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A AUTONOMIA NO CURSO DAS MUDANÇAS NAS POLÍTICAS

4 AUTONOMIA E PARTICIPAÇÃO EM EDUCAÇÃO NO

4.3 A AUTONOMIA NO CURSO DAS MUDANÇAS NAS POLÍTICAS

Nos anos 90 ficaram evidentes duas entre as muitas inclinações políticas para o projeto educacional brasileiro. De uma parte os que acreditavam na democratização da escola pública e no seu potencial de transformar as condições de desigualdades cultural e econômica que demarcava a organização social brasileira. De outra parte estão situados os que alimentam a crença em uma educação funcional e de estreita relação com as condições necessárias para o desenvolvimento econômico em um sistema capitalista de produção.

Considerando o antagonismo de interesses concernentes a estas duas vertentes a utilização do termo autonomia nesse cenário conflitante reserva orientações distintas, tornando importante refletir sobre suas repercussões nas políticas educacionais.

Com a reorganização política e administrativa do Estado brasileiro e a inserção de novas estratégias de gestão coerentes com os padrões internacionais a autonomia assume novas configurações. O Banco Mundial – instituição de influência econômica e política nas reformas empreendidas no Brasil – em específico na década de 1990, apresentou estudos minuciosos realizados em anos anteriores que demonstraram um vasto conhecimento sobre a nossa realidade educacional. Em contrapartida forneceu uma série de prescrições que orientaram os rumos das políticas nacionais, tendo como parâmetro a prevalência da lógica economicista, com base na relação custo-benefício e no alcance de resultados dos investimentos em educação. De acordo com os estudos de Maria Abádia da Silva (2004a, p.110-111),

O conceito de autonomia na educação, concebido pelos arautos do Banco Mundial, está vinculado ao conceito de flexibilidade, de descentralização e de eficiência. Autonomia, na visão desses arautos, se traduz na capacidade de competir de acordo com as regras do mercado, assumindo um

posicionamento firme de que qualquer investimento em educação tenha retorno imediato [...] [autonomia] se traduz numa escola pública como mais uma empresa capitalista, capaz de competir pelas mesmas regras – de auto- sustentar-se e de flexibilizar-se –, ajustando-se às exigências comerciais e empresariais.

Nesta vertente, observa-se a ênfase no aspecto técnico e imediato da utilização da autonomia, assumindo esta o papel de conformar as questões educacionais para um melhor aproveitamento da relação custo-benefício, promovendo assim a otimização dos recursos no desenvolvimento das práticas educativas e produzindo com isto os melhores resultados possíveis. Desse modo, a autonomia tem como contrapartida a responsabilidade e o compromisso por parte dos sujeitos que atuam na educação. Tomar como critério os resultados aferidos pelo progresso da aprendizagem dos alunos e criar condições para que as escolas respondam por eles compõem o sentido da autonomia na sistemática a que se refere.

Dessa maneira, as transformações de ordem política e econômica impactaram a realidade educacional, em especial na forma de estruturação do trabalho escolar. Nesse contexto, emergem novas formas de gestão, nas quais a questão da autonomia assume centralidade nas proposições. Para Krawczyk (1999, p. 100),

O novo modelo de gestão escolar faz questão de propor a construção de instituições autônomas com capacidade de tomar decisões, elaborar projetos institucionais vinculados às necessidades e aos interesses de sua comunidade, administrar de forma adequada os recursos materiais e escolher as estratégias que lhe permitam chegar aos resultados desejados e que, em seguida, serão avaliados pelas autoridades centrais.

Em conformidade com esta perspectiva, Vieira (2008) elucida uma tendência presente no pensamento de alguns intelectuais brasileiros que participaram, em 1991, da realização do Seminário sobre Qualidade, Eficiência e Equidade na Educação Básica. Como orientação para as discussões neste Seminário foi proposto perseguir alternativas para superar as relações burocráticas concernentes aos sistemas de ensino e às escolas. Nesta concepção, seria necessária a autonomia para a elaboração do projeto institucional e pedagógico de cada unidade de ensino, além da obtenção por parte destas instituições do poder de decisão sobre a alocação de recursos materiais e humanos. Assim, “[...] o papel das instâncias centrais deve ser o de estabelecer diretrizes mínimas, flexíveis e alternativas, de avaliar os resultados e de desregulamentar as exigências formais. (GOMES; AMARAL SOBRINHO, 1992 apud VIEIRA, 2008, p. 136)

Outro fator que reforça a argumentação de Vieira (2008) refere-se à elaboração, ainda no governo Itamar Franco, do Plano Decenal de Educação para Todos, resultante de uma convocação de toda a sociedade e instâncias governamentais – União, estados e municípios – a se posicionarem em favor da qualidade da educação. Para tanto, em relação à escola pública, foi estabelecido que fortalecer sua gestão e ampliar sua autonomia constituem, portanto,

direção prioritária da política educacional. (VIEIRA, 2008, p. 137) Esta autora acrescenta:

No âmbito da escola propriamente dita, passa-se de uma concepção de administração do cotidiano das relações de ensino-aprendizagem para uma noção de um todo mais amplo, multifacetado, relacionado não apenas com a comunidade interna, constituída por professores, alunos e funcionários, mas que se articula com as famílias e a comunidade externa. Assim, não por acaso, o diretor e/ou a unidade administrativa dirigente, passam a ser chamados de “gestor”, “núcleo gestor” e expressões congêneres. (VIEIRA, 2008, p. 141)

Somando-se aos novos papéis forjados no seio dessas mudanças registram-se também nesse período a adoção de técnicas e instrumentos de gestão adaptadas do campo administrativo, alimentando a crença na capacidade destes em solucionar os complexos problemas da realidade educacional brasileira através do direcionamento de ações e recursos de forma estratégica, incidindo sobre os pontos considerados críticos para a realização do processo ensino e aprendizagem, princípios estes mobilizadores da criação da proposta de gestão do programa Fundescola.

A constatação é a de que apesar dos avanços legais e dos esforços empreendidos em favor de melhorias na gestão as instituições educacionais ainda não se estabeleceram como instituições democráticas. (PARO, 2000) Tampouco se constituíram como instituições autônomas, situação que mantém relação com o contexto histórico da educação brasileira, ressaltando-se a forma de colonização, a formação social com base na estrutura de classes, o tipo de assistência dispensada pelo Estado para a educação, o ingresso tardio das classes populares à escola, a inconsistente política de valorização dos profissionais da educação, entre outros. O que se pode visualizar em um modelo educativo com base em técnicas é a pouca ou nenhuma atenção a esse percurso e a tentativa de resolver os problemas sem atacar a raiz, mas em concentrar os esforços na tentativa de mediar os conflitos que a escola reflete por causa desses processos.

4.4 A AUTONOMIA E A PARTICIPAÇÃO NAS RECENTES PROPOSTAS DE GESTÃO: