• Nenhum resultado encontrado

Na realidade que se estabelece após o golpe de 1º de Abril, com a instauração da autocracia burguesa, a ideologia do desenvolvimento e sua aposta na adesão democrática e consensual da sociedade brasileira ao projeto burguês de “modernização conservadora” é substituída por um projeto político predominantemente coercitivo de pura dominação de classe. Nessas condições a ideologia do desenvolvimento é substituída por uma ideologia que une a modernização necessária do capitalismo brasileiro com a preservação coercitiva dos interesses da burguesia local e estrangeira.

No cenário nacional autocrático é que ganha destaque a doutrina da “segurança nacional e desenvolvimento”. Uma ideologia construída nos escritórios da Escola Superior de Guerra (ESG) e que orientou os principais pressupostos da política de desenvolvimento econômico e social do país até meados da década de 80 com o fim da autocracia burguesa. Assim, segundo Ianni (1981), o planejamento econômico e a tecnocracia foram alçados ao status de verdadeiros condutores da nação. Planejar passou a ser a palavra

mágica, em nome da qual se exercia a ditadura á revelia dos interesses dos trabalhadores. Numa sociedade em que o debate político fora cancelado e a exploração dos trabalhadores urbanos e rurais atingia altos níveis era necessário legitimar a ditadura do capital por meio da “ideologização da sistemática, coerência, operatividade, pragmatismo, racionalidade, modernização, etc... da política econômica” (Ianni, 1981, p. 6). Assim, o discurso da “tecnocracia estatal” dava a impressão que os militares estavam por meio da “racionalização” livrando o país da bagunça e da corrupção.

A ação governamental obedecerá o planejamento que visa promover o desenvolvimento econômico-social do País e a segurança nacional, norteando-se segundo planos e programas [...] e compreenderá a elaboração e atualização dos seguintes instrumentos básicos: a) plano geral de governo; b) programas gerais, setoriais e regionais, de duração plurianual; c) orçamento-programa anual; d) programação financeira de desembolso. (BRASIL, MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO apud IANNI, 1981, p. 6).

De acordo com Maria Helena Moreira Alves (1984), a concepção da ideologia do desenvolvimento adotada pela ditadura pressupõe a existência de dois componentes associados: o desenvolvimento econômico e a segurança nacional. Para a ditadura a segurança do país impõe o desenvolvimento que se caracteriza pelo: avanço dos recursos produtivos, a industrialização e uma efetiva utilização dos recursos naturais, uma extensa rede de transportes e comunicações, para integrar o território, bem como o treinamento de força de trabalho especializada. Segundo o Manual básico da ESG (Apud ALVES, 1984, p. 48) estão entre as principais prioridades para a segurança do país: “sua capacidade de acumulação e absorção de capital, a qualidade de sua força de trabalho, o desenvolvimento científico e tecnológico e a eficácia de seus setores industriais.” Portanto, na doutrina de Segurança Nacional e desenvolvimento, a defesa dos interesses burgueses, travestida de defesa militar é considerada o principal objetivo do desenvolvimento econômico mais que as necessidades materiais básicas da população brasileira. Se antes a elevação do padrão de vida da população disfarçava os reais interesses da burguesia, agora é a segurança nacional e a defesa militar que escondem as

verdadeiras intenções das classes dominantes.

Baseada nessa concepção de desenvolvimento a autocracia burguesa desenvolveu vários planos e programas governamentais ao longo do período em que esteve no poder. Esses planos mostram de forma geral as principais intervenções da ditadura na continuidade da modernização conservadora no Brasil. Seguindo o estudo de Octávio Ianni (1981) a seguir citaremos panoramicamente alguns deles:

