas também a repercussão dele. O conteúdo digital que desenvolvem viaja e se transforma e, no processo, esses jovens formam novos códigos de conduta e modos de alfabetização para a era digital. “They need supportive peers, professional colleagues, nimble institutions, and expansive learning theories to do that work well.” (SOEP, 2012, p. 100)