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3.1 JUVENTUDE

3.1.1 Juventude e socialização política

Compreender a juventude e seu engajamento exige também compreender processos de socialização e de socialização política. Para Inglehart e Welzel (2009), os valores básicos do indivíduo refletem as condições mais importantes de sua vivência antes da idade adulta, e as gerações mais velhas transmitem seus valores para seus filhos em cada sociedade. Além disso, a socialização precoce tende a ser mais rígida do que a tardia. “Essa herança cultural não se dissipa facilmente, mas se for incoerente com a experiência de primeira mão do indivíduo, pode desaparecer gradualmente.” (INGLEHART; WELZEL, 2009, p. 130)

Do nascimento até a morte, o processo geral de socialização nunca cessa em nossas vidas, mas quando tratamos da socialização política, todavia, os estudos indicam que o período da juventude é um dos mais ricos.

Niemi e Sobieszek (1977) afirmam que o processo de socialização política pode ser visto mais estreitamente, como aulas de civismo no ensino médio, ou mais amplamente, como todo o aprendizado político. Esse aprendizado não se reduz a conhecer nomes de instituições, por exemplo, e sim a compreender processos de substituição de lideranças, o papel da imprensa, enfim, a apropriação de valores políticos. Bender (1967) reuniu conceitos de socialização política de alguns autores em um. Ele entende socialização política como um processo por meio do qual o indivíduo internaliza atitudes, crenças, percepções e valores politicamente relevantes, ressaltando que politicamente relevante se refere às fronteiras do escopo de pesquisa sobre sistemas sociais, os quais não são políticos apenas no senso governamental, mas mais amplos, como, por exemplo, os padrões familiares de autoridade.

Em paradigmas funcionalistas, a socialização contribui para a manutenção do sistema existente de maneira vertical, de geração para geração, e horizontal, entre indivíduos da mesma geração. Essa ênfase na manutenção e na preocupação com a estabilidade dos sistemas não considera o escopo de consequências que a socialização tem sobre a diversidade política, o conflito e a mudança. Descontinuidades, verticais e horizontais, na transmissão dos padrões existentes são muito evidentes para serem negligenciadas e podem ajudar a explicar a mudança.

Para Castro (2009), os estudos de socialização política exageram na preocupação com a estabilidade política e com a reprodução social, desconsiderando possibilidades de formação de uma contracultura política. Para a autora, parece problemático enfocar a juventude tendo em vista apenas sua adequação ao sistema político vigente porque são descartadas as possibilidades de considerar as contraforças e contraposicões que ela pode mobilizar. Easton (1968) observava à época que a maioria das crianças do mundo crescia em uma cultura alienada de seus pais e que, nesse contexto, a mudança poderia ser a regra e a estabilidade, a exceção. Assim, ele defendia que os estudos na área deveriam considerar mudança e continuidade como fenômenos imperativamente iguais.

As agências de socialização são tipificadas por Bender (1967): a primária é a família, nuclear ou ampliada, e as secundárias são as escolas, o trabalho, os partidos políticos e os meios de comunicação de massa, entre outras. O processo também é compreendido em suas etapas latente e manifesta – conforme a criança vai amadurecendo, a latência vai se reduzindo e se acelera sua manifestação. “With the concept of political socialization we can […] relate specific adult political attitudes and behavioral propensities to the manifest and latent political socialization experiences of childhood.” (ALMOND & VERBA, 1989, p. 13)

Analisando estudos realizados em meados da década de 1960, Niemi e Sobieszek (1977) identificaram que a família é fonte importante de comportamento e atitudes políticas, gerando reflexos, especialmente, no comportamento partidário e no voto, na idade adulta. Para os autores, a influência da família não pode ser negada, nem que seja pelo fato de que pais e filhos vivenciam os mesmos eventos, as mesmas interpretações desses eventos pela mídia e os avaliam por meio dos mesmos pontos de referência. Assim, não há porque adolescentes como um todo terem ideias muito diferentes das dos seus pais. Além disso, os conflitos políticos não colocam os mais velhos contra os mais jovens. Na ausência dessa força, pais e filhos como um todo têm visões muito similares, mesmo que não concordem entre eles. Isso quer dizer que uma cultura juvenil não abrange valores políticos que diferem muito das gerações anteriores.

Easton (1968), contudo, relativiza o papel da família. Enquanto essa agência cumpre papel vital na transmissão de vários aspectos da cultura geral em uma sociedade e na preparação de uma criança para os tipos de papéis que serão esperados dela, como os de gênero, na área da política, ele vê que algumas diferenças importantes parecem ocorrer. Enquanto alguns tipos de orientações são objeto da socialização familiar, outros dependem mais das agências de fora da família. A infância pode ser o período de aprendizado de orientações básicas, mas a adolescência e a juventude, de atitudes em temas e escolha de candidatos, por exemplo.

Aqui, entra o papel fundamental de outra agência na vida dos jovens: a escola. No período do ensino fundamental, a família ainda tem o principal papel no processo, e há ausência de treinamento político das crianças, inclusive porque sua capacidade cognitiva virá apenas com o tempo, acreditam Niemi e Sobieszek (1977). No entanto, no final desse período, a institucionalização acompanha a crescente capacidade e consciência dos adolescentes, e a escola secundária passa a ser crucial para o desenvolvimento de atitudes políticas.