2.8.1 Programa de Ação Econômica do governo: 1964-1966

Teve como objetivo principal promover a estabilização financeira e criar as condições propícias ao desenvolvimento das “forças do mercado” e da livre empresa no Brasil. Para desenvolver tais objetivos o programa propunha primeiro um combate à inflação através da criação do Conselho Nacional de Política Salarial que se destinou principalmente ao controle e rebaixamento salarial. Assim, para a ditadura essa política fazia parte da,

austera política salarial e da despolitização dos sindicatos, como parte do esforço antiinflacionário e de restauração da disciplina social. (apud IANNI, 1981, p. 8)

Em segundo lugar, o programa estabeleceu uma política de claro favorecimento ao capital estrangeiro. Com essa medida, segundo Ianni (1981, p. 8) o Marechal Castello Branco adotou uma

[...] política de estímulo ao ingresso de capitais estrangeiros, e de ativa cooperação técnica e financeira com agências internacionais, com outros governos e, em particular, com o sistema multilateral da Aliança para o Progresso, de modo a acelerar a taxa de desenvolvimento econômico.

2.8.2 Diretrizes de Governo: 1967

Esse documento teve como objetivo básico estabelecer as metas da política de desenvolvimento econômico do governo Costa e Silva (1967-1969). Em linhas gerais, um dos pontos que mais chama a atenção no programa é o

estímulo ao capital privado nacional e estrangeiro. Seguindo as linhas do

próprio documento: “O desenvolvimento econômico impõe o fortalecimento da empresa privada nacional, sem qualquer discriminação em relação à empresa estrangeira.” (IANNI, 1981, p. 9)

2.8.3 Plano Decenal de Desenvolvimento Econômico e Social: 1967 – 1976.

Neste plano a ditadura primeiramente esclarecia que pretendia ficar bastante tempo no poder. O principal objetivo do plano era além de manter as diretrizes gerais a formação de capitais no âmbito da administração pública e determinar investimentos em setores de atuação de empresas privadas.

2.8.4 Programa Estratégico de Desenvolvimento: 1968 - 1970

Segundo Ianni (1981) esse plano possui uma linguagem muito menos tecnocrática e com algum conteúdo de análise histórica e econômica que identificava diversas debilidades da economia nacional. Em sues aspectos principais o plano mostra como o poder estatal, enquanto instituição econômica e política passava a ter importância fundamental na acumulação monopolista no Brasil. Segundo o documento:

[...] é impossível arrolar um conjunto de medidas de política econômica que, além dos investimentos em infra-estrutura, preparem o terreno par a adoção de uma explícita estratégia de longo prazo. Entre essas, é possível destacar: 1) Estabelecimento de mecanismos de incentivo e captação de poupança nacional, voluntária e compulsória [...] 2) Institucionalização e disciplinamento dos mecanismos de incentivo e revelação de oportunidades de investimentos industrial (fundos, bancos de desenvolvimento, agentes

financeiros), que permitam aumentar a eficiência do investimento industrial e uma maior velocidade de repasse ao setor industrial dos fundos da poupança pública. (apud IANNI, 1981, p. 10).

2.8.5 - Metas e bases para a ação do governo: 1970 - 1971

Esse documento estabelecia as linhas gerais da política de desenvolvimento econômico do governo Médici (1969-1974). Segundo Ianni (1981) em todos esses planos de governo era essencial passar a imagem de continuidade da “revolução”. E foi exatamente nesses anos que surge a propaganda imperialista do “milagre brasileiro” do “Brasil como potência” ou “país do futuro”. Pelo documento podemos perceber nessa conjuntura de esperanças a força ideológica do mito do desenvolvimento como aglutinador de expectativas no Brasil. O objetivo síntese do plano era: “o ingresso do Brasil no mundo desenvolvido até o final do século, como uma sociedade efetivamente desenvolvida, democrática e soberana, assegurando-se, assim a viabilidade econômica, social e política no Brasil” (Apud IANNI, 1981, p. 11)

Utilizando-se do crescimento econômico obtido com o “milagre brasileiro” a ditadura procurava captar o que restava do espírito ideológico do desenvolvimento que ainda permanecia como o grande objetivo não alcançado pelo Brasil. O que estava em questão, diziam os defensores da ditadura, era o grande sonho da criação de uma sociedade industrial nos trópicos. A ideologia autocrático-burguesa divulgava que em busca deste “milagre” de desenvolvimento podia-se tudo: dar um golpe militar, aumentar a exploração do trabalho urbano e rural, prender e “torturar subversivos” e endividar o país com o capital estrangeiro.

