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A GESTÃO NAS DIRETRIZES PARA AS POLÍTICAS

3 MUDANÇAS NA POLÍTICA EDUCACIONAL BRASILEIRA NA

3.1 A GESTÃO NAS DIRETRIZES PARA AS POLÍTICAS

Apesar das questões ligadas à organização e administração da educação sistematizada não serem recentes, registra-se a utilização do termo gestão da educação nos Estados Unidos nos anos 60, anos 70 no Reino Unido e anos 80 na América Latina. Portanto, ainda são incipientes as formulações teóricas no trato de sua identidade, o que tem gerado muitos debates no campo teórico e na perspectiva conceitual. (CASSASSUS, 2002) No Brasil registram-se muitos estudos nesta área, com grandes contribuições para o debate sobre a gestão educacional. (GARCIA, 1991; LUCK, 2006; MENDONÇA, 2000; OLIVEIRA, 1997;

PARO, 1997, 2007; SANDER, 2005, 2007 entre muitos outros.) Coerente com o objetivo dessa pesquisa, para o momento será destacada a produção de Benno Sander e Vitor Paro.

Sander (2005) atribui à concepção taylorista o desenvolvimento de novos conceitos administrativos, dentre eles o de gestão e gerência, e sua inserção nas diversas áreas da administração que paulatinamente vem substituindo a utilização dos termos administrador e diretor pelo de gestor. Este autor também aborda que a inclusão do termo gestão na realidade educacional brasileira foi tratada a princípio, por parte dos teóricos dessa área, com desaprovação e desconfiança. Uma das justificativas apresentadas se assenta na idéia de que este termo “nos tenha sido trazido de além-mar, pelos representantes do pensamento liberal que atuavam nos bancos internacionais de desenvolvimento e nos organismos multilaterais de cooperação técnica”. (SANDER, 2005, p. 124)

Apesar desse primeiro momento de estranheza conceitual forjada por uma cultura política de resistência, este termo ocupou e ainda ocupa a centralidade em muitos debates no campo educacional. Espaços em que se evidenciam alguns dissensos entre concepções e propostas sobre modelos de gestão. Nesse cenário, dois enfoques são apresentados por Sander (2005) ao investigar os elementos contextuais de utilização do termo gestão: o enfoque produtivo que, orientado pela lógica de mercado, é influenciado atualmente pelo “[...] pensamento neoliberal dos centros de poder econômico nacional e internacional” e o enfoque democrático, cuja natureza é participativa e “voltada para a cidadania, com uma orientação política e cultural”. (SANDER, 2005, p. 126-128)

Em termos legais observa-se a adoção do enfoque democrático conforme reza a Constituição Federal Brasileira de 1988 que institui a possibilidade do exercício direto de participação no poder através da instauração da Gestão Democrática do Ensino Público (Art.206, inciso VI) que, em seguida, foi reafirmado no Artigo 3º da Lei de Diretrizes e Bases de 1996 através do princípio da Gestão Democrática. Princípio este que foi reforçado, mais tarde, na elaboração do Plano Nacional de Educação a partir de 1998.

Apesar da existência dessas possibilidades instituídas legalmente é relevante atentarmos para o fato de que a gestão educacional, ainda que caracterizada como possibilidade de abertura democrática, mantém relação com o projeto de sociedade em questão e se torna componente auxiliar para sua materialização. Considerando o caráter mediador da gestão educacional Paro (1998) argumenta que a função precípua dessa atividade consiste no processo de mediação na busca de fins específicos, traduzidos em objetivos. Portanto, o ato de gerir ou administrar (termos assumidos na perspectiva de Paro como sinônimos) não apresenta um fim em si mesmo, mas um meio de alcançar objetivos de toda ordem e natureza.

Desse modo, não podemos entender a gestão educacional como propriedade exclusiva dos mecanismos de dominação em uma sociedade de classe. Por outro lado, não se pode negar que ao longo das últimas décadas o projeto neoliberal de sociedade tem se destacado na formulação de objetivos para a educação mundial e utilizado a gestão como instrumental importante para alcançá-los.

Para os fins a que se destina esta investigação, entendemos a gestão como sendo uma “[...] atividade pela qual são mobilizados meios e procedimentos para atingir os objetivos da organização, envolvendo, basicamente, os aspectos gerenciais e técnico-administrativos”. (LIBÂNEO; OLIVEIRA; TOSCHI, 2006, p. 318) Dessa forma, ressaltamos o caráter institucional dos princípios da gestão educacional, contudo não desconsideramos a sua aplicação em realidades específicas por meio de programas, condições, desempenho e resultados, tendo por base uma ação orientada pela missão e funções de uma determinada instituição.