Os eventos políticos, como guerras, escândalos e crises, também são significantes no processo de socialização política dos jovens e determinantes importantes das atitudes políticas que desenvolvem. Pesquisas mostram que jovens e mesmo crianças reagem a eventos políticos e não absorvem passivamente as atitudes de pais e outras pessoas. Aqui, a mídia ganha papel central como fonte de informação porque leva esses fatos diretamente aos jovens, sem os filtros da família e da escola.

Niemi e Sobieszek (1977) acrescentam que as crianças tornam-se capazes de lidar com abstrações somente perto dos 11, 12, 13 anos de idade. A compreensão de contextos políticos e avaliações começa na adolescência, fase da vida para a qual eles trazem visões de autoridade formadas na experiência familiar e reforçadas pela escola. Somente nessa época, podem começar a entender o significado de instituições e formar atitudes políticas.

Assim, para Niemi e Hepburn (1995), o período entre 14 e 25 anos são os de mais rápido aprendizado político em direção a capacidades e atitudes adultas. Mudanças psicológicas e sociais extraordinárias ocorrem nesse período. Nessa fase, os jovens já têm algumas capacidades de adultos, como as capacidades de racionalizar consequências, de avaliar as implicações dos cursos de suas atitudes e de escolher a partir de princípios gerais. Além disso, são os anos em que as sociedades educam formalmente a juventude sobre governo, política e cidadania.

Para Bender (1967) para compreender a transmissão das principais orientações políticas é necessário estudar o período anterior à vida adulta:

We shall for this reason find it useful to confine the discussion of socialization to the preadult period of life […] Our assumption then is that, as in other areas of behavior, the preadult stages are the vital formative years of political life. (BENDER, 1967, p. 392)

A convivência em grupos de amigos é fundamental na formação das atitudes políticas dos jovens. Para Niemi e Sobieszek (1977), os pares exercem considerável influência sobre os pontos de vista políticos de adolescentes e jovens adultos. A cultura juvenil é um elemento do ambiente dos adolescentes, e pesquisadores que tentam compreender as implicações do desenvolvimento de culturas juvenis nacionais e até internacionais devem encontrar mais influência de pares nas atitudes políticas dos jovens.

Os autores destacam outro ponto nesse período da vida: o fortalecimento do reconhecimento dos jovens de sua própria subcultura, com seus interesses específicos. Eles dizem que mudanças importantes nos canais de comunicação disponíveis causam esse efeito, e que há um grande crescimento da quantidade de canais para eles, como jornais e emissoras de televisão e rádio alternativas, além da grande mídia que explora os mercados orientados para os jovens. “[…] it certainly seems reasonable to assert that the relative impact of peers, family, and schools on political learning must yield to some extent to the national impact of the youth culture.” (NIEMI; SOBIESZEK, 1977, p. 223)

Castro (2009) afirma a importância dos posicionamentos que crianças e jovens assumem em relação a outros grupos sociais nos espaços públicos. Ela diz que o papel de telespectador coloca o jovem na posição de definir e construir sentidos em relação a atores dominantes, como governo e políticos, por exemplo, o que indica que os jovens estabelecem prontamente sentidos do que vem a ser cidadão, mesmo que sua ação no espaço público não esteja legitimada. Em um estudo conduzido pela autora com grupos de jovens engajados em partidos políticos e em atividades comunitárias, ela identificou que é presente neles “a busca de um vínculo com o social que dê outros sentidos às suas relações com o mundo e insira o jovem em um coletivo de ação na sociedade”. (CASTRO, 2008, p. 264)

Em resumo, grupos de amigos, mídia e eventos são agências proeminentes na socialização política dos jovens, e, entre outras questões, elas proporcionam o aumento do potencial de mudança nas atitudes políticas de uma geração para a outra, afirmam Niemi e Sobieszek (1977). Para Easton (1968), o que pode ser socialização inadequada para a manutenção das estruturas políticas existentes pode ser altamente apropriada para trazer novas

estruturas baseadas em novos ideais e novos tipos de acomodação política entre os membros do sistema.

Almond e Verba (1989) acreditam que as pessoas são introduzidas no processo de socialização política da mesma forma que no processo de socialização de papéis e em sistemas sociais não políticos. Dessa forma, os conflitos de culturas políticas têm muito em comum com outros conflitos culturais, e os processos políticos aculturativos são mais compreensíveis se considerados como resistências e tendências incorporadas da mudança cultural em geral.

Inglehart e Welzel (2009) afirmam que as mudanças de valores de geração para geração refletem mudanças históricas nas condições existenciais de uma sociedade e que essas mudanças ocorrem nas sociedades onde as gerações mais jovens vivenciam condições de formação diferentes das vividas pelas mais velhas. Em nossos anos de formação, não absorvemos todos os valores que nos passam, e temos maior probabilidade de adotar aqueles valores coerentes com nossa própria experiência nos anos de nossa formação. Esse processo permite a mudança intergeracional de valores, um processo gradual que ocorre à medida que uma geração mais jovem substitui a anterior na população adulta de uma sociedade. Para os autores:

Análises de coortes e comparações intergeracionais indicam que estamos testemunhando um processo gradual de mudança intergeracional de valores associado ao desenvolvimento socioeconômico, refletindo o fato de que condições existenciais cada vez mais favoráveis tendem a fazer com que as pessoas se tornem menos dependentes da religião e valorizem cada vez mais a autoexpressão. (INGLEHART; WELZEL, 2009, p. 148)

Os autores preveem que as grandes mudanças culturais que estão ocorrendo, as quais são associadas a um processo de mudança intergeracional promovido por níveis crescentes de segurança existencial, tem implicações na mudança política das próximas décadas e produzirá apoio e demanda crescente por democracia.