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1.2 – A especificidade da revolução burguesa no Brasil e a particularidade da cultura política da burguesia brasileira

No Brasil alguns autores como Luis Werneck Vianna11, Carlos Nelson Coutinho12, Leandro Konder 13 entre outros, apoiaram-se nas análises da

“revolução passiva” e da “via prussiana” com o objetivo de desvendar a intrigante e peculiar via de desenvolvimento capitalista no Brasil. Para esses autores brasileiros, mesmo em seus breves períodos democráticos, o desenvolvimento político e ideológico da burguesia brasileira assumiu um caráter elitista e autoritário muito parecido com as intervenções políticas das classes dominantes na Alemanha e na Itália. Como afirma Carlos Nelson Coutinho (1979, p.41):

[...] as transformações políticas e a modernização econômico- social no Brasil foram sempre efetuadas no quadro de uma “via prussiana”, ou seja, através da conciliação entre frações das classes dominantes, de medidas aplicadas “de cima para baixo”, com a conservação essencial das relações de produção atrasadas (o latifúndio) e com a reprodução (ampliada) da dependência ao capitalismo internacional; essas transformações “pelo alto” tiveram como causa e efeito principais a permanente tentativa de marginalizar as massas populares não só da vida social em geral, mas sobretudo do processo de formação das grandes decisões políticas nacionais.”

Existem vários exemplos na história de consolidação e desenvolvimento capitalista no Brasil que corroboram com a tese de que em nosso país também se processaram transformações com base numa cultura política burguesa claramente restauradora, anti-democrática e contra-revolucionária. A nossa

11 VIANNA, Luiz Werneck. A revolução passiva. Rio de Janeiro: IUPERJ, 1997.

12 COUTINHO, Carlos Nelson. A democracia como valor universal. In: SILVEIRA, Ênio. (Et al).

Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979.

independência do estatuto de colônia, por exemplo, conseguiu barrar todas as tentativas revolucionárias e acabou sendo realizada por um príncipe português, numa típica manobra “pelo alto”. Na história do império, a antiga oligarquia colonial manteve todos os seus privilégios econômicos e políticos. Por sua vez, a proclamação da república, também logrou abafar os movimentos populares e promover uma transição “pelo alto” que foi capitalizada pelas velhas oligarquias agrárias. A revolução de 1930, apesar do nome, não passou de uma “rearrumação” do velho bloco de poder, cooptando os setores mais radicais da classe média urbana. Mais adiante, a passagem para o período de industrialização brasileira se deu sob a proteção de um regime claramente bonapartista: o “Estado Novo”, que assegurou pela repressão e pela demagogia a neutralização da classe operária, ao mesmo tempo que conservou quase intocado antigos privilégios das oligarquias, como, por exemplo, o poder do latifúndio. Mas com certeza de todas essas intervenções políticas das classes dominantes brasileiras a que mais transparece seu caráter contra-revolucionário é o golpe de Estado de 1964 que instaurou uma violenta autocracia em nome da conservação e da restauração burguesas. (COUTINHO, 1979).

Assim, na história brasileira é comum classificarem-se com o nome de “revolução” movimentos políticos que apenas encontraram a sua razão se ser na firme intenção de evitar a ruptura radical com o passado, e assim se fala de “revolução” de 1930 ou de “revolução” de 1964. Todos acostumados a uma linguagem de paradoxos em que a conservação para cumprir seu papel deve reivindicar o que deveria consistir no seu contrário. Neste sentido, a célebre frase do então presidente de Minas Gerais em 1929 às portas da “revolução de 1930” exemplifica com precisão o caráter de mudança com conservação ou de “modernização conservadora” (FERNANDES, 1976) da transição capitalista brasileira: “façamos a revolução pelo voto antes que o povo a faça pelas armas”.