Para alcançar o sonho de desenvolvimento econômico e social divulgado pela ditadura o documento propunha aprofundar ainda mais os laços econômicos do país com o imperialismo mundial.

[...] é chegado agora, o momento de partir para a tarefa maior de realizar, em todas as suas dimensões, um modelo brasileiro de desenvolvimento [...] Esse modelo significa a maneira

brasileira de organizar Estado e construir as instituições para criar, no país, uma economia moderna, competitiva e dinâmica, que mostre a viabilidade de desenvolver o Brasil com o apoio na empresa privada. No dinamismo revelado pela economia brasileira recentemente, o país cresceu extraordinariamente para dentro de si próprio e cresceu também pela maior integração na economia internacional. A nação pode, hoje, olhar para o futuro com mais confiança do que em qualquer fase anterior de sua história. (apud IANNI, 1981, p. 11)

2.8.6 Plano Nacional de Desenvolvimento: 1972-1974

Segundo Ianni (1981) este programa foi desenvolvido em plena euforia do “milagre econômico” com a possibilidade de transformação do Brasil em potência mundial e o aceno do governo dos EUA em ter o país como principal aliado na América do Sul. Por isso, nesse período da ditadura aumentaram a brutalidade, a repressão e a tortura. Contra todos os setores das classes assalariadas e em especial o proletariado urbano e rural. Assim, adotou-se uma concepção mais complexa e integrada do desenvolvimento, baseada na estabilidade política e na segurança interna. Todas essas medidas para sustentar a acumulação monopolista conduzida pelas burguesias nacional e imperialista, associadas econômica e politicamente para sustentar sua autocracia no Brasil.

Para Ianni (1981) foi nessa época que a ditadura adquiriu o seu maior ímpeto repressivo ao mesmo tempo que florescia o crescimento econômico com a campanha do “milagre brasileiro”. Assim o plano prevê o padrão de desenvolvimento econômico brasileiro como um modelo a ser seguido pelos outros países periféricos:

O plano oficializa ambiciosamente o conceito de “modelo brasileiro”, definindo-o com o modo brasileiro de organizar o Estado e moldar as instituições para, no espaço de uma geração, transformar o Brasil em nação desenvolvida. (apud IANNI, 1981, p. 13)

2.8.7 - II Plano Nacional de Desenvolvimento 1975 - 1979

No referido plano, estimulada pela propaganda imperialista anticomunista, a ditadura ressuscita o tom grandiloqüente e quase mítico atribuído ao desenvolvimento econômico em épocas passadas. Para Ianni (1981) nesse caso o tom grandiloqüente do discurso desenvolvimentista da década de 50, posto na boca dos militares assume um caráter tragicômico declarado, tendo em vista a superexploração que era submetida a massa dos trabalhadores urbanos e rurais do Brasil. No documento percebe-se a proliferação das políticas de estímulo a concentração e centralização de capitais no sentido de garantir um espaço de ampliação para o capital financeiro no Brasil. Podemos assim apreender a influência de uma nova fração da classe burguesa no Brasil que passa a ganhar força em plena ditadura e iria se tornar hegemônica mais tarde: a aristocracia financeira. Por outro lado, o documento reforça a política de achatamento salarial que acompanha todo o regime.