Nesse sentido, destacamos, ao definir a gestão educacional, que não se trata de uma ação independente e autônoma para atendimento de objetivos neutros, vez que está situada em um contexto histórico e político em que a educação é orientada por tendências que consideram o modelo de Estado e de sociedade na qual está inserida, com os quais estabelece compromissos e dela são cobrados retornos dos investimentos. (PARO, 2006)

Portanto, pensar em gestão no âmbito da educação extrapola os limites de entendê-la apenas como cenário para organização e desenvolvimento de atividades educacionais sistemáticas e legalmente instituídas. Na verdade nos reportamos também às relações de poder que são estabelecidas no interior desse sistema e o caráter regulador do Estado nessa área.

As idéias difundidas pelo movimento de reforma do Estado e pelo regime de cooperação internacional através do Banco Mundial lançaram à educação brasileira um grande desafio paradoxal. Ao tempo da constatação de que através da educação o Brasil promoveria uma adequada capacitação dos recursos humanos para se inserir em áreas competitivas de um comércio mundial foi registrado também um grande déficit educacional na educação básica, momento em que se perseguia a redução dos custos e aumento da qualidade dos serviços através da otimização de recursos. Neste cenário de solicitações, atrelados à gestão identifica-se a emergência de duas palavras de ordem: qualidade e competitividade. (KUENZER, 2008)

Entre as orientações do Banco Mundial para a realidade educacional brasileira destaca- se o interesse desta agência em orientar o governo federal e os governos estaduais através de assistência técnica e financeira a interferir no comportamento dos municípios incentivando a

adoção do modelo gerencial, através de um esforço de instituir uma política de padrões operacionais mínimos para as secretarias municipais de educação e escolas e incentivar a competição entre municípios, como alternativa para melhorar o desempenho na prestação de serviços educacionais. Nesse caso especificamente, o papel do Banco seria o de auxiliar o estabelecimento de índices de desempenho para os municípios e favorecer o fluxo de informação sobre a “boa gestão”. (BANCO MUNDIAL, 1995) Cumpre-se, desta forma, a análise proposta por Bernstein (1996) ao alertar que entre os objetivos da introdução do gerencialismo no setor público nota-se o empenho em instaurar uma “cultura empresarial competitiva”. (BERNSTEIN, 1996 apud BALL, 2005) Além disso, o Banco também prescreveu a necessidade de acompanhamento da qualidade desses serviços através de avaliações sistemáticas de desempenho dos estudantes.

Assim, inspirados em uma política de diminuição dos investimentos e otimização dos recursos, técnicas e conceitos como eficácia, produtividade e excelência da administração empresarial estão sendo aplicados no âmbito educacional a fim de que os objetivos qualitativos, quantitativos e os indicadores de desempenho previamente estabelecidos sejam alcançados. Perspectiva apresentada aos gestores estaduais e municipais da educação como opção viável para prover as carências apresentadas pelo sistema educacional. Desse modo, observa-se a sobreposição de procedimentos técnicos como orientação para resolver os problemas educacionais e a pouca importância atribuída às contribuições da sociologia da educação para compreensão das raízes históricas e complexidade desses problemas e as proposições apresentadas por este campo do saber. (BUENO, 2004)

Paro (1998) nos auxilia na identificação das contradições da concepção de qualidade inspirada no modelo gerencial ao argumentar sobre a fragilidade de estabelecer parâmetros para aferir a qualidade dos serviços educacionais, o que tem gerado confusões ao adotar os resultados educacionais, traduzidos em índices de aprovação e reprovação, como expressão desta suposta qualidade. Esta concepção, na visão deste autor limita o potencial de desenvolvimento humano com base na formação de cidadãos conscientes e autônomos, aptos a desfrutar da herança historicamente construída e se tornar partícipe do regime democrático, ao invés de se ocupar em atender padrões quantitativos perseguidos pelo sistema.

As reflexões apresentadas apontam para a constatação de que apesar da ampla produção científica em prol do enfoque democrático da gestão, os encaminhamentos propostos pelo movimento de reforma do Estado e as orientações do Banco Mundial tem conduzido para ações que coadunam com o enfoque produtivo, conforme caracterizado por Sander (2005).

Dessa forma, assistimos nos anos 90 a complexa problemática histórica da educação nacional ser concebida pelos redatores do Programa de Governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, em uma perspectiva técnica, como relativo à má gestão de recursos financeiros (CARDOSO, 1994, p. 110), sendo necessário instituir orientações gerais para o uso racional dos recursos e intensificar o alcance de resultados. Surgiu como alternativa plausível para este fim a adoção da metodologia de planejamento estratégico como forma de transferência de objetivos e metas da educação nacional para o âmbito local, bem como desenvolver formas de flexibilizar a gestão na perspectiva de transferir responsabilidades e incentivar a alocação de recursos complementares em outras esferas além da pública, envolvendo iniciativa privada e sociedade civil.