Não há dúvidas que a transição capitalista no Brasil e a cultura política forma de intervenção política que as classes dominantes brasileiras assumiram ao longo da história se aproximam e muito das características de “revolução pelo alto” ou de “revolução/restauração” apontadas por Lukács e Gramsci

respectivamente. No entanto, apesar de em linhas gerais as formulações dos clássicos marxistas nos ajudarem a apreender algumas particularidades da cultura política brasileira interligada ao movimento universal do capitalismo mundial, é importante ressaltar que essas semelhanças teóricas guardam profundas diferenças no plano histórico concreto. Diriamos até que talvez nossas semelhanças com o caso alemão e italiano de transição capitalista “pelo alto” ou “restauradora” localizem-se apenas no plano abstrato formal, pois no que diz respeito aos conteúdos históricos particulares da transição, algumas diferenças na formação da cultura política burguesa afloram com grande densidade.

Ao seguir as indicações teóricas de Caio Prado Jr. sobre uma “via colonial de desenvolvimento capitalista” podemos afirmar que no plano histórico concreto a principal diferença entre a formação do capitalismo alemão e italiano com relação ao brasileiro está nos modelos de articulação da economia desses países e da economia brasileira com o capitalismo mundial. No caso alemão e italiano os setores mais dinâmicos da economia sempre estiveram desde o início do “período burguês” integrados de forma relativamente dinâmica ao mercado mundial e jamais de modo inteiramente subalterno como é o caso de economias coloniais como a do Brasil. Assim, o passado colonial e escravocrata brasileiro jogaria um forte peso na determinação da forma de atuação política e ideológica da burguesia brasileira. Ou seja, essa principal diferença configura um quadro extremamente diverso para a construção da cultura política burguesa nesses países. Como com precisão adverte Rêgo (1996, p. 121)

[...] nossos atrasados coronéis e fazendeiros, como personificações de relações econômicas, em quase nada se assemelham aos Junkers prussianos. Estes personificavam, desde o século XV, as mais modernas e poderosas formas do capital mercantil europeu, comportando no seu movimento político de classe as mediações contraditórias daquela forma, ou seja, reunindo no mesmo âmbito de ação os impulsos de preservação do mesmo mundo.

Em outras palavras, apesar de possuir muitas semelhanças com a forma de transição capitalista na Alemanha e na Itália, no plano histórico concreto, o conteúdo do atraso brasileiro é totalmente distinto. Isso quer dizer que o caráter tardio do capitalismo alemão e italiano e todas as suas conseqüências para o surgimento de uma cultura política “bonapartista” e “transformista” foi mediado pela imensa força de seu tecido medieval. Enquanto que as características coloniais que fizeram do Brasil uma nação periférica, na qual as classes dominantes possuem uma cultura política “restauradora” e “contra- revolucionária” foram mediadas por uma característica distinta: assentada no seu passado colonial e escravista.

Além dessa diferença ancorada no passado outra questão é que tanto a Alemanha como a Itália tiveram seu processo de industrialização iniciado nas últimas décadas do século XIX; fato histórico que possibilitou a ambas as nações adentrarem o período monopolista do capitalismo com uma política imperialista extremamente voraz, o que possibilitou alcançarem no século XX uma grande velocidade de desenvolvimento e modernização. Como ressalta José Chasin:

[...] enquanto a industrialização alemã é das últimas décadas do século XIX, e atinge, no processo, a partir de certo momento, grande velocidade e expressão, a ponto da Alemanha alcançar a configuração imperialista, no Brasil a industrialização principia a se realizar efetivamente muito mais tarde, já num ponto avançado da época das guerras imperialistas, e sem nunca, com isto, romper sua condição de país subordinado aos pólos hegemônicos da economia internacional. De sorte que "o verdadeiro capitalismo" alemão é tardio, enquanto o brasileiro é hipertardio (CHASIN, 1999. p. 628).