Utilização, para a aceleração do desenvolvimento de certos setores, de estruturas empresariais poderosas, como a criação de grandes empresas através da política de fusões e incorporações – na indústria, na infra-estrutura, na comercialização urbana, no sistema financeiro (inclusive na área imobiliária) – ou a formação de conglomerados financeiros, ou industriais-financeiros [...] A atual fórmula da política salarial deverá ser mantida para os reajustes em acordos e dissídios coletivos [...] (apud IANNI, 1981, p. 14)

2.8.8 - III Plano Nacional de Desenvolvimento: 1980 - 1985

O plano que definiu o planejamento econômico e social do último presidente da ditadura o General João Batista Figueiredo apresenta as bases para o combate à inflação galopante que atingia a economia brasileira depois da euforia do “milagre”. Ao mesmo tempo, o documento reflete a preocupação da ditadura com o aumento exponencial da dívida externa adquirida pela

estratégia econômica do “milagre brasileiro”. Ao invés de levar o Brasil para o seleto grupo das nações desenvolvidas o “milagre” promoveu um endividamento sem precedentes da economia nacional. Além disso, segundo Ianni (1981) o governo ainda comprometeu-se com o capital monopolista internacional abrindo flancos de investimentos com a desestatização de algumas áreas estratégicas para o capital financeiro.

Observa-se também certo encaminhamento para a desburocratização da máquina pública o que sugere indícios de construção da conhecida estratégia de transição lenta, gradual e segura para o regime democrático. Dessa forma a transição democrática ocorrerá sem a participação do movimento pelas “diretas já” que tomava as ruas do Brasil reafirmando a cultura política burguesa de transições pelo alto. Um acordo tão autoritário e infeliz que fez Florestan Fernandes cunhá-lo de “Transição transada”. Segundo próprio documento seu principal objetivo era:

[...] eliminar os excessos de burocracia; de simplificar o relacionamento entre as esferas do governo, e destas com o setor privado, atuando sobre focos de crescimento da burocracia, como o excesso de leis, decretos-lei, portarias e regulamentos que atribuem amplos poderes discricionários a órgãos do Poder Executivo, assim como complicadas rotinas administrativas que superpõem exigências legais e regulamentares. (apud IANNI, 1981, p. 15)

Os planos governamentais apresentados nos oferecem exemplos claros de como a política de desenvolvimento foi construída pela autocracia burguesa. Não é difícil notar que através da repressão institucionalizada foi possível a burguesia brasileira reafirmar e aprofundar todas as características que acompanham o seu projeto de “modernização conservadora”. Ou seja, foi possível através do aparato repressivo estatal garantir a intensa exploração do trabalho, a intensificação da subordinação externa e o aumento dos lucros da burguesia nacional.

Da mesma forma nos ajudam a perceber o real sentido do golpe e da ditadura instaurada a partir de 1964. Como diz Florestan Fernandes (1986) um processo de opressão institucionalizado que ao longo de ¼ de século cumpriu com dois objetivos da burguesia: 1) a integração horizontal, em sentido e em escala nacionais e internacionais, dos interesses das classes burguesas; 2) a

probabilidade de impor tais interesses a toda comunidade nacional de modo coercitivo e “legítimo”. Segundo o autor, a “autocracia burguesa” reforçou a capacidade de organização da classe capitalista nacional e suas articulações com a comunidade internacional de negócios. Com isso, ela assegurou a consolidação da dominação burguesa de modo a criar a base política necessária a uma transição segura para o capitalismo monopolista, o que segundo Florestan Fernandes (1976), nunca constitui um processo simples por causa dos conflitos fracionais no interior do bloco burguês e da pressão das classes subalternas.

Além disso esses vários planos governamentais nos oferecem casos exemplares da transformação que sofreu a ideologia do desenvolvimento no período autocrático burguês. Ao mesmo tempo nos proporcionam uma idéia de como o mito do desenvolvimento se solidificou no imaginário coletivo da sociedade brasileira. Podemos até arriscar que sua força aglutinadora e sua permanência no tempo oferecem a essa ideologia, típica de um país capitalista periférico, um lugar de destaque na cultura política nacional.

2.9 - O saldo histórico da revolução burguesa e o sentido concreto

Documentos relacionados