Essas diferenciações, entre outras, fazem com que autores como Chasin (1999) e Mazzeo (1997) seguindo as indicações de Caio Prado Jr. e Florestan Fernandes prefiram a designação de caminho colonial para apontar a particularidade de um caso específico de realização do capitalismo. Assim, em nossa análise teórica, apesar de aceitarmos as nítidas semelhanças entre o processo de transição brasileiro e de alguns países europeus preferimos utilizar a denominação de “via colonial” para especificar o terreno econômico e político

sobre o qual foram historicamente tecidas a cultura política e as estratégias ideológicas da burguesia brasileira.

Para nós, a referência à condição colonial e à subordinação ao capitalismo internacional é importante, pois acena para a construção histórica de uma forma de ação política das classes dominantes que além de estar baseada no autoritarismo das soluções “pelo alto”, adquire características peculiares tais como: a reiteração da subordinação aos países centrais e a aversão da burguesia às conquistas da classe trabalhadora, mesmo quando estas não ultrapassam o estreito limite do direito formal burguês.

A questão é que a particularidade da transição capitalista brasileira remete necessariamente a nossa experiência colonial que, diferentemente das nações européias tardias, nos legou uma unificação precoce, configurada numa estrutura estatal moderna, mas continuamente atrelada aos interesses do capitalismo internacional. Nossa história de colônia e nossa “modernização conservadora” (FERNANDES, 1976) construíram um futuro que sempre repõe características do nosso passado. Nessa direção, continua válida a afirmação, feita ainda nos anos 40, de um dos grandes intérpretes marxistas do Brasil contemporâneo:

Observando-se o Brasil de hoje, o que salta a vista é um organismo em franca e ativa transformação [...] Mas isto, apesar de tudo é excepcional. Na maior parte dos exemplos, e no conjunto, em todo caso, atrás daquelas transformações que às vezes nos podem iludir, sente-se a presença de uma realidade já muito antiga que até nos admira de aí achar e que não é senão aquele passado colonial. (PRADO JÚNIOR, 1976, p. 11).

Diferentemente dos países da Europa nosso “capitalismo retardatário” tem na herança colonial a base histórica para o seu desenvolvimento. Como afirma Caio Prado Jr. (1999) somos filhos da grande empresa comercial da colonização européia das Américas, iniciada no século XV, e que possibilitou a acumulação primitiva necessária ao desenvolvimento da revolução industrial na Europa.

No sistema internacional e universal assim constiuído – ou que se foi constituindo depois do encerramento da idade média – o

Brasil figuraria como um território, em seguida uma coletividade humana em vias de integração e afinal um país e propriamente nação, de natureza marginal e periférica, destinada a servir de campo para o exercício e os objetivosdaquela atividade mercantil característica, do mundo moderno, dos povos europeus ou de origem européia. Nisso consiste o fundo, e podemos dizer a substância da formação e evolução brasileiras. (PRADO JÚNIOR, 1999, p. 34).

A colonização e a forma de exploração do trabalho dela decorrente: a escravidão negra, com sua duração no tempo, sua extensão espacial, sua indispensabilidade à acumulação econômica dos países centrais, sua força como instituição formadora de hábitos e costumes políticos e culturais forjaram o legado específico que forma o cadinho econômico, cultural e político da formação social brasileira. (RÊGO, 1996). Como diriam também, Florestan Fernandes (1976), Octávio Ianni (1984), entre outros legítimos representantes do marxismo crítico brasileiro, o colonialismo inseriu uma dinâmica econômica e política peculiar que forjou as relações sociais no Brasil e que acompanha todo o desenvolvimento posterior do capitalismo brasileiro.

Neste ambiente de desenvolvimento capitalista periférico é que a burguesia brasileira terá que construir as suas estratégias ideológicas com o objetivo de, por um lado, unificar as diversas frações burguesas em torno de um projeto político claro e factível e, por outro, socializar com as demais classes e grupos sociais promessas ideológicas que anunciem um futuro de progresso e crescimento.

1.3 - A particularidade da dominação burguesa no Brasil e a